Juros: taxa Selic está hoje em 13,75% (SOPA Images/Getty Images)
Repórter de Economia e Mundo
Publicado em 3 de maio de 2023 às 11h00.
Dentre as principais economias do mundo, o Brasil tem um dos maiores níveis de juros. A taxa básica do país, a Selic, está definida hoje em 13,75% ao ano, e esse patamar, descontado o custo da inflação, faz com que o país tenha também um alto "juro real".
Pela inflação projetada, o juro real brasileiro gira em torno de 7%, e já chegou a ficar em torno de 8% no fim do ano, um número que até hoje é citado pelo governo.
O debate sobre o valor ideal dos juros tem ganhado os holofotes desde janeiro, em meio aos embates de ministros do governo Lula e parte do empresariado com o Banco Central. Entre a população, o tema também ganhou destaque e levou a maioria dos brasileiros a decretar que a taxa de juros está "mais alta do que deveria", segundo o Datafolha.
"Ninguém consegue tomar dinheiro emprestado a 13,75%, a um juro real de 8% se você descontar a inflação”, voltou a repetir Lula durante o Dia do Trabalhador na última segunda-feira, 1º de maio.
Os economistas olham para duas métricas diferentes de juros:
Ao mexer na taxa de juros nominal, as autoridades monetárias tentam influenciar indiretamente a taxa real e obter os efeitos desejados — é usada a chamada Equação de Fisher, que desconta a inflação do juro nominal.
Apesar disso, o juro real não é totalmente definido pelo Banco Central, uma vez que a inflação não está sob controle direto de nenhuma instituição e depende de outros fatores, como expectativas e movimentos internos e externos.
Uma vez projetados esses custos, a taxa que consumidor e empresas encontrarão de fato no mercado varia a depender dos diferentes produtos, do consignado ao cartão de crédito.
Mas a projeção de juro real termina sendo usada como referência das condições gerais nos mercados. Ao escolher tomar crédito para expandir uma linha de produção, uma empresa levará em consideração o custo dessa dívida, diante da inflação e dos juros esperados no futuro.
"Os juros reais são tão ou mais importantes do que os juros nominais para uma sociedade", explica a economista Juliana Inhasz, professora do Insper.
O Brasil tem o segundo maior juro nominal do mundo (atrás da Argentina) e, descontada a inflação, o maior juro real.
De uma lista de 40 países monitorados pela Infinity Asset, o Brasil liderou com o maior juro real em março, segundo o ranking mensal elaborado pela gestora e pelo portal MoneYou.
No último ranking, o Brasil aparece com juro real em torno de 7%, diante de uma inflação projetada para os próximos 12 meses em torno de 6%.
O Brasil é seguido pelo México (juro real em torno de 6%) e pelo Chile (em torno de 5%) na lista dos maiores juros reais.
Os EUA, a título de comparação, têm juro real de 0,36%.
A liderança do Brasil entre os maiores juros reais do mundo se mantém mesmo se a Selic for cortada inicialmente em 0,25 p.p., mostra a Infinity.
A aposta mais provável entre os economistas por ora é que o Copom mantenha a Selic em 13,75% ao menos até o segundo semestre.
Jason Vieira, estrategista-chefe da Infinity Asset, defende que o juro real por si só não é capaz de explicar o cenário das economias.
"Juros reais podem cair muito rapidamente, basta a inflação subir. Mas isso também não é bom, não é? Se a inflação disparar e o juro nominal ficar estável, o juro real cai, mas por um motivo ruim", argumenta ele.
"É só ver que a Argentina tem juro real negativo. Não significa que a economia vai bem", diz Vieira.
Dos 40 países no ranking da Infinity, a Argentina tem o maior juro nominal (na casa dos 80%), mas o menor juro real (de -19%).
Isso ocorre porque a inflação projetada está em torno de 100%. Ou seja, o juro real negativo argentino foi obtido devido a uma inflação fora do controle.
O cenário de juro real negativo é também visto na Europa, mas em menor escala: após a Argentina, a Holanda é a penúltima do ranking, com juro real perto de -8%. A União Europeia, que historicamente tem juro real levemente negativo ou perto de zero devido à inflação baixa, tem sofrido com pressões inflacionárias diante da guerra na Ucrânia.
Há algum consenso de que o juro real, idealmente, deveria ser menor no Brasil via redução da taxa nominal na Selic. Mas o debate está em como (e quando) chegar lá.
Para críticos, ter a maior taxa de juro real do mundo hoje, por si só, mostra um cenário inadequado. O vice-presidente e ministro Geraldo Alckmin disse neste mês que "não há nada que justifique" o patamar do juro real brasileiro.
As altas de juros, no geral, são usadas pelo BC como forma de controle inflacionário. E a leitura no governo e em parte do empresariado é de que, uma vez que a inflação arrefeceu, já haveria condição de cortar a Selic e, por consequência, levar a uma redução no juro real.
Empresas que tomaram crédito quando os juros estavam menores hoje sofrem para honrar os compromissos e tendem a segurar novos investimentos, levando a demissões e desaceleração da economia.
Algumas chegam a casos drásticos de falência e descompasso de suas dívidas, que a alta de juros escancarou. Como a EXAME mostrou, o número de pedidos de recuperação judicial no Brasil é o maior em cinco anos.
Já defensores das decisões recentes do Copom (que manteve a Selic por cinco reuniões consecutivas até o momento) apontam que um corte na taxa de juros sem que riscos tenham sido equacionados podem levar a descontrole da inflação.
"O custo de combater a inflação é muito alto, sentido a curto prazo. Mas o custo de não combater é muito mais alto, muito mais nocivo e muito mais perene", disse neste mês o presidente do BC, Roberto Campos Neto.
O IPCA, principal índice inflacionário, chegou à casa dos 10% no começo de 2022, piorado pela guerra na Ucrânia, mas baixou para menos de 5% hoje e a projeção é de que não vá muito além de 6% neste ano.
Embora a inflação tenha desacelerado, o que preocupa o BC, segundo as atas recentes do Copom, são as projeções de inflação acima da meta no médio prazo, em torno de 4% para 2024, 2025 e 2026. Se confirmada, a inflação ficaria novamente acima do centro da meta, em torno de 3%.
"Nenhum Banco Central quer ter juros altos. A gente quer reduzir os juros", disse Campos Neto. "Mas temos de olhar o que é sustentável para frente."
Além da inflação, em economias com alto risco, as autoridades monetárias podem ter de manter juros maiores do que o ideal porque investidores demandam mais remuneração (via juros) para manter o dinheiro naquele país.
Para mitigar esses riscos e lançar as bases para juros menores, um cenário ideal é de harmonização entre a política monetária (a taxa de juros) e a fiscal (os gastos do governo).
Isso fez com que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, dissesse neste mês - em alfinetada a Campos Neto - que o BC "também tem de nos ajudar" e "não é um espectador" na busca pelo equilíbrio.
"São dois lados ativos, concorrendo para o mesmo propósito, mesmo objetivo, que é garantir o crescimento com baixa inflação. E isso só é possível pela harmonização da política fiscal com a monetária", disse Haddad.
Apesar disso, no caso do Brasil, que gastará mais do que arrecada neste ano e onde a economia tem crescido pouco na última década, tais riscos continuam no radar.
A expectativa no governo é que o arcabouço fiscal, se aprovado junto a medidas de arrecadação, possa atenuar esses problemas e abrir caminha para corte de juros pelo BC. O sucesso dessa tentativa dependerá de como o arcabouço e outras pautas avançam no Congresso e, no fim, de o quanto as medidas geram confiança nos agentes financeiros, dizem economistas.
Posto que o juro real no Brasil deve seguir alto por algum tempo, a economia terá de lidar com efeitos divergentes desse cenário. Um juro real alto tende a gerar dois efeitos principais: fluxo de dólares (um efeito positivo) e desaceleração da economia (efeito negativo).
Ou seja, na teoria, o Brasil é no momento um destino atrativo de capital financeiro, ao ter remuneração maior do que em outros lugares.
"Muitas outras características devem ser observadas, mas, sob condições equiparáveis, a taxa de juros real pode ser um critério de desempate entre dois ativos", diz Inhasz, do Insper.
No entanto, para investimentos produtivos, como a aquisição de equipamentos, expansão de negócios e geração de empregos, a equação é mais difícil e traz efeitos indesejados.
Inhasz, do Insper, avalia ainda que, no Brasil, há outro componente de desigualdade no debate: a falta de poupança que faz os mais pobres enfrentarem somente os piores efeitos do juro alto.
Quem tem poupança, títulos da dívida pública e investimentos no mercado financeiro recebe juros nominais como pagamento, explica ela (inclusive do governo, via juros da dívida pública). Esse grupo, que inclui bancos, instituições diversas e também pessoas físicas com renda excedente, tem os efeitos da desaceleração econômica mitigados.
Já os devedores, sem poupança, tendem a ser no Brasil a parte da população com renda mais baixa. São grupos que precisam de crédito para consumir ou financiar bens como habitação, além de usarem programas e serviços do governo - cujos recursos, por sua vez, são também mais escassos quanto maior for o juro real.
"Uma taxa de juros real muito alta transfere de forma intensa o poder de compra dos mais pobres para os mais ricos, através do mecanismo de pagamento de juros nominais", resume Inhasz.
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Juro real alto, em suma, é ferramenta tida como necessária no regime de metas de inflação para combater a escalada de preços, mas pode levar países à recessão e acentuar a desigualdade.
Desde que a pandemia e, depois, a guerra na Ucrânia, elevou a inflação global, esse se tornou o debate da vez também no mundo desenvolvido. Nos EUA, o Fed, banco central americano, tem elevado juros mês após mês, e a dúvida é se conseguirá fazer isso sem gerar desemprego alto e recessão.
Essa é a missão que aflige bancos centrais e governos pelo mundo.