Economia

Brasil só põe as contas em ordem após as eleições

O preço que o país pagou para sair da crise antes dos outros foi o aumento da dívida pública - e, no mercado, começa a se formar o consenso de que isso não será revertido neste governo

EXAME.com (EXAME.com)

EXAME.com (EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 30 de julho de 2009 às 09h07.

Nos últimos 15 anos, o Brasil evoluiu muito no controle das contas públicas. O país controlou a emissão de moeda e de títulos de dívida, fixou e cumpriu metas de economia de recursos para pagar juros e obteve o "grau de investimento" de duas das três principais agências de classificação de risco do mundo. Após um período de cinco anos seguidos de redução da relação dívida pública/PIB, no entanto, o governo teve de abandonar a meta de superávit primário inicialmente traçada para 2009 por conta da crise.

O mercado encarou a decisão com naturalidade, já que, naquele momento de pânico nos mercados financeiros, o mundo todo adotava políticas anticíclicas para reaquecer a economia. Na mesma tendência, o governo brasileiro baixou os juros, cortou impostos e estimulou o consumo. As medidas funcionaram e agora o país começa a sair da crise antes do que quase todos os demais.

 
Preocupação
O problema é que o mercado já começa a desconfiar que o governo, além de não cumprir a meta de superávit primário deste ano, de 2,5% do PIB, também não conseguirá economizar o equivalente a 3,3% do PIB em 2010. O resultado do primeiro semestre foi considerado ruim pelo mercado. O superávit primário caiu de 61,3 bilhões de reais entre janeiro e junho de 2008 para 18,5 bilhões de reais nos primeiros seis meses deste ano -- uma queda de 70%. A quantia é equivalente a apenas 1,28% do PIB e reforçou a percepção de bancos como o Santander de que o superávit ficará abaixo da meta, em 2% do PIB.
 
Nesta quarta-feira, o ministro da Fazenda Guido Mantega tentou acalmar os ânimos do mercado. "Cumpriremos a meta de 2,5% do PIB este ano, sem usar o fundo soberano", afirmou. "Faremos aquilo que tiver que ser feito para que isso ocorra." Mas o mercado está cético porque os gastos do governo cresceram 17% no primeiro semestre mesmo em um ambiente de queda de arrecadação mensal de cerca de 9% neste semestre em relação aos seis meses anteriores.
 
Para a corretora do Santander, a atividade fraca no primeiro trimestre deste ano, a menor produção de bens e serviços, a redução das importações e as medidas de incentivo tributário destinadas a estimular consumo no curto prazo pressionaram a arrecadação. Desde outubro do ano passado, o governo aplicou uma série de desonerações para ajudar setores afetados pela crise econômica - como a redução do IPI - que resultaram em uma renúncia tributária de quase 11 bilhões de reais.
 
Já o crescimento dos gastos foi impulsionado por uma regra acordada pelo próprio governo com o Congresso. Desde 2007, o reajuste do salário mínimo leva em conta o PIB de dois anos anteriores somado à inflação do ano anterior. Ou seja, para calcular o salário mínimo de 2009 foi utilizado como base o PIB de 2007 mais a inflação de 2008, o que levou a um aumento de 12,05%. Para o próximo ano, a expectativa é de uma alta de cerca de 10% - numa época em que as contas do governo não estarão tão saudáveis quanto no passado. "Além do impacto nos benefícios da Previdência, isso é utilizado como argumento pelos funcionários públicos para pedirem aumento também", diz Cristiano Souza, economista do Santander.
 
Outro ponto que eleva os gastos do governo é o inchaço da máquina pública. Desde o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, foram contratados 220.000 novos funcionários públicos apenas na esfera federal. O governo justifica a necessidade de melhoria da máquina pública, mas uma pesquisa recente do Banco Mundial, no entanto, mostra que a percepção de qualidade não melhorou. E a tendência é que as contratações continuem - ainda que de forma mais lenta. "O governo deve fazer a reforma previdenciária, mas essa é uma discussão controversa, politicamente difícil de sustentar", afirma o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas. "Também seria uma saída realizar uma reforma do quadro de funcionalismo. Cortar alguns funcionários e deixar a máquina pública mais eficiente."
 
O fator Dilma
Uma das medidas para aumentar a arrecadação seria a criação de novos impostos. A possibilidade é remota dada a sua impopularidade, mas há quem a defenda. Para aumentar a arrecadação, o governo estuda criar um novo tributo: a Contribuição Social para Saúde (CSS). Essa contribuição seria cobrada sobre movimentações financeiras assim como a antiga CPMF, que, antes de ser extinta, rendia 40 bilhões aos cofres públicos por ano. A alíquota, entretanto, será de 0,1%, contra 0,38% de sua antecessora. A votação do projeto é uma das prioridades do Congresso assim que terminar o recesso parlamentar, no início de agosto.
 
Não se sabe, entretanto, se o governo terá força no Congresso para levar a votação adiante porque 2010 é um ano de eleição. Se aprovado, o projeto deve desgastar o governo Lula e, por consequência, enfraquecer a candidatura Dilma. Da mesma forma, o mercado é cético sobre a possibilidade de que haja um forte controle de gastos públicos no próximo ano porque, tradicionalmente, os governos brasileiros gastam mais às vésperas de eleições.
 
O cumprimento da meta de superávit de 3,3% do PIB em 2010 ficaria, dessa forma, bastante dependente de uma retomada vigorosa da economia brasileira. "Ao continuar com gastos como os de hoje, o país conta apenas com a forte retomada do crescimento econômico para aliviar os danos de tantas despesas desnecessárias", avalia o economista Raul Velloso. A expectativa média dos analistas é de que a economia brasileira cresça 3,5% no próximo ano, um número ainda baixo se comparado às taxas de 5% ao ano registradas em 2007 e 2008. Assim, a tarefa impopular de sanear as contas públicas ficará mesmo para o próximo governo.
Acompanhe tudo sobre:[]

Mais de Economia

Subsídios na China fazem vendas de eletrônicos crescer até 400% no ano novo lunar

Conta de luz não deve ter taxa extra em 2025 se previsão de chuvas se confirmar, diz Aneel

Após receber notificação da AGU, TikTok remove vídeo falso de Haddad

Governo pode perder até R$ 106 bi com renegociação de dívida dos estados, estima Tesouro Nacional