Economia

"O Brasil não precisa do nosso dinheiro", diz diretora do BM

Em entrevista a EXAME.com, primeira mulher a comandar o Banco Mundial no Brasil diz que parceria com país está mais focada na troca de ideias do que em recursos

Deborah Wetzel, diretora do Banco Mundial no Brasil: "troca de ideias é tão importante quanto dinheiro" (Mariana Ceratti/Banco Mundial/Divulgação)

Deborah Wetzel, diretora do Banco Mundial no Brasil: "troca de ideias é tão importante quanto dinheiro" (Mariana Ceratti/Banco Mundial/Divulgação)

João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 6 de dezembro de 2013 às 14h52.

São Paulo -  Os recursos do Banco Mundial para o Brasil dobraram de alguns anos pra cá, mas esta é só parte da história.

Junto com as mudanças do país, nasceu também uma nova relação com o órgão, mais focada nos estados, na troca de experiências e na exportação das estratégias brasileiras de combate à pobreza

Essa é o diagnóstico feito pela americana Deborah Wetzel, que tem 25 anos de experiência em desenvolvimento e é a primeira mulher a liderar a missão do banco no país.

Durante um evento sobre gestão pública e produtividade promovido esta semana em São Paulo pela Fundação Dom Cabral em parceria com o Banco Mundial, Deborah concedeu a seguinte entrevista para EXAME.com:

EXAME.com - O Brasil mudou muito nos últimos anos, mas isso nem sempre é bom para o financiamento de projetos de desenvolvimento. Há muitas vezes a impressão de que o país não precisa mais de dinheiro de fora. Isso aconteceu no Banco Mundial?

Wetzel - O programa do Banco Mundial por aqui cresceu: durante as décadas de 80. 90 e parte dos anos 00s, nossos empréstimos eram de cerca de US$ 1,5 bilhão por ano. Desde 2005, subiram para algo em torno de US$ 3 bilhões por ano, mas foram transformados.

Trabalhamos muito com ideias e troca de experiências. O Brasil não precisa do nosso dinheiro, mas como está interessado em solucionar problemas muito complexos, agora fazemos programas multi-setoriais, que juntam áreas diferentes de formas inovadoras.

Desde 2006, o foco é sub-nacional: trabalhamos em cerca de 20 dos estados e estamos indo cada vez mais para o Nordeste, onde o crescimento foi rápido mas ainda há um abismo social e de infra-estrutura. Quando lidamos com os estados mais prósperos do Sul e Sudeste, fazemos coisas transformadoras. 

Por exemplo: em São Paulo, ao invés de trabalhar só em uma estrada, temos um programa com a estrada, mudança climática e gestão do risco de desastre, porque mais estradas levam a mais carros, que levam a mais mudança climática, e se tudo não for desenhado de forma coerente, aumenta o risco de inundações. 

EXAME.com - Muitas vezes o governo diz que há mais recursos do que know-how ou projetos de qualidade. Você concorda com isso? 

Wetzel - Sim. No Brasil, a questão não é de dinheiro, e sim de implementação: criar projetos, desenvolvê-los e atingir metas específicas.

3 bilhões por ano no contexto brasileiro é pouquíssimo, então tentamos multiplicar nosso impacto com conhecimento. A parceria é tanto de ideias quanto de dinheiro. 

Fazemos muitos eventos – como o de hoje, sobre como os setores privado e público interagem para melhorar a produtividade – em que juntamos países do norte e do sul para trazer ideias sobre como as iniciativas de um lugar se aplicam em outro. 


EXAME.com - Existe algum programa desenvolvido no Brasil que o Banco Mundial aplicou em algum outro lugar?

Wetzel - Sim, uma das exportações brasileiras mais importantes é o Bolsa Família. Depois da estabilização, o Brasil assumiu esse projeto que foi bem-sucedido.

Há muitos lugares que reduziram a pobreza, mas poucos, especialmente entre os que tiveram crescimento, que conseguiram reduzir a desigualdade tanto quanto o Brasil. Parte disso foi o Bolsa Família, parte foi a renda do trabalho, mas o fato é que essa combinação teve um impacto. 

E o mundo está interessado: no último ano, tivemos 120 visitas de outros países para aprender sobre este sistema. Temos hoje a parceria ‘O Mundo sem Pobreza: Iniciativa de Aprendizado”, uma ideia do nosso novo presidente Jim Yong Kim, que vai a lugares que tiveram progresso real para aprender sobre a implementação e dividir com o resto do mundo. No Brasil, o Ministério de Desenvolvimento Social, o Ipea, o Banco Mundial e e o Centro de Pobreza Internacional da ONU se juntaram nesta iniciativa.

Há mais o que fazer no futuro, mas a forma como o programa foi feito, criando o cadastro único, implementando o mecanismo nos níveis municipal e estadual, teve resultados muito bons. 

É fácil entender as politicas que você quer perseguir, mas precisamos não só “o que” mas também o “como”, seja a implementação de creches, a busca ativa, ou outros pontos do Brasil sem Miséria. Temos muito material sobre como os estados estão ajustando este ou aquele aspecto do programa e o que deu certo ou não.

O mundo também está interessado no sucesso do Brasil em reduzir o desmatamento. Há programas na Amazônia como o Arpa, por exemplo, que ganhou muitos prêmios. Há muita inovação na agenda ambiental e de mudança climática: o Rio é a primeira cidade verde internacionalmente certificada do mundo, onde estão medindo emissões de gases estufa e tentando atingir metas de redução.

O Brasil pode não ter tido o crescimento mais rápido, como a China, mas teve crescimento social e ambientalmente sustentável e muitos lugares estão interessados em aprender sobre isso. Como os objetivos do Banco Mundial e do Brasil estão tão alinhados, as lições do país são importantes para nós globalmente.

EXAME.com - O Banco Mundial apenas recebe projetos ou também os propõe?

Wetzel - A forma que trabalhamos com o Brasil mudou: não estamos mais tão focados em projetos, e sim em parcerias. Começamos com uma discussão sobre metas e obstáculos, e baseados no nosso time e experiência, pensamos no que o Banco Mundial pode trazer para ajudar.

Às vezes é dinheiro – frequentemente é dinheiro – mas às vezes são lições de outro lugar, ou como conectar projetos de uma nova maneira.

No Ceará, acabamos de fazer o primeiro “Programa para Resultados” que foca em habilidades, apoio de educação técnica e vocacional pelo Pronatec e desenvolvimento de crianças em idade primária - porque se a criança perde esse inicio, pode ficar sempre pra trás no futuro - e qualidade da água. A ideia é que cada um destes aspectos tenha o impacto maior do que teria isoladamente.

EXAME.com - Trazer uma visão mais coesa e de todo.

Wetzel - Sim, uma abordagem mais integrada de como pensar o desenvolvimento. Atualmente, é muito raro nós trazermos um projeto pronto que queremos implementar ou o governo trazer um projeto pronto que nós simplesmente aprovamos. E isso acontece porque temos um diálogo constante. 


EXAME.com - Desde que você é responsável pelo país, o que mais te surpreendeu?

Wetzel - Quando eu trabalhei pela primeira vez no Brasil, entre 2006 e 2009, alguns governos tinham começado a implementar a abordagem de gestão por resultados.

Para mim, ainda não estava claro se ela iria realmente ganhar tração e criar raízes. Fiquei feliz, não surpresa, de ver que lentamente esse tipo de abordagem está se infiltrando em todos os níveis de governo.

No momento, trabalhamos com o Acre, Piauí e outros lugares que estão pela primeira vez agindo em busca de resultados específicos e não com base na divisão interna do governo. Essa abordagem está mudando, e isso é uma coisa boa.

EXAME.com - Eu imagino o obstáculo que deve ser trazer uma visão integrada para dentro do governo, que é tão compartimentalizado. 

Wetzel - Todas as instituições tem compartimentos e problemas para resolver, inclusive o Banco Mundial, então a pergunta é: como reunir as pessoas certas? Isso está começando a acontecer mais e mais.

EXAME.com - O Banco Mundial é um banco para o desenvolvimento. Qual é o critério para participar?

Wetzel - Até a crise financeira, nós não trabalhávamos com países de renda alta, mas agora nós vamos. Temos programas com a Grécia, o que se encaixa com o movimento de “conhecimento global” que adotamos. Temos especialistas técnicos em diferentes áreas e eles sabem que há muito a se aprender não só de sul pra sul mas também entre norte e sul.

Por exemplo, há muito interesse de cidades desenvolvidas em como estão sendo administradas as UPPs do Rio. Há um grupo de cidades estão lidando com questões de aquecimento global, o C-40, que era liderado pelo Michael Bloomberg (ex-prefeito de Nova York) até recentemente e agora será assumido pelo prefeito [Eduardo] Paes. 

Temos um limite total para nossos empréstimos, mas não para nossa habilidade de interagir com os governos. Há critérios em termos do custo para pegar empréstimos do banco: se você é um país de renda baixa, você vai para uma janela chamada International Development Association (IDA) e esse dinheiro é para 30 anos, com uma taxa de juros extremamente baixa. Quando você atinge um certo nível, você pode pegar emprestado em condições mais próximas de mercado. 

Aqui no Brasil, estamos vendo também um processo diferente no qual o governo paga ao Banco Mundial por consultoria: trabalhamos juntos em coisas técnicas e eles cobrem os nossos gastos, o que em outros países seria incorporado ao custo do empréstimo. 

Digamos por exemplo que o governo federal não queira pegar emprestado de nós, mas tem interesse em receber auxílio sobre alguma área. Temos acordos para fazer isso – e é o que estamos fazendo em países como a Grécia. 


EXAME.com - Mas em relação aos empréstimos, há critérios e índices fiscais que o banco olha?

Wetzel - Sim: no Brasil, por exemplo, não fazemos nada que não esteja alinhado com a Lei de Responsabilidade Fiscal e trabalhamos de forma próxima com o Tesouro federal, porque eles garantem tudo que nós fazemos. Nosso financiamento é parte de todo o sistema e nunca é feito sem olhar se os governos estão dentro dos alvos e o período de pagamentos etc.

Nós também ajudamos os governos a gerir melhor seu lado fiscal e criar mais espaço para investimentos, o que é parte do objetivo. 

Mas o Banco Mundial tem um limite de quanto pode emprestar para um determinado país e isso é algo que precisamos ficar sempre de olho, mas estamos tentando formas diferentes de usar nossa balança de pagamentos de forma mais efetiva para fazermos mais em lugares como o Brasil. São muitos países com demandas muito grandes.

EXAME.com - Depois do Bolsa família, qual é o próximo passo no combate à pobreza do Brasil?

Wetzel - A coisa mais importante para sustentar os ganhos alcançados é a produtividade, o que significa conseguir mais com os recursos financeiros e humanos do país.

Essa agenda é tríplice. O primeiro ponto é melhorar as habilidades do trabalhador individual, e isso se relaciona com a qualidade da educação, habilidades técnicas, etc. Há programas que já existem nesse sentido no Brasil Sem Miséria, Pronatec, projetos nossos, etc.

O segundo ponto envolve as empresas, e como elas podem melhorar sua produtividade e usar de inovação e tecnologia. Como grande parte delas são pequenas, abaixo de 50 empregados, precisamos pensar em como elas podem ganhar escala, por exemplo.

O terceiro pilar são fatores do ambiente em que as empresas estão inseridas: logística, infraestrutura, serviços públicos, peso administrativo dos impostos, enfim; tudo que aumenta o custo de se fazer negócios.

Não é questão de um projeto particular: vamos continuar apoiando o Brasil Sem Miséria, que é importante pro próximo passo, mas que essa agenda de produtividade e competitividade também é e tem muitas avenidas a serem seguidas. 

Acompanhe tudo sobre:Banco MundialBolsa famíliaDesenvolvimento econômicogestao-de-negociosPobrezaprodutividade-no-trabalho

Mais de Economia

Economia argentina cai 0,3% em setembro, quarto mês seguido de retração

Governo anuncia bloqueio orçamentário de R$ 6 bilhões para cumprir meta fiscal

Black Friday: é melhor comprar pessoalmente ou online?

Taxa de desemprego recua em 7 estados no terceiro trimestre, diz IBGE