Brasil em 2020: país chegou na ultima posição no conjunto que mede a competitividade da nossa educação (Allan Carvalho/NurPhoto/Getty Images)
Ligia Tuon
Publicado em 16 de junho de 2020 às 06h00.
Última atualização em 16 de junho de 2020 às 08h52.
O Brasil até seguia na direção correta de competitividade antes do início da pandemia do coronavírus, mas entrou mal na crise sanitária e poderá sair ainda menos competitivo dela, segundo o ranking do Anuário de Competitividade Mundial (WCY, na sigla em inglês).
No ranking geral com 63 países, o Brasil ficou em 56°, um ganho de três posições desde o ano passado. Mas o avanço relativo deve ser visto com cuidado diante dos resultados ruins na gestão da crise atual.
"O país avaçou aqui ou ali, mas em relação aos pontos mais críticos, sobretudo os ligados à preparação da pandemia e do pós pandemia, diria que o não avançou ou até perdeu espaço", diz o professor Carlos Arruda, gerente executivo do Núcleo de Inovação e Empreendedorismo da Fundação Dom Cabral (FDC).
O ranking é divulgado há 30 anos pela escola de negócios suíça IMD (International Institute for Management Development) e avalia 337 variáveis de cada país em quatro pilares: desempenho econômico, eficiência do governo, eficiência empresarial e infraestrutura.
Neste ano, os pesquisadores procuraram avaliar o quão preparadas as economias estavam quando começaram a enfrentar os impactos da pandemia. O motivo é que os dados de 2019, que correspondem a dois terços do peso da pesquisa, mudaram muito com a deterioração da economia global neste ano.
O terço restante da pesquisa deriva de uma pesquisa de opinião com empresários feita entre os meses de fevereiro e março - no começo da crise, portanto. A FDC é responsável pelo levantamento no Brasil, feito com 125 executivos de diferentes setores, regiões e portes de empresas.
O pilar 'desempenho econômico', que poderia ser um dos mais fortes para o Brasil, segundo Arruda, dado o potencial de atração de investimentos produtivos, ganhou um lugar desde o ano passado e foi para a 56ª posição. Dentro desse pilar, o destaque negativo foi justo para o item 'investimento internacional', que se refere à entrada de capital produtivo na economia e caiu do 19º lugar para o 28º.
Vale ressaltar que, apesar do declínio de 9 posições na atratividade a investimentos estrangeiros, o Brasil ainda é a quarta nação em termos absolutos de fluxo direto de investimentos, e a nona neste quesito quando medido em porcentagem do PIB .
O subfator 'emprego', do qual o Brasil segue em 56º lugar, também faz parte desse pilar, assim como o 'comércio internacional', que foi de 51º para 59º.
"(Esse último) é outro fator que fez o Brasil cair em desvantagem, fruto do relacionamento tenso entre China e Estados Unidos. O país depende das divisas geradas pelo comércio internacional, o que foi afetado pelo cenário externo", diz.
O subfator 'preços', que foi de 42º para 38º, reflete a inflação bem controlada em 2019 e ancorada com as expectativas do mercado.
No pilar 'eficiência do governo', o Brasil ganhou uma posição, indo de 62º para 61º, na frente apenas de Argentina e Venezuela, vizinhos que já estavam com as piores crises econômicas da região antes da pandemia.
Esse pilar, que considera itens como o uso do dinheiro público, avanço em marcos regulatórios e ambiente fiscal, é historicamente o pior do Brasil, que sempre figura entre os três piores do mundo. Apesar de o país ter aprovado mudanças estruturais no ano, como a reforma da Previdência, as mudanças ainda são consideradas tímidas para preparar o país para um momento crítico como o atual.
No subfator 'políticas públicas', o Brasil aparece em último lugar e no 'estrutura social', em 62º, na frente só da Venezuela. Esses resultados revelam a grande desigualdade existente no país, segundo Arruda. "Esse é um fator crítico porque, se olharmos no longo prazo, daqui a dois anos, vamos ver uma correlação da dificuldade dos paises para sair da crise e lidar com ela com o nível de pobreza. Pode ter certeza que esse desequilíbrio vai afetar a competitividade do Brasil ainda mais no futuro", diz.
O pilar 'eficiência empresarial', composto por variáveis que medem o ambiente interno de negócios, traz notícias melhores: o país ganhou 10 posições e foi para o 47º lugar.
"Mostra que as práticas gerenciais e os valores da sociedade são condizentes a valores competitivos. É um país que, na percepção dos emrpesários, apoia o empreendedorismo, tem foco na criação, na resposta à situação de crise", diz Arruda. No subitem 'atitudes e valores', por exemplo, o país foi de 54º, para 47º.
"A intenção de tornar o Brasil mais moderno, com regras trabalhistas mais modernas, foi aceita e entendida como positiva por parte tomadores de decisão. Porém, muitas dessas intenções não foram concretizadas e podem ter um preço", diz em referência aos planos do governo federal.
Por fim, o pilar 'infraestrutura' tem dois pontos preocupantes, segundo o professor: O Brasil chegou na ultima posição no conjunto que mede a competitividade da nossa educação. Na classificação geral do pilar, porém, o país ganhou uma posição, indo para o 53º lugar.
"Quando olhamos os investimentos em educação em relação ao PIB, o Brasil está bem. O problema é a qualidade do ensino. Não temos gente qualificada sendo educada e formada para atender as necessidades do ambiente econômico do século 21. Nesses trinta anos de análise, nenhum país avançou em competitividade sem ter feito avanços significativos na educação", diz Arruda.
O outro subfator que traz maior preocupação é o 'infraestrutura básica', no qual o Brasil foi de 52 para 54. No Brasil, 100 milhões não têm coleta de esgoto e 35 milhões não têm acesso à rede de água.
Antes da pandemia, avançava no Congresso o projeto do novo marco regulatório do saneamento básico, que permite a participação da iniviativa privada em projetos do setor. Os parlamentares já se articulam para colocar a pauta de novo em discussão, mesmo que a distância, dada a urgência do assunto, ligado diretamente à saúde pública. Para a equipe econômica, a votação do projeto pode estimular os investimentos na retomada da economia, quando a covid-19 estiver sob controle. Resta saber quem vai querer vir.
Singapura foi o país mais competitivo pelo segundo ano consecutivo. Já os Estados Unidos não estão entre os cinco primeiros pela primeira vez, pois perderam sete posições no ano passado em meio às negociações comerciais com a China. Deterioração das finanças públicas e quedas nas medidas de emprego e mercado de trabalho também contaram para fazer o país ter a maior queda da lista.
Apesar da expectativa de um possível acordo entre as duas potências, os atritos afetaram o ranking. No item comércio internacional, por exemplo, os EUA caíram da 16ª para a 32ª posição.