Plataforma de petróleo: investimentos chineses no Brasil somaram US$ 5,9 bilhões em 2021 (André Motta de Souza/Agência Petrobras/Divulgação)
Carolina Riveira
Publicado em 31 de agosto de 2022 às 12h09.
Última atualização em 31 de agosto de 2022 às 15h27.
O Brasil foi o principal destino de investimentos da China em 2021, segundo novo estudo do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC). Empresas chinesas investiram US$ 5,9 bilhões no país no ano passado, totalizando 28 grandes projetos, os maiores no setor de petróleo.
O valor total subiu mais de 200% em relação ao ano anterior, após queda brusca em 2020 com o início da pandemia e dificuldade nas viagens com as quarentenas.
Apesar da base de comparação fraca, a variação no Brasil ficou acima do crescimento dos investimentos chineses no exterior como um todo, que subiram só 3,6%, totalizando US$ 113,6 bilhões no mundo.
A liderança do petróleo veio sobretudo por dois investimentos específicos, das estatais China National Offshore Oil Corporation (CNOOC) e China National Oil and Gas Exploration and Development Company (CNODC), que assinaram com a Petrobras acordo de coparticipação no Campo de Búzios, no pré-sal em Santos (SP).
Apesar do destaque no pré-sal, analistas presentes na apresentação do estudo do CEBC, nesta quarta-feira, 31, apontaram que a pauta de investimentos chineses tem se tornado mais diversificada e com transferência de tecnologia.
"Os chineses não vem aqui para investir só em commodity, isso fica muito claro", diz Tulio Cariello, Coordenador de Análise e Pesquisa do CEBC, em evento sobre o relatório.
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Segundo o CEBC, há presença de empreendimentos chineses em mais de 20 estados brasileiros.
Tatiana Rosito, consultora sênior do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), aponta que os investimentos vistos em 2021 não são algo de "um ano para outro". "Em muitos casos, empresas chinesas estão no Brasil no longo prazo", diz, listando exemplos como em eletricidade, onde China e Brasil têm semelhanças como a dimensão continental, além de um ambiente de regulação clara e "respeito mútuo" construído no setor, segundo Rosito.
Em ano eleitoral no Brasil, os empresários e especialistas no evento do CEBC não apontaram a questão política como central na discussão sobre os investimentos chineses.
"A questão política tem influenciado muito pouco", diz Cariello, que afirma que a visão, no geral, é de que o Brasil tem momentos de "altos e baixos" políticos, mas que os chineses parecem enxergar "a questão de investimento e comércio a longo prazo".
"Esse governo agora [do presidente Jair Bolsonaro], apesar de todas as críticas que a gente viu, também vimos um aumento considerável das exportações", diz Cariello. "Agora, é um ponto que tem que ser visto com atenção, porque sabemos que em outros países isso gerou problemas econômicos, também."
Na contramão do Brasil, investimentos chineses em mercados como EUA e Austrália caíram, em meio a embates políticos mais intensos desses países com a China. Nos EUA, os investimentos chineses chegaram ao menor patamar desde 2005, com queda de 27%.
Por outros motivos, incluindo as próprias estratégias chinesas, investimentos também caíram na Nova Rota da Seda, frente que engloba países africanos, asiáticos e outros, que receberam volumosos recursos chineses antes da pandemia.
"Chineses estão apostando muito mais na qualidade do que na quantidade", explica Cariello. "Provavelmente vamos continuar vendo esse cenário de relativa estabilidade [nos investimentos chineses no exterior]."
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O ex-embaixador do Brasil na China (2004-08) e presidente do CEBC, Luiz Augusto de Castro Neves, avalia que, no Brasil, sociedades e empresas dos dois países têm ampliado suas conexões, independentemente dos governos.
"Acredito que a relação Brasil-China tem sido baseada não na relação entre governos, mas na relação entre dois países", diz o ex-embaixador. "Governos vão, governos vêm. O importante é a potencialidade, complementariedade e comunhão de interesse entre os dois países, que parece estar sendo explorada - e há muito a explorar ainda", diz.
"Essa relação de confiança estabelecida ao longo dos anos tem que ser constantemente renovada. A grande área é justamente sustentabilidade", diz Rosito, do NBD, que aponta que parcerias sino-brasileiras em frentes como infraestrutura e logística com a agenda sustentável e foco na Amazônia podem se tornar "modelo para o mundo".
Dentre as apostas para os próximos anos, investimentos em energia seguirão pautando os aportes chineses no Brasil, diz Cariello, sobretudo pelo alto volume de recursos demandados nesse setor e relação de longo prazo já existente.
Mas ele aponta também que os investimentos em tecnologia da informação devem ser a próxima fronteira. O Brasil tem um grande mercado consumidor, mais celulares do que habitantes e ainda falta de internet em várias regiões.
Em frentes como agricultura, por exemplo, Cariello aponta que há um potencial "adormecido" nesse tipo de investimento em tecnologia e que, somado à agenda sustentável, devem pautar a relação da China com o mundo. O governo chinês tem como meta chegar à neutralidade de carbono até 2060.
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Apesar de ser o mais promissor, o setor tecnológico é também sensível nas relações internacionais no momento, como mostrou o leilão do 5G no Brasil - a Huawei não participou diretamente por um consenso no certame final, que só teve operadoras de telefonia, mas empresas chinesas não foram diretamente barradas como se cogitou inicialmente.
"A grande questão [no leilão do 5G] foi contornada com o modelo encontrado, mas é uma discussão que vai estar presente", disse Rosito, apontando dificuldades como sanções dos EUA contra empresas chinesas e discussões internas no Brasil. Ela afirma que esta "é uma área bastante complexa e que vai exigir cada vez mais" nas negociações para "buscar uma posição que nos seja vantajosa nessa disputa".
Empresários presentes em evento do CEBC - dos setores bancário, de energia e automotivo - afirmaram que a sustentabilidade é foco das empresas chinesas no exterior.
O diretor de relações externas e governamentais no Brasil da montadora Great Wall, Pedro Bentancourt, disse que a matriz chinesa não encontrou dificuldade para investir no país e que a empresa deliberadamente optou por chegar ao Brasil em momento em que outras montadoras estavam saindo, por considerar o mercado estratégico.
"Além desse primeiro investimento inicial que tem mais ou menos R$ 4,5 bilhões, R$ 4,6 bilhões para instalação da fábrica que nós adquirimos, temos um planejamento de dez anos", diz. Ele afirma que investimentos em um "primeiro ciclo" podem chegar a "R$ 10 bilhões ou R$ 12 bilhões".
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A Great Wall chegou ao Brasil neste ano para construir sua quarta fábrica - fora da China, a Great Wall produz na Rússia e na Tailândia, e o Brasil é o primeiro país nas Américas com fábricas da empresa. "E por alguns anos talvez seguirá o único", diz Bentancourt.
Na visão da Great Wall, o Brasil é a "porta de entrada" para o mercado não só sul-americano como dos Estados Unidos. "Por que não exportar pro México, pros EUA, pro Canadá?", diz.
Bentancourt diz que a empresa também planeja a partir dos próximos anos parcerias com universidades brasileiras para desenvolvimento de projetos e planos sobre como explorar o etanol como alternativa de recursos.
José Renato Domingues, vice-presidente corporativo da CTG Brasil, braço local da empresa de energia chinesa China Three Gorges, disse que a operação brasileira é a maior da companhia fora da China.
O executivo calcula que o investimento em pesquisa e desenvolvimento interno já chega a R$ 25 milhões e que R$ 3 bilhões foram investimentos em modernização das usinas de Jupiá e Ilha Solteira, no Rio Paraná, cuja concessão foi vencida pela CTG em 2016.
"Projetos de expansão em renováveis para nós são a maior prioridade", diz Domingues. Ele afirma que a CTG está desenhando o "maior parque solar brasileiro" em Minas Gerais e que dois parques eólicos começarão a ser construídos no ano que vem, na região Nordeste. "A ideia é trazer não só placa solar, mas poder trazer para cá o que existe de mais moderno e interessante em alta tecnologia."