Economia

Banco Central quer permitir contas em dólar no Brasil. É uma boa ideia?

Modernização necessária ou risco de "argentinização"? Planos do Banco Central para conversibilidade gera debate entre economistas

Compras em Real: preferência pelas contas em dólar em momentos de instabilidade é um dos riscos (Dado Galdieri/Bloomberg)

Compras em Real: preferência pelas contas em dólar em momentos de instabilidade é um dos riscos (Dado Galdieri/Bloomberg)

Ligia Tuon

Ligia Tuon

Publicado em 8 de junho de 2019 às 08h00.

Última atualização em 8 de junho de 2019 às 08h00.

São Paulo — O Banco Central surpreendeu, na semana passada, ao indicar que vai buscar um caminho em direção à maior conversibilidade do Real.

A nova versão da agenda de reformas da autoridade monetária, batizada de BC#, inclui a previsão de alterar itens da legislação cambial vigentes desde 1920 para deixá-la mais flexível.

A liberalização cambial pode se refletir no dia a dia em transações cambiais mais simples e baratas, maior facilidade na troca de reais por dólares e outras moedas e até na possibilidade de abrir contas em dólares no Brasil ou em reais em outros países.

Hoje, apenas algumas empresas ou instituições específicas, como embaixadas e grandes exportadoras, têm autorização de manter contas em dólar no Brasil.

O lado ruim de ter uma moeda nacional mais fácil de ser convertida em outras moedas é que o país fica mais vulnerável a qualquer evento que faça cair a confiança na sua moeda. Ataques especulativos e mudanças súbitas na taxa de câmbio tendem a ser mais recorrentes nesse cenário.

"A tendência de a moeda nacional ser ejetada do país pela moeda mais forte, e consequentemente enfraquecida, é muito maior. Num momento de crise ou falta de confiança, as pessoas buscam o ativo seguro, no caso, o dólar", diz Livio Ribeiro, pesquisador sênior da área de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre).

Se em qualquer evento de instabilidade econômica as pessoas puderem recorrer ao dólar com facilidade, a capacidade do Banco Central de controlar a inflação pela taxa de juros também diminui.

"Se boa parte da moeda em circulação não é a moeda que o país emite, o impacto da política monetária sobre o nível de atividade vai ser menor. A autoridade vai querer controlar o uso da moeda, mas tem outra circulando sobre a qual não tem controle nenhum", explica Nelson Marconi, coordenador executivo do Fórum de Economia da FGV.

Esse cenário de extrema volatilidade cambial e inflação descontrolada é conhecido da Argentina, onde a conversibilidade cambial foi adotada nos anos 90 e limitada posteriormente por conta da carência de dólares na economia.

A dolarização da economia e a fraqueza do peso argentino são alguns dos fatores que dificultam o controle da inflação, acima dos 50% no acumulado de 12 meses contra menos de 5% no Brasil no mesmo período.

No entanto, isso não significa concluir que o cenário argentino será automaticamente replicado por aqui caso haja uma liberalização na direção da conversibilidade plena, ressalta Livio, porque os dois países têm condições macroeconômicas bem diferentes.

"Na Argentina, quando o câmbio deprecia, a dívida líquida explode. No caso brasileiro, a dívida cai, já que o país tem mais reserva internacional do que dívida em dólar", diz.

Outro exemplo próximo é o Peru, onde a flexibilidade cambial parece ter dado certo, segundo o Lívio, já que o país goza de uma condição macroeconômica razoavelmente boa.

"Quando foram implementar a conversibilidade da moeda peruana, falou-se nos riscos de volatilidade, desvalorização da moeda etc, mas a história mostrou que nada disso ocorreu", ressalta Lívio. 

Ele destaca que a migração para outra moeda tem custos e que no cotidiano, as pessoas tendem a usar a moeda local por razões históricas e de conveniência, como a maior facilidade de fazer a conta ou mesmo de comparar os preços relativos na economia.

"Se o processo de conversibilidade do Real estivesse muito perto de ocorrer, eu ficaria muito preocupado. O Brasil precisa lidar primeiro com uma série de riscos e questões fiscais, a questão do baixo crescimento, desemprego. O momento é perigoso para fazer esse tipo de politica. Mas o BC apenas apontou uma direção com sua nova agenda. E me parece adequada", conclui. 

Roberto Campos Neto, presidente do BC, diz que uma minuta de projeto de lei deve sair "em breve". A meta é que a legislação cambial contemple a conversibilidade até o final da atual gestão, mas as contas em dólar dentro do país devem demorar um pouco mais para virar uma realidade.

"Nosso objetivo imediato não é que pessoas tenham conta em dólar", disse Campos Neto na divulgação da BC#.

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