Economia

Bancos europeus consideram repassar juro negativo à população

A pergunta é quem vai primeiro. Bancos temem que quem quebrar esse tabu sofrerá dano na reputação e êxodo da clientela

Draghi: após o presidente do BCE sinalizar que as taxas poderiam recuar ainda mais, bancos dizem que não podem descartar cobrança em depósitos por clientes do varejo (Krisztian Bocsi/Bloomberg)

Draghi: após o presidente do BCE sinalizar que as taxas poderiam recuar ainda mais, bancos dizem que não podem descartar cobrança em depósitos por clientes do varejo (Krisztian Bocsi/Bloomberg)

Ligia Tuon

Ligia Tuon

Publicado em 24 de agosto de 2019 às 08h00.

Última atualização em 24 de agosto de 2019 às 08h00.

Cinco anos depois que Mario Draghi virou de cabeça para baixo o setor bancário europeu, as instituições financeiras estudam quebrar o tabu: juros negativos para as massas.

Os bancos há muito tempo tentaram repassar o custo das taxas de juros negativas para empresas e pessoas físicas abastadas, mas se esquivaram de obrigar a população geral a pagar para manter dinheiro no banco.

No entanto, após Draghi, presidente do Banco Central Europeu, sinalizar que as taxas poderiam recuar ainda mais, executivos do Banco Sabadell e do Commerzbank comentam que não podem descartar a cobrança em depósitos por clientes do varejo.

``Com uma mudança de paradigma como a que estamos vivenciando, é possível dizer que isso pode ser contemplado”, afirmou Jaime Guardiola, presidente do Sabadell, a respeito dos juros negativos para clientes do varejo. “Ainda há alguma margem para erros antes que isso ocorra, mas pode ser pensado.”

A pergunta é quem vai primeiro. Bancos temem que quem quebrar esse tabu sofrerá dano na reputação e êxodo da clientela.

O tema é tão polêmico, particularmente em um país de poupadores, que o principal tabloide da Alemanha deu primeira página para reportagens sobre os juros negativos em depósitos e pelo menos um político de peso quer sua proibição.

Juros negativos são um golpe duplo para as instituições financeiras, que têm custo anual superior a 7 bilhões de euros (US$ 7,8 bilhões) para depositar recursos no overnight junto ao banco central e enfrentam corrosão dos ganhos nos empréstimos que concedem.

A situação derrubou as ações de muitos do segmento e instituições como Deutsche Bank e Commerzbank penam com a queda na receita e na lucratividade.

Até agora, os bancos responderam cortando custos e buscando aumentar as tarifas geradas por outros serviços que não os empréstimos.

As instituições também tentam hedge do custo de manter dinheiro no caixa, mas isso pode criar um ciclo negativo capaz de reduzir ainda mais os rendimentos dos títulos.

Após demissões que afetaram milhares de funcionários e ainda não terminaram, o Commerzbank — que atraiu mais de 1 milhão de novos clientes distribuindo dinheiro para qualquer pessoa que abrisse uma conta — contempla repassar os juros punitivos do BCE, mesmo que este seja um cenário hipotético por ora.

``Se houver uma tendência de mercado de repasse de taxas negativas para os clientes, precisaremos olhar para isso”, disse o presidente Stephan Engels a repórteres neste mês. “Se formos inundados por depósitos como consequência, teríamos que examinar muito de perto como lidar com isso com sensatez.”

Os bancos já estão forçando pessoas jurídicas a pagarem para manter saldos grandes em dinheiro. Gestores de fortunas, como UBS Group e Credit Suisse Group, estão adotando a prática em relação a clientes com liquidez excepcionalmente alta.

Alguns bancos de varejo menores e com atuação regional cobram para manter contas com saldo superior a 100.000 euros, embora muitas vezes tais penalidades sejam discutidas caso a caso.

Mas, de modo geral, os bancos não repassaram os juros negativos para a população, por medo de perder muitos depósitos, que são importante fonte de recursos.

Uma mudança também poderia gerar noticiário desfavorável. O tabloide alemão Bild publicou na primeira página este mês reportagens informando que os depósitos de pequenos poupadores não estão mais a salvo de penalizações.

(Com a colaboração de Kati Pohjanpalo, Frances Schwartzkopff e Stephan Kahl).

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