Gustavo Franco: "Já deveríamos estar na terceira ou quarta gerações de reformas nesses mesmos temas" (Germano Lüders/Exame)
Estadão Conteúdo
Publicado em 29 de outubro de 2019 às 07h55.
Última atualização em 29 de outubro de 2019 às 12h36.
São Paulo — O Brasil está há pelo menos duas ou três décadas atrasado na agenda de reformas econômicas, e isso por culpa "exclusivamente nossa", independentemente dos diferentes cenários da economia global, na avaliação do ex-presidente do Banco Central (BC) e sócio da Rio Bravo Investimentos, Gustavo Franco.
Para ele, embora a aprovação dos ajustes nas regras da Previdência seja importante e a agenda de modernização proposta pela equipe econômica do ministro Paulo Guedes esteja na "direção correta", a "intensidade" não é boa, principalmente por falta de apoio do presidente Jair Bolsonaro. A consequência de seguir atrasado na agenda de reformas é que o Brasil continuará para trás na trilha do crescimento econômico.
O ex-presidente do BC participará do painel Economia e poder, no Estadão Summit, nesta quarta-feira, 30. Leia os principais trechos da entrevista.
As turbulências na economia global, com destaque para a disputa comercial entre China e EUA, dificultam o avanço das reformas no Brasil?
Talvez seja até mais fácil. Com todas as incertezas no quadro internacional, ele continua sendo benigno. Não dá para dizer que tenha alguma tempestade no caminho. Tem noticiário, mas não quer dizer que tenha crise ou tempestade. O problema que temos são 20 ou 30 anos de atraso em avançar com a agenda de reformas. Isso é culpa nossa, não é culpa de ninguém. A nossa própria incompetência em fazer reformas modernizadoras nos mantém numa situação de certa mediocridade econômica, nos faz ficar num nível de renda per capita estagnado em relação ao Primeiro Mundo.
Como o sr. está vendo a atual agenda de reformas do governo?
A direção é correta, mas a intensidade não é. O presidente da República não foi eleito com essa bandeira das reformas. Ele foi eleito com outras bandeiras. Ele assumiu as bandeiras das reformas pró-mercado, liberais, trazendo para dentro o (ministro da Economia) Paulo Guedes, num segundo momento. Não foi por causa disso que ele ganhou. Por isso, essa agenda não é para o presidente tão prioritária quanto outras coisas que parecem mais próximas dele.
Atrasar mais a agenda de reformas amplia o círculo vicioso?
Estamos fazendo agora reformas que deveríamos ter feito 20 ou 30 anos atrás. Já deveríamos estar na terceira ou quarta gerações de reformas nesses mesmos temas: Previdência, tributária, trabalhista. Nem conseguimos começar direito a trabalhista e a abertura (comercial). O Brasil continua hoje uma economia tão fechada quanto era nos anos 80. E ainda há vozes falando sobre o gradualismo da abertura. É inacreditável. O Brasil é o país da procrastinação. Estamos estagnados há quase quatro décadas. Desse jeito, vamos reproduzir, no século 21, o que foi o século 20 da Argentina, que recuou para o século 19. É triste, mas a nossa timidez em atacar as reformas econômicas tem um prejuízo de longo prazo horrível.
O governo não foi protagonista da articulação política para a aprovação das reformas. Qual o risco disso?
Diferentes presidentes têm diferentes estilos de relacionamento com o Legislativo. Este presidente em particular optou por ter um relacionamento mais distante, ele não tem uma base parlamentar e tem um relacionamento diferente com os líderes do Congresso. Não sou do ramo para opinar se esse é o melhor sistema. A questão é em que medida é prioridade para este presidente a reforma econômica que está na cabeça do ministro Paulo Guedes e que muita gente no Brasil gostaria de ver acontecer. O ambiente é muito mais hospitaleiro, as pessoas querem reforma. Passamos a reforma da Previdência sem que o presidente da República tivesse de se empenhar pessoalmente nisso. É extraordinário. Os outros governos todos tiveram enormes dificuldades com esse tema em particular. Passou neste governo que parecia nem tão empenhado e interessado, com exceção das pessoas da área econômica.