Criança brinca em laje de casa na favela de Pavão-Pavãozinho no Rio de Janeiro (Mario Tama/Getty Images)
João Pedro Caleiro
Publicado em 14 de dezembro de 2017 às 13h24.
Última atualização em 14 de dezembro de 2017 às 19h38.
São Paulo - O Brasil é a grande economia do mundo onde a renda está mais concentrada no 1% mais rico da população.
A conclusão é de um relatório sobre desigualdade divulgado nesta quinta-feira (14) e coordenado pelo economista francês Thomas Piketty, que ganhou notoriedade com o livro "O Capital no Século XXI".
Os 10% brasileiros mais ricos acumulam 55% da renda nacional, o mesmo nível verificado na Índia e na África subsaariana e muito à frente de Europa, China e Rússia.
Já a elite da elite, o 1% mais rico, tem 27,8% da renda nacional no Brasil contra 21,7% na Índia, 16,8% na Argentina e 20,2% nos Estados Unidos e na Rússia (veja o mapa interativo).
"O Brasil é muito desigual, ao ponto de nossa desigualdade ser um entrave para o bom desempenho da sociedade. Ela é ruim para a nação como um todo e por isso deve ser pauta política", diz Marcelo Medeiros, pesquisador do Ipea e especialista no tema.
Segundo ele, é difícil dizer se o Brasil é o país mais desigual do mundo, pois há obstáculos técnicos que impedem uma comparação exata o suficiente para criar um ranking.
Alta, mas estável
O relatório de Piketty conclui que a desigualdade cresceu em quase todas as regiões do mundo nas últimas décadas, mas em velocidades diferentes.
As exceções são justamente Brasil, Oriente Médio e África Subsaariana, onde a desigualdade ficou relativamente estável no período.
"Já que nunca passaram pelo regime igualitário do pós-guerra, estas regiões definiram a 'fronteira da desigualdade', explica o texto.
Os dados partem de 70 análises nacionais que combinam várias fontes. No caso do Brasil, os dados são do economista Marc Morgan para o período entre 2001 e 2015 e já haviam sido divulgados.
O discurso de queda da desigualdade no Brasil nos últimos 15 anos era sustentado por dados de pesquisas domiciliares, que capturam bem o aumento da renda do trabalho, mas não a riqueza da elite.
A inovação dos novos trabalhos é que ao usar dados de imposto de renda, eles capturam melhor a riqueza no topo da pirâmide. A conclusão foi que os pobres brasileiros ganharam muito desde 2001, mas os ricos também, e com isso a desigualdade ficou relativamente estável.
Mundo
Em nível mundial, o resumo da ópera está no “gráfico do elefante”, que mostra os vencedores e perdedores com aceleração da globalização entre 1980 e 2016.
Os 50% indivíduos mais pobres do planeta receberam apenas 12% da riqueza criada do período, mas isso significou um aumento forte da sua renda. Isto foi fruto especialmente do crescimento rápido da Ásia, particularmente China e Índia, que tiraram centenas de milhões de pessoas da pobreza.
Já o 1% dos mais ricos absorveu 27% do crescimento mundial, e o que acontece no topo mexe muito com a média geral: daí o aumento geral da desigualdade.
Quem ficou no meio, entre os 50% mais pobres e o 1% mais rico, viu sua renda estagnar: foi o caso das pessoas de classe baixa e média nos países desenvolvidos.
Nada disso é inevitável. As políticas nacionais fazem diferença e os BRICS são um exemplo: no período analisado, a alta da desigualdade foi abrupta na Rússia, moderada na China e relativamente gradual na Índia.
Outro exemplo: em 1980, Europa Ocidental e Estados Unidos tinham níveis similares de desigualdade (10% da renda na mão do 1% mais rico), mas suas trajetórias se descolaram.
Hoje a taxa na Europa Ocidental é de 12% (a mais baixa entre as regiões) enquanto a dos Estados Unidos dobrou para 20%.
Os pesquisadores apontam motivos como diferenças educacionais e de impostos. O sistema tributário americano passou por mudanças no período que favoreceram os mais ricos, e projeções indicam que a reforma tributária aprovada recentemente pelo governo de Donald Trump só vai acelerar este processo.
O comportamento da desigualdade a partir de agora vai depender deste tipo de decisão. A previsão é que até 2050 a participação do 1% na renda mundial pode cair levemente dos 20% atuais ou subir para 25% ou 28%, dependendo do cenário.
Um sistema tributário mais progressivo é uma das principais recomendações do relatório, combinado com acesso à educação e um sistema global de combate aos paraísos fiscais.
Gabriel Zucman, um dos autores do relatório, calcula que o estoque acumulado nos paraísos fiscais hoje é de R$ 7,6 trilhões, ou 8% da riqueza financeira total do mundo. No caso do Brasil, Medeiros diz que não existe solução simples para reverter o processo:
"Não vai ser educação, tributação, assistência ou microcrédito. Tudo isso ajuda, mas sozinha nenhuma vai ter efeitos relevantes sobre um problema tão grande. Reduzir desigualdade deve ser uma meta de todas as políticas, sem exceção, da política macroeconômica e dos investimentos à política social."