Andrew Zimbalist, professor de Economia do Smith College, em Massachusetts (Dominic Chavez/Divulgação)
João Pedro Caleiro
Publicado em 20 de fevereiro de 2015 às 13h38.
São Paulo – 2014 foi ano de Copa do Mundo no Brasil - e também de economia estagnada ou até em contração, de acordo com as últimas projeções.
O descompasso vai de encontro ao discurso do governo, que vendeu o evento (e as Olimpíadas de 2016) como um importante estímulo para o desenvolvimento.
De acordo com o americano Andrew Zimbalist, isso sempre foi uma ilusão: não há na literatura acadêmica nenhuma evidência de ganho econômico significativo com estes eventos sequer em áreas relacionadas como o turismo.
Zimbalist é professor de Economia há mais de 40 anos no Smith College, no estado de Massachusetts, na costa leste americana. Ele já editou uma série de obras sobre economia política na América Latina e publicou mais de 20 livros, a maioria sobre a economia do esporte.
O último saiu no início deste ano pela Brooking Institution Press e se chama "Circus Maximus", referência a uma área de Roma onde aconteciam corridas de biga e outros eventos esportivos.
O subtítulo entrega a tese da obra: "The Economic Gamble Behind Hosting the Olympics and The World Cup" ("O Jogo de Azar Econômico por trás de Sediar as Olimpíadas e a Copa do Mundo", em tradução livre). Zimbalist conversou com EXAME.com por telefone recentemente. Veja os principais trechos da entrevista:
EXAME.com - O governo brasileiro sempre justificou a realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas com base em alguns estudos de impacto econômico. Eles são confiáveis?
Andrew Zimbalist - Não, e por razões metodológicas, vícios de origem e suposições irrealistas. O método é falho e eles são sempre feitos por uma consultoria contratada por quem quer provar que o evento será um grande boom econômico. Se eles tentarem escrever algo de diferente, nunca mais serão contratados para algo do tipo.
Agora, há estudos de agências independentes e acadêmicos que olham para números concretos, depois que o evento já aconteceu, e controlando por outras variáveis independentes da economia, e estes concluem que você não pode antecipar um retorno econômico positivo ao sediar as Olimpíadas ou a Copa.
EXAME.com - Em relação as Olimpíadas, você cita o caso de Los Angeles em 1984, que mudou a maré para melhor após as experiências difíceis de México em 1968, Munique em 1972 e Moscou em 1980. A maré estaria virando de novo?
Zimbalist - Com certeza, e não é de hoje: há uma década temos uma queda consistente do número de cidades candidatas. No caso das Olimpíadas de Inverno de 2022, tínhamos 6 cidades inscritas e 4 saíram, 3 devido a referendos. Sobrou uma cidade do Cazaquistão e uma da China, dois países autoritários.
O que aconteceu é que o novo presidente do COI (Comite Olímpico Internacional), Thomas Bach, percebeu esse problema e tem viajado para fazer com que as cidades se interessem em sediar as Olimpíadas, além de ter feito reformas para tornar o processo mais atrativo. Ele conseguiu criar uma nova imagem e atrair interesse para 2024, agora resta saber se este não foi um resultado fugaz.
EXAME.com - Você também diz que o processo de seleção das Olimpíadas cria a "maldição do vencedor". O que isso significa?
Zimbalist - Duas coisas. A primeira é que se você tem 6 candidatos e um ganha, isso significa que os outros 5 concordaram que o evento vale menos, e é mais provável que os 5 tenham mais informação e senso de realidade do que o vencedor.
O segundo problema é que o processo é quase sempre iniciado e controlado pelo setor privado: executivos beneficiados diretamente e pessoalmente com o evento, os setores de construção, turismo, hospitalidade, bancos de investimento, seguradoras. Eles representam seus próprios interesses e podem ser bastante exuberantes porque não é o dinheiro deles que será gasto, e sim dinheiro público.
EXAME.com - Quais são os melhores e piores exemplos de Olimpíadas e Copa?
Zimbalist - O pior foram as Olimpíadas de Inverno de Sochi em 2014. Gastaram entre US$ 50 e 70 bilhões e não creio que tiveram qualquer beneficio. O melhor é Barcelona em 1992.
De Copa, o maior sucesso é a Alemanha: parece ter havido um pequeno efeito positivo sobre o emprego em alguns estados, e com baixo custo, porque a maior parte das estruturas já estava pronta. O pior talvez seja o do Brasil ano passado, com a construção de tantos estádios que são elefantes brancos. A África do Sul vem perto, mas não gastou tanto.
EXAME.com - E o argumento de que estes eventos servem como catalisadores ao acelerar grandes projetos que não sairiam do papel sem a restrição de tempo ou pressão externa?
Zimbalist - Esse argumento pelo menos é lógico e se aplica em alguns casos. Mas tem o outro lado: coisas feitas muito rápido não costumam ser bem feitas, e as construtoras também exigem mais pela rapidez. E isso dá uma desculpa para o governo atropelar o rito normal de licitação, o que gera mais corrupção – concorrências limitadas ou feitas debaixo do pano, com contratos entregues para amigos.
Você costuma ter uma série de planos para infraestrutura que fica no papel, enquanto o que realmente é feito são as ruas entre o aeroporto e as instalações esportivas. É muito desperdício. Uma cidade precisa aprender a lidar com seus problemas sozinha; ter um evento não é uma estratégia de longo prazo.
EXAME.com - Voce tem acompanhado as preparações para 2016? O plano foi bem feito?
Zimbalist - Não. Tentaram copiar o plano de Barcelona de quatro núcleos, mas não fazia sentido: era uma aplicação rígida e simplória em condições muito diferentes. A maior parte das instalações estará pronta; os problemas agora parecem ser o concurso de vela na baía e o campo de golfe na Barra, mas vão dar um jeito. As competições podem ter algumas inconveniências, mas vão acontecer, a duvida é o que será feito com as estruturas depois e como isso ajuda o desenvolvimento do país.
EXAME.com - Turismo é um setor com grande impacto potencial não realizado no Brasil. Não pode haver um efeito positivo aí?
Zimbalist - Com exceção de Barcelona, que tinha circunstâncias muito especiais, não há nenhuma evidência de qualquer impacto no longo prazo sobre o turismo de um país que sedia estes eventos. E isso de imagem positiva não é automático; você pode ter protestos, terrorismo, congestionamento, tempo ruim. E ainda que tudo dê certo, as pessoas com renda e disposição pra viajar já sabem do Rio e do Brasil. Não é porque assistem uma competição de natação que vão dizer: agora sim vou para lá, como não havia pensado nisso antes?