Tereza Cristina: "Enquanto o presidente me quiser aqui, fico" (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
João Pedro Caleiro
Publicado em 26 de maio de 2020 às 12h25.
Última atualização em 26 de maio de 2020 às 18h45.
Maior exportador de carne bovina e de frango, o Brasil aposta em novos padrões de segurança para evitar o tipo de paralisia devido ao coronavírus que afetou frigoríficos nos EUA, causando escassez de carne e alta de preços.
O governo brasileiro planeja introduzir novas diretrizes nacionais que incorporem requerimentos de autoridades locais e procuradores do Trabalho, disse a ministra da Agricultura, Tereza Cristina Dias, em entrevista. Até agora, o setor tem operado sob protocolos estabelecidos com o governo federal.
Os surtos de Covid-19 nos frigoríficos dos EUA levaram a uma onda de fechamentos que fez mais do que dobrar os preços de carne suína e bovina no país em abril.
Embora a indústria brasileira tenha evitado grandes interrupções até agora, procuradores e autoridades locais determinaram o fechamento de várias plantas por medida de segurança. Na segunda-feira, a Marfrig disse que 25 trabalhadores em uma unidade no Mato Grosso foram diagnosticados com Covid-19 e pelo menos um deles morreu.
Manter o setor de frigoríficos em operação é prioridade da ministra Tereza Cristina. Uma ruptura na cadeia de suprimentos afetaria consumidores brasileiros no momento em que o país se torna um epicentro da pandemia. Uma queda na produção também atingiria mercados globais de aves e carne bovina.
“O pior dos mundos é ter algum desabastecimento”, disse ela. Mas isso é improvável, “a não ser que a gente perca totalmente o controle do país”.
Frigoríficos como JBS, BRF e Marfrig passaram a distribuir máscaras para trabalhadores, intensificar a desinfecção, instalar barreiras físicas entre funcionários, limitar grupos nas áreas comuns e, em alguns casos, contratar pessoas para compensar ausências.
Algumas empresas assinaram acordos com procuradores que incluem compromissos de testar os trabalhadores para o coronavirus. Outras, incluindo a JBS, se recusaram a assinar tais acordos. Um único protocolo nacional estabeleceria as mesmas diretrizes para todos os produtores.
Outro risco é a segurança dos cerca de 800 inspetores em ação pelo país. “Se não tiver os fiscais, as plantas têm de fechar, porque a parte de vigilância sanitária e inspeção é fundamental para a saúde pública”, afirmou a ministra.
O Brasil será menos afetado pelas restrições à circulação de pessoas e insumos por causa da pandemia, prevê a ministra. Isso se deve ao fato de o agronegócio brasileiro trabalhar com duas ou até três safras, enquanto produtores do hemisfério norte, como os EUA, têm apenas uma, diz Tereza.
Além disso, o gado no Brasil é engordado em extensas pastagens, exigindo um número maior de frigoríficos menores próximos a fazendas.
Uma das preocupações da ministra é garantir que o vírus não prejudique os pequenos e médios produtores agrícolas. Ela sugeriu que o governo facilite crédito para ajudar quem precisa a sobreviver à crise.
Tereza Cristina, deputada do DEM que ocupa o cargo de ministra desde a posse do presidente Jair Bolsonaro, aposta que o Brasil pode se beneficiar do cenário pós-pandemia desde que leve em conta questões ligadas à imagem do país.
Uma das maneiras de melhorar a percepção do Brasil, segundo Tereza, é resolver antigos problemas de regularização fundiária na Amazônia, por exemplo, o que poderia ajudar a superar o crescente protecionismo, especialmente europeu.
Bolsonaro provocou indignação internacional por causa da alta do desmatamento e de políticas que priorizam a exploração comercial de terras em detrimento de direitos indígenas.
Em vídeo de reunião ministerial do dia 22 de abril, cuja divulgação foi autorizada pelo STF na sexta-feira, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, instou o governo a pressionar por mais desregulamentação enquanto a atenção das pessoas está voltada para a pandemia. O Brasil também é frequentemente criticado por sua regulamentação fraca sobre pesticidas e agroquímicos.
A deterioração da imagem do país levou alguns produtores e parlamentares europeus a atacar um acordo comercial assinado no ano passado entre o Mercosul e a União Europeia.
“Além de existir um desconhecimento brutal sobre o agronegócio brasileiro, a Europa tem antipatia com o Brasil”, disse Tereza Cristina. Segundo ela, há má vontade dos europeus porque “existe uma competição e a agropecuária europeia está em declínio.”
A ministra é ocasionalmente atacada nas redes sociais pela ala mais radical dos apoiadores de Bolsonaro, que a acusam de ser muito próxima à China comunista, o maior parceiro comercial do Brasil.
Veículos de imprensa especularam que Tereza Cristina poderia ser forçada a sair depois que seu colega de partido Luiz Henrique Mandetta foi demitido do cargo de ministro da Saúde por discordar de Bolsonaro em relação ao distanciamento social e ao uso da cloroquina.
“Enquanto o presidente me quiser aqui, fico. Se não quiser, é vida que segue. Mas que tem fofoca, tem”, disse Tereza.
(Com a colaboração de Tatiana Freitas e Jen Skerritt)