FGTS: bancos aproveitam a onda de reformas econômicas produzidas no governo Temer para questionar monopólio da Caixa sobre os recursos (Marcello Casal Jr/ Agência Brasil/Agência Brasil)
Da Redação
Publicado em 26 de setembro de 2016 às 08h34.
Brasília - Grandes bancos privados começam a se movimentar para defender o fim do monopólio da Caixa Econômica Federal na gestão dos mais de R$ 450 bilhões do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
A principal bandeira é a promessa de maior rentabilidade para o trabalhador, mas os argumentos passam até pelo tema fiscal com a chance de geração de receita extra para o Tesouro.
Operadora única prevista em lei, a Caixa reage e prepara discurso de que eventuais mudanças podem resultar em "desequilíbrios econômicos" como crédito mais caro para a casa própria ou redução de recursos para habitação popular e saneamento básico.
O movimento que começa a ganhar corpo entre os concorrentes da Caixa tenta aproveitar a agenda reformista do governo Michel Temer para tentar emplacar uma profunda mudança na gestão do FGTS: acabar com a exclusividade da Caixa.
Desde 1990, o banco federal é o único administrador do dinheiro depositado mensalmente em nome de todos os trabalhadores com carteira assinada. No fim de 2015, eram mais de 235 milhões de contas e patrimônio de R$ 457,6 bilhões.
Concorrentes, especialmente os privados, reclamam que o FGTS representa uma enorme fonte de dinheiro com baixíssimo custo para a Caixa, o que distorceria o funcionamento do mercado bancário. Isso aconteceria porque o Fundo representa uma parcela relevante do chamado "funding" do banco estatal.
Para efeito de comparação: o FGTS já representa 70% do total depositado nas cadernetas de poupança no País. "É o dinheiro mais barato disponível no Brasil e canalizado exclusivamente para a Caixa", diz o executivo de um dos grandes bancos privados.
Segundo o executivo, há apoio para a mudança entre os cinco maiores bancos do País. Ele diz que o "placar mostra 4 a 1" a favor do fim do monopólio da Caixa. Entre os maiores nomes, estão Banco do Brasil, Itaú, Bradesco, Santander e Caixa.
Se a regra da gestão do FGTS mudar, dizem apoiadores da ideia, trabalhadores poderiam ter maior retorno para o dinheiro depositado pelas empresas. Atualmente, as contas têm rentabilidade anual de 3% acrescida da Taxa Referencial (TR).
O retorno é basicamente a metade do oferecido pela poupança, de 6% + TR. Não há proposta oficial sobre a mesa, mas bancos acenam com a chance de mais que dobrar o valor com rentabilidade de até 10% ao ano.
Pela regra atual, o rendimento perde até para a inflação e não alcança sequer os 5% anuais.
Além da intenção reformista do governo Temer, o argumento pela mudança no FGTS também se apoia em operações recentes que geraram prejuízo ao trabalhador, como o Fundo de Investimento do FGTS (FI-FGTS) que alocou parte do dinheiro em empresas envolvidas em casos de corrupção como a Sete Brasil e a Odebrecht (ler box abaixo).
Um terceiro argumento pela mudança passa pelo tema fiscal. Alguns dos bancos dizem que eventual abertura da gestão poderia acontecer com leilões para que bancos adquiram o direito de gerir parte da carteira atualmente na Caixa.
Assim, o Tesouro - através do banco estatal - poderia receber recursos em um modelo comparável à venda da folha de pagamentos dos servidores públicos.
Mais simples, outra via seria a opção do trabalhador transferir seus depósitos para outro banco como na portabilidade do crédito.
Na Caixa, o tema tem sido tratado com cautela. Oficialmente, o banco não se pronuncia. Internamente, porém, executivos têm citado que a mudança poderia gerar "desequilíbrios" macroeconômicos com aumento do custo do financiamento imobiliário e do crédito de longo prazo para infraestrutura.
Além disso, há lembrança de que bancos privados não têm o mesmo comprometimento social e poderia ser ameaçada a destinação do FGTS para a habitação de baixa renda, saneamento básico e infraestrutura.
A pesquisadora da Universidade de São Paulo e consultora em financiamento habitacional, Cláudia Magalhães Eloy, diz que a mudança do sistema poderia ajudar a aumentar a oferta de crédito imobiliário no longo prazo, mas é preciso ter cautela para não haver distorção do papel do Fundo.
"Há potencial positivo para o crédito, mas, ao mesmo tempo, é preciso lembrar que os privados têm dificuldade em alocar recursos da poupança no crédito imobiliário e muitas vezes optam pelas operações mais rentáveis. Além disso, com apenas cinco grandes a concorrência entre bancos não é grande".
Procurado, o Santander informou que "apoia medidas que visem a gradual desregulamentação do sistema financeiro nacional". Banco do Brasil, Bradesco e Caixa informaram através da assessoria de imprensa que não comentariam o assunto. O Itaú não respondeu o pedido de entrevista.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.