FERROVIA MAUÁ: obra de Irineu Evangelista de Sousa, um dos empresários perfilados na nova obra de Jorge Caldeira / nstituto Histórico e Geográfico Brasileiro
Da Redação
Publicado em 24 de junho de 2016 às 15h39.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h21.
Dentre todas as lacunas em nossos livros de história e nas seções de biografia de nossas bibliotecas, uma das mais clamorosas é ausência dos grandes empresários. Onde estão os Rockefellers e Vanderbilts de nossa formação? O novo livro do jornalista Jorge Caldeira, 101 Brasileiros que Fizeram História, a ser lançado no final de junho pela Estação Brasil, preenche parte dessa lacuna. Autor, dentre outros, da portentosa biografia do Barão de Mauá — pioneiro da indústria no país —, Caldeira pinçou um raro grupo de empresários e homens de negócio numa seleção que tem de Aleijadinho a Pelé, de Xica da Silva a Tiradentes.
São nomes como o do Padre Guilherme Pompeu de Almeida, que no século 17 montou uma siderúrgica e um banco para financiar as explorações de ouro em pleno sertão. Ou o de Augusto Ramos, que no começo do século 20 montou uma empresa para aproveitar o potencial turístico do Rio de Janeiro que culminou no bondinho do Pão de Açúcar. A seguir, trechos dos perfis de seis empresários selecionados por Caldeira – muitos deles desconhecidos da maioria dos brasileiros. “Se a lista de personagens o deixar atônito e um tanto desorientado, não se preocupe: isso é só porque não sabemos quase nada de nossa história”, diz o historiador Eduardo Bueno no prefácio da obra.
Salvador Correia de Sá e Benevides
★ Cádis, Espanha, 1602 † Lisboa, Portugal, 1688
EMPRESÁRIO COM NEGÓCIOS EM TRÊS CONTINENTES: Cachaça do Rio para Angola; para a América, escravos africanos; do Peru para o Brasil, prata; açúcar para a Europa; navios para levar tudo; e ele dirige os negócios.
Filho de Martim Correia de Sá e Maria de Mendoza y Benevides, estuda com os jesuítas e, ainda adolescente, vem ao Brasil pela primeira vez. Desde a chegada aprende a andar na selva com índios aldeados em torno do engenho da família no Rio de Janeiro.
Cariocas e paulistas de Cananeia começam a faiscar e descobrem vários pontos onde extraem ouro de aluvião no Sul do país. Os familiares de Salvador estão entre os pioneiros da atividade.
A capacidade de comando adquirida por Salvador de Sá nos sertões logo é aplicada a outras missões. Assim que recebe a notícia da invasão de Salvador pelos holandeses, em 1624, ele embarca suas tropas de índios e mis- cigenados para combater; no caminho para o Nordeste, ainda no litoral do Espírito Santo, encontra navios holandeses se abastecendo, ataca a esquadra e aprisiona os adversários.
Vai logo combater Calchaqui na região de Tucumã, no norte da Argentina, uma das principais zonas de abastecimento das minas de prata peruanas. Em 1631, depois de vencer os combates, casa-se com D. Catarina de Ugarte e Velasco, viúva, herdeira de grande fortuna e com prestígio na sociedade colonial espanhola. Os negócios de sua mulher o levam a seguir caminho até Potosí, então uma das cidades mais populosas do mundo, na qual 200 mil pessoas (a grande maioria escravos) extraem a prata que alimenta a monetização de toda a economia ocidental do tempo.
Governa a capitania do Rio de Janeiro e consolida, a partir de uma visão empresarial, o papel econômico da região Sul do país na esfera brasileira. Aproveitando o fato de as invasões holandesas desarticularem as trocas com o sertão nordestino que abasteciam o litoral e os lucros da fortuna de sua mulher que chegavam do território espanhol na forma de moedas de prata, constrói navios, compra farinhas e algodão e vende na Bahia. Torna-se o homem mais rico do Brasil.
Padre Guilherme Pompeu de Almeida
★ Santana de Parnaíba, 1656 † Araçariguama, 1713
O BANQUEIRO DO SERTÃO: A partir de um empreendimento siderúrgico, financiou descobridores de ouro e montou um peculiar banco num palácio em pleno sertão.
Recebendo um dote do pai, o padre emprega-o para financiar parentes que faíscam ouro em Curitiba e outros que se embrenham pelos sertões. Vários de seus clientes são muito bem-sucedidos — apenas no ano de 1697, recebe quase 100 quilos de ouro como pagamento.
Usa a fortuna para comprar gado em Curitiba, escravos em Salvador e produtos de abastecimento em São Paulo. Organiza caravanas armadas que levam tudo para as minas e vendem com grande lucro para quem tiver ouro para entregar.
O passo seguinte é ainda mais ousado: construir um palácio murado numa grota protegida por sua força armada em pleno sertão. Manda trazer louças da China, sedas do Oriente, talheres de ouro de Portugal; artesãos decoram a capela onde celebra missas, com destaque para uma luminária feita com uma arroba de prata.
É um banco do sertão. Os clientes deixam seus pertences na portaria, são tratados como hóspedes de luxo — e o padre se encarrega de guardar o precioso metal que juntavam em segurança, longe das vistas de cobradores de impostos do governo.
Guilherme Pompeu de Almeida morre em 1713. Uma parte menor de seus bens fica para a filha, outra forma o maior dote recebido pela Companhia de Jesus em todo o império português até aquela data — 115 quilos de prata eram apenas a parte mais vistosa do quinhão.
Irineu Evangelista de Sousa, barão e visconde de Mauá
★ Arroio Grande, 1813 † Petrópolis, 1889
EMPRESÁRIO CAPITALISTA: Trabalhando desde os 9 anos, aos 22 se torna o homem mais rico do Brasil — sem nunca usar trabalho escravo nem buscar clientes dependentes.
Filho de estancieiros gaúchos, o pai é assassinado quando tem 5 anos. Aos 9, é mandado para trabalhar no Rio de Janeiro. Começa como empregado menor de João Rodrigues Pereira de Almeida, grande empresário de seu tempo: traficante de escravos, comerciante atacadista, importador-exportador e fazendeiro. O menino mostra talento e, com 14 anos, se torna gerente da empresa.
Em 1829, na esteira das comoções econômicas geradas por D. Pedro I, Pereira de Almeida é obrigado a entregar seus negócios comerciais para um credor, o escocês Richard Carruthers. Ele se impressiona tanto com o gerente da firma que controlaria que o leva para trabalhar consigo. O talento de Irineu se amplia quando ele devora rapidamente o inglês e os livros de economia e contabilidade entregues pelo novo patrão.
Combina o aprendizado com a prática. Fazendo negócios, aprende a ganhar dinheiro aproveitando-se das diferenças conceituais embutidas nas culturas de negócios brasileira, que ainda seguia os modelos do Antigo Regime, e inglesa, já inteiramente capitalista.
Seguindo a receita à risca, Irineu torna-se um exímio executivo — tão bom que, em 1836, fica sócio e responsável pela empresa quando Carruthers volta para a Escócia. Tem 22 anos e já é um dos homens mais ricos do Brasil. Nos dez anos seguintes, enquanto as grandes fortunas se estruturam em torno do tráfico e do cativeiro, ele se torna o brasileiro mais rico — sempre longe dos créditos pessoais e do trabalho escravo.
Em 1846, prevendo o fim do tráfico, vai ainda mais longe: liquida seus negócios comerciais e convence capitalistas ingleses a investirem com ele numa grande indústria, combinação de metalúrgica e estaleiro. Funda o Banco do Brasil, que logo se torna o maior captador de recursos do país. E inova mais, aplicando parte desses recursos em grandes projetos.
Em 1867 os negócios de Mauá têm ativos de 115 mil contos de réis, enquanto o orçamento nacional prevê despesas de 97 mil contos. As políticas monetárias restritivas iam tornando os problemas de gestão de caixa cada vez mais críticos.
Em 1875, uma crise combinada no Uruguai e no Brasil obriga Mauá a pedir um empréstimo de liquidez no Banco do Brasil, mas ele é negado. As leis brasileiras, já muito arcaicas para o capitalismo avançado, obrigam-no a liquidar todas as suas empresas, num processo que dura até 1884.
Ao fim de tudo, os ativos vendidos têm valor muito maior que as dívidas pagas, de modo que o visconde de Mauá fica na situação dos brasileiros bem-sucedidos de seu tempo: uma pessoa física muito rica, mas sem as empresas que criou. Assim morre, em outubro de 1889, poucos dias antes da deposição do imperador e da Proclamação da República.
Augusto Ramos
★ Cantagalo, 1860 † Rio de Janeiro, 1939
ESTATÍSTICA, CAFÉ E BONDINHO: A partir de conhecimentos numéricos do mercado mundial de café ele desenha e ajuda a implantar uma política econômica inovadora.
Em plena recessão do governo Campos Sales começa a divergir dos economistas que defendem a política do governo sob a alegação de que oferta e procura equilibrariam o preço do café no mercado brasileiro. E discorda empregando argumentos estatísticos — algo inteiramente desconhecido pelo pensamento econômico conservador brasileiro da época.
Explica que a oferta é irregular por causa das safras cíclicas (pelo mundo todo, uma safra grande sempre é seguida de outras menores), enquanto a demanda é constante e crescente.
Descobrindo esse preço médio, Augusto Ramos sugere que a política correta para o governo brasileiro deveria ser outra. O governador paulista Jorge Tibiriçá acha a ideia interessante.
Os anos de 1906 até 1908, quando enfim a implementação do plano é completada, são dedicados a duros combates de ideias.
Augusto Ramos apresenta uma ousada ideia de engenheiro para os tempos de fartura: montar uma empresa para explorar a atividade turística, aproveitando a beleza da paisagem do Rio de Janeiro.
Como havia dinheiro, em pouco tempo reúne sócios para implantar um serviço de bondes aéreos no morro do Pão de Açúcar. De novo ouve que criava um plano lunático destinado ao fracasso — até a inauguração em 1912 e o sucesso do empreendimento.
João Pinheiro
★ Serro, 1860 † Belo Horizonte, 1908
INDUSTRIAL NO PODER: A atividade na empresa e a inovação técnica funcionavam para ele como fontes de virtude para o exercício do poder político.
Transforma-se em professor e paga seus estudos de Direito em São Paulo dando aulas e trabalhando como zelador. De volta a sua terra, combina a atividade de propagandista republicano com a de empresário.
Crê em mudar o próprio sentido de fazer política:“Substituamos a política sem objetivo pela emulação do trabalho. Cumpre que o criador e o industrial inteligentes possam ver seus méritos reconhecidos.”
O governador Francisco de Sales reconhece: em 1903 chama João Pinheiro para presidir um Congresso Agrícola, Industrial e Comercial. Os dois saem dele com ideias comuns de proteção para a indústria e apoio à valorização do café — e João Pinheiro acaba escolhido para a sucessão. Uma vez no governo, implanta o plano do café e promove uma reforma modernizadora do ensino, além de iniciar uma nova política de crédito.
Francisco Matarazzo
★ Castellabatte, Itália, 1854 † São Paulo, 1937
O PRIMEIRO IMPERADOR DA INDÚSTRIA: De fábrica em fábrica, o empresário atilado vai construindo o primeiro grande conglomerado do mercado brasileiro.
Tem algum dinheiro quando chega ao Brasil, em 1881. Vai para Sorocaba, sede nacional do negócio de tropas. Leva uma ideia singela: trocar a embalagem da banha de porco, substituindo os pesados barris de madeira por lata
Na virada para o século XX, passa adiante o negócio para entrar em outro maior: importar trigo bruto, moer e embalar localmente, evitando perdas. Depois abre uma fábrica de sacos para transportar sua farinha, amplia a produção para os tecidos, aproveita as sobras do processo para fabricar sabão e forma uma rede de armazéns para distribuir tudo.
Em 1900 tinha construído uma fortuna avaliada em 2 mil contos de réis — cem vezes o capital de seu primeiro investimento, feito na década anterior.
A robustez financeira leva a uma multiplicação ainda maior de suas indústrias, organizadas em 1911 numa sociedade anônima intitulada Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo. O princípio da expansão é o mesmo: empregar o trigo para montar uma fábrica de massas e biscoitos, a necessidade de embalagens para montar uma metalúrgica, a fábrica de tecidos para sustentar a empresa de fibras sintéticas, etc.
Quando a lista das expansões próprias se esgota, parte para a compra do que havia em redor: fábricas de fornecedores, fazendas para produzir matéria-prima, empresas de transporte terrestre e marítimo.
Em menos de uma década controla mais de uma centena de indústrias novas.