Economia

Brasil deve cortar ou aumentar gastos? Crescimento fica à mercê de debate

Em base anual, o consumo do governo está caindo 1,4%, a caminho de se contrair à sua taxa mais rápida em quase 20 anos

Jair Bolsonaro e Paulo Guedes: ministro liberal defende controle de gastos para estimular confiança e investimentos (Isac Nóbrega/PR/Flickr)

Jair Bolsonaro e Paulo Guedes: ministro liberal defende controle de gastos para estimular confiança e investimentos (Isac Nóbrega/PR/Flickr)

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Reuters

Publicado em 21 de janeiro de 2020 às 13h14.

Brasília — O governo do Brasil entrou em 2020 dobrando as apostas em uma das principais políticas econômicas que marcaram seu primeiro ano no cargo: a visão controversa de que cortar gastos agressivamente estimulará e acelerará o crescimento econômico.

Em um documento intitulado "Consolidação fiscal expansionista no Brasil", publicado em 31 de dezembro, o governo argumentou que a limpeza das finanças públicas alimentará a confiança e a demanda do setor privado e, finalmente, um 'boom' na atividade econômica.

Segundo o texto, que reflete o pensamento do ministro da Economia, Paulo Guedes, a consolidação fiscal em andamento terá um impacto positivo quase instantâneo.

"Essa consideração está baseada na percepção de que a política fiscal apresenta efeitos não-Keynesianos no atual contexto da economia brasileira, em contraste com a visão alternativa, a nosso ver equivocada, que propõe aumentar gastos como forma de estimular a atividade econômica", disse o documento.

Os gastos do governo caíram no segundo e terceiro trimestres de 2019, a primeira vez em mais de dois anos que recuaram por dois trimestres seguidos. E é quase certo que tenham tido queda também no quarto.

Em base anual, o consumo do governo está caindo 1,4%, a caminho de se contrair à sua taxa mais rápida em quase 20 anos.

Depois do comércio, é o único segmento da economia que fornece uma contribuição negativa para o crescimento. Agricultura, indústria, investimento empresarial, serviços e gastos do consumidor estão em expansão, embora em um ritmo longe de ser empolgante.

"Má economia"

Mas a noção de que esse empecilho ao crescimento, por si só, de alguma forma aumenta os investimentos e os gastos do setor privado tem sido amplamente criticada  — muitos diriam desmascarada — desde a crise financeira de 2007-09.

Robert Skidelsky, professor emérito de economia política da Universidade Warwick, no Reino Unido, ridicularizou a noção de "fada da confiança" como não mais crível que a fada dos dentes, argumentando que "a recuperação (econômica) pode ocorrer apesar da austeridade fiscal, mas nunca por causa dela".

Nem todo mundo pensa que é fingimento. Carlos Kawall, diretor do Asa Bank em São Paulo, argumenta que o atual crescimento anualizado de 2% a 2,5% da economia se deve em grande parte à disciplina fiscal que permitiu ao Banco Central reduzir a Selic para uma mínima recorde de 4,5% ao ano.

"Se o governo gastar mais, a taxas de juros voltará a subir e você não obterá os benefícios econômicos que estamos vendo atualmente em termos de crédito e gastos do consumidor, investimento empresarial e, agora, crescimento", disse Kawall.

"Essa política está funcionando. É mais difícil crescer dessa maneira, mas é mais sustentável."

Nominalmente, a conta de despesa pública de 54,22 bilhões de reais do governo no terceiro trimestre de 2019 foi a mais baixa em quase sete anos.

Como parte do PIB, os gastos do governo brasileiro também estão caindo, embora mais lentamente. Eles permanecem altos — em torno de 18% a 19% do PIB, estão acima da média da América Latina e do Caribe, de acordo com o Banco Mundial, e em 2018 foram superiores a seus pares de mercados emergentes China, Rússia, Índia e Coreia do Sul.

Quase metade dos gastos do governo em 2018 foi para a Previdência, uma das fatias mais altas do mundo e o motivo para a ampla reforma previdenciária que ajudou a impulsionar a recuperação de cerca de 32% do Ibovespa no ano passado, mais que o dobro da alta do índice MSCI para mercados emergentes.

Os mercados responderam fortemente. Mas a economia não tem feito o mesmo e, provavelmente não vai, de acordo com Monica De Bolle, pesquisadora sênior do Instituto Peterson de Economia Internacional, em Washington.

Embora o Brasil precise recuperar as finanças públicas de maneira mais equilibrada, De Bolle diz que não há evidências empíricas ou históricas de que a "austeridade expansionista" proporcione crescimento econômico.

O Brasil deveria visar as ineficiências do setor público para gerar economia e financiamento de programas sociais para proteger os mais vulneráveis dos efeitos da austeridade em vez de reduzir o tamanho do Estado em si.

Mais do que isso, um aperto tão agressivo é desnecessário. Ao contrário da Argentina ou do Brasil no final dos anos 1990, o país hoje não enfrenta uma crise no balanço de pagamentos.

O Brasil possui 360 bilhões de dólares em reservas em moeda estrangeira, o investimento direto estrangeiro mais do que cobre o déficit em conta corrente e as empresas locais estão emprestando mais em reais, reduzindo a exposição do setor privado à dívida em moeda estrangeira.

"Essa idéia de austeridade expansionista deveria ter morrido com as experiências dos mercados emergentes nos anos 1990. Falhou miseravelmente, especialmente na Ásia. É uma mistura de ideologia e má economia", disse De Bolle.

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