Roberto Campos Neto durante entrevista 7/4/2020. (Adriano Machado/Reuters Business)
Ligia Tuon
Publicado em 17 de junho de 2020 às 18h07.
Última atualização em 5 de agosto de 2020 às 17h46.
Como era amplamente esperado entre analistas de mercado, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) anunciou nesta quarta-feira,17, mais um corte de 0,75 ponto percentual (p.p.) na Selic, taxa básica de juros da economia, que foi de 3% a 2,25% ao ano, uma nova mínima histórica.
Trata-se da oitava redução consecutiva da Selic, cujo atual ciclo de queda começou em julho do ano passado.
No comunicado, o comitê diz que a magnitude do estímulo monetário já implementado até aqui parece compatível com os impactos econômicos da pandemia. Mas não descarta novos cortes:
"Para as próximas reuniões, o Comitê vê como apropriado avaliar os impactos da pandemia e do conjunto de medidas de incentivo ao crédito e recomposição de renda, e antevê que um eventual ajuste futuro no atual grau de estímulo monetário será residual", diz.
Alberto Ramos, do Goldman Sachs considera bastante dúbia a sinalização do colegiado, mas aposta em mais um corte, dada às repetidas referências no comunicado sobre a inflação controlada no horizonte relevante para a política monetária:
"No geral, a orientação que fica é que o BC deixa a porta aberta para um possível corte menor adicional na próxima reunião (-0,25 p.p. ou mesmo -0,50cp.p.), a depender de dados sobre o ritmo da economia", diz o analista de América Latina da instituição.
O aceno foi a grande novidade da reunião, para Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos. Mas, segundo ele, apesar de o BC não descartar futuras correções, condiciona novos cortes a uma possível piora do cenário, o que, em sua previsão, não deve ocorrer:
"É evidente que os sinais ainda precisam ser monitorados, mas nosso cenário contempla a perspectiva de recuperação gradual ao longo de junho e do segundo semestre", diz Sanchez.
O economista mantém, portanto, sua expectativa para que a Selic fique mantida em 2,25% a.a. até o fim de 2020, em linha com o que é esperado no resto do mercado, segundo o Boletim Focus. Para o ano que vem, a mediana das previsões caiu a 3% no último levantamento.
Nesta semana, o IBGE divulgou que as vendas do comércio varejista recuaram 16% em abril e no setor de serviços, 11,7%, quedas recordes que se somam à contração de 18% na indústria no mês. Com a reabertura do comércio em diversas regiões brasileiras, alguma melhora é esperada em maio e junho.
Na reunião passada, em maio, quando o BC anunciou corte de 0,75 (p.p.), levanto a taxa a 3%, havia sinalizado que faria outro de mesma magnitude na Selic agora, o que completaria estímulo necessário como reação aos efeitos econômicos da covid-19.
Desde a então, houve um agravamento significativo do surto viral no país, deterioração das expectativas de crescimento, queda das expectativas de inflação de curto e médio prazo.
A inflação em níveis historicamente baixos também favorece o movimento de queda nos juros. Em maio, o IPCA veio negativo pelo segundo mês seguido. No acumulado de 12 meses até março, o IPCA teve alta de 1,88%, de 2,40% antes, abaixo da meta de inflação de 4% do governo para 2020, que tem tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo.
Ao reduzir os juros, o Banco Central dá condições para que haja mais recursos no mercado. Em meio à situação excepcional de pandemia, porém, estímulos tradicionais podem não ter o efeito esperado, o que tem feito com que a política monetária aqui e lá fora percam potência.
Mesmo com recursos disponíveis, os bancos adotam uma posição cautelosa e param de emprestar devido ao maior risco de inadimplência em um cenário de alta do desemprego, queda da renda e risco de falências. Essa tem sido uma das maiores reclamações de pequenos empresários que tentam se financiar para atravessar este período mais agudo: o dinheiro não chega na ponta.
O Ministério da Economia tem recebido dados mostrando que a liberação de crédito “travou no meio do caminho” pela regulamentação do setor bancário, disse o vice-presidente da República, Hamiton Mourão, nesta terça.
Em sua 231ª reunião, o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu, por unanimidade, reduzir a taxa Selic para 2,25% a.a.
A atualização do cenário básico do Copom pode ser descrita com as seguintes observações:
No cenário externo, a pandemia da Covid-19 continua provocando uma desaceleração pronunciada do crescimento global. Nesse contexto, apesar da provisão significativa de estímulos fiscal e monetário pelas principais economias e de alguma moderação na volatilidade dos ativos financeiros, o ambiente para as economias emergentes segue desafiador;
Em relação à atividade econômica, a divulgação do PIB do primeiro trimestre confirmou a sua maior queda desde 2015, refletindo os efeitos iniciais da pandemia. Indicadores recentes sugerem que a contração da atividade econômica no segundo trimestre será ainda maior. Prospectivamente, a incerteza permanece acima da usual sobre o ritmo de recuperação da economia ao longo do segundo semestre deste ano;
O Comitê avalia que diversas medidas de inflação subjacente se encontram abaixo dos níveis compatíveis com o cumprimento da meta para a inflação no horizonte relevante para a política monetária;
As expectativas de inflação para 2020, 2021 e 2022 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de 1,6%, 3,0% e 3,5%, respectivamente;
No cenário híbrido, com trajetória para a taxa de juros extraída da pesquisa Focus e taxa de câmbio constante a R$4,95/US$*, as projeções do Copom situam-se em torno de 2,0% para 2020 e 3,2% para 2021. Esse cenário supõe trajetória de juros que encerra 2020 em 2,25% a.a. e se eleva até 3,00% a.a. em 2021; e
No cenário com taxa de juros constante a 3,00% a.a. e taxa de câmbio constante a R$4,95/US$*, as projeções situam-se em torno de 1,9% para 2020 e 3,0% para 2021.
O Comitê ressalta que, em seu cenário básico para a inflação, permanecem fatores de risco em ambas as direções.
Por um lado, o nível de ociosidade pode produzir trajetória de inflação abaixo do esperado. Esse risco se intensifica caso a pandemia se prolongue e provoque aumentos de incerteza e de poupança precaucional e, consequentemente, uma redução da demanda agregada com magnitude ou duração ainda maiores do que as estimadas.
Por outro lado, políticas fiscais de resposta à pandemia que piorem a trajetória fiscal do país de forma prolongada, ou frustrações em relação à continuidade das reformas, podem elevar os prêmios de risco.
Adicionalmente, os diversos programas de estímulo creditício e de recomposição de renda, implementados no combate à pandemia, podem fazer com que a redução da demanda agregada seja menor do que a estimada, adicionando uma assimetria ao balanço de riscos. Esse conjunto de fatores implica, potencialmente, uma trajetória para a inflação acima do projetado no horizonte relevante para a política monetária.
O Copom avalia que perseverar no processo de reformas e ajustes necessários na economia brasileira é essencial para permitir a recuperação sustentável da economia. O Comitê ressalta, ainda, que questionamentos sobre a continuidade das reformas e alterações de caráter permanente no processo de ajuste das contas públicas podem elevar a taxa de juros estrutural da economia.
Considerando o cenário básico, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu, por unanimidade, reduzir a taxa básica de juros em 0,75 ponto percentual, para 2,25% a.a. O Comitê entende que essa decisão reflete seu cenário básico e um balanço de riscos de variância maior do que a usual para a inflação prospectiva e é compatível com a convergência da inflação para a meta no horizonte relevante, que inclui o ano-calendário de 2021.
O Copom entende que, neste momento, a conjuntura econômica continua a prescrever estímulo monetário extraordinariamente elevado, mas reconhece que o espaço remanescente para utilização da política monetária é incerto e deve ser pequeno. O Comitê avalia que a trajetória fiscal ao longo do próximo ano, assim como a percepção sobre sua sustentabilidade, são decisivas para determinar o prolongamento do estímulo.
Neste momento, o Comitê considera que a magnitude do estímulo monetário já implementado parece compatível com os impactos econômicos da pandemia da Covid-19. Para as próximas reuniões, o Comitê vê como apropriado avaliar os impactos da pandemia e do conjunto de medidas de incentivo ao crédito e recomposição de renda, e antevê que um eventual ajuste futuro no atual grau de estímulo monetário será residual. No entanto, o Copom segue atento a revisões do cenário econômico e de expectativas de inflação para o horizonte relevante de política monetária. O Comitê reconhece que, em vista do cenário básico e do seu balanço de riscos, novas informações sobre a evolução da pandemia, assim como uma diminuição das incertezas no âmbito fiscal, serão essenciais para definir seus próximos passos.
Votaram por essa decisão os seguintes membros do Comitê: Roberto Oliveira Campos Neto (presidente), Bruno Serra Fernandes, Carolina de Assis Barros, Fernanda Feitosa Nechio, João Manoel Pinho de Mello, Maurício Costa de Moura, Otávio Ribeiro Damaso e Paulo Sérgio Neves de Souza.
*Valor obtido pelo procedimento usual de arredondar a cotação média da taxa de câmbio R$/US$ observada nos cinco dias úteis encerrados no último dia da semana anterior à da reunião do Copom.