Pessoas fazem fila para buscar ajuda com pedidos de auxílio-desemprego em centro de carreira de Kentucky (Bryan Woolston/Reuters)
Fabiane Stefano
Publicado em 20 de fevereiro de 2021 às 07h00.
Última atualização em 20 de fevereiro de 2021 às 11h25.
Mesmo após o ano mais turbulento da história, as projeções do mercado indicam que os números oficiais do PIB de 2020, esperados no início de março, devem indicar uma retração de 4,5% — uma queda significativa, mas ainda distante do rombo registrado em outras economias do continente, como México e Argentina, que registraram PIB negativo na casa dos dois dígitos.
Segundo os pesquisadores do recém-lançado Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da FEA-USP (Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo), a diferença expressiva entre os resultados do Brasil e dos seus pares latino-americanos se deve, principalmente, aos R$300 bilhões de reais que o governo federal gastou com o auxílio emergencial. Em um cenário sem o benefício, diz o estudo, a queda do PIB brasileiro em 2020 seria de pelo menos 8,4% — 4 pontos percentuais a mais do que o esperado pelo mercado. No pior cenário sem o auxílio, a queda poderia chegar a 14,8%.
Equivalente a 4% do PIB, os gastos com o auxílio emergencial seguraram o consumo de muitas famílias que, justamente pela necessidade, tendem a usar todo o dinheiro para a garantir própria subsistência — fazendo com que o dinheiro circule mais na economia. Essa dinâmica produziu um efeito estabilizador nas receitas do governo, segurando a queda do PIB e, consequentemente, ajudando no equilíbrio da relação dívida X PIB. Ou seja: ainda que os gastos com o auxílio emergencial tenham aumentado a dívida brasileira, eles também tiveram um impacto relevante na manutenção do consumo e da produtividade.
"É para essa relação que devemos olhar, e não só para o crescimento da dívida. Justamente por ser uma relação, esse indicador leva em conta os gastos, mas também da receita e do PIB", explica a economista Marina Sanches, que assina o estudo com os colegas Matias Cardomingo e Laura Carvalho.
O que explica essa compensação na queda do PIB, conta Sanches, é o alto efeito multiplicador do auxílio emergencial - ou, em outras palavras, o potencial de retorno do investimento do governo. Para investimento em obras públicas, por exemplo, o efeito multiplicador é de R$3 - o que significa que, a cada real investido, o PIB aumenta em R$3.
Cada gasto do governo tem o seu próprio efeito multiplicador, que varia de acordo com o perfil do público e sua propensão a gastar ou guardar o dinheiro que recebe. Aposentados, por exemplo, podem fazer algum tipo de poupança, enquanto os beneficiários do auxílio emergencial tendem a usar todo o dinheiro para a própria subsistência. Assim, o dinheiro circula mais na economia, aumentando o efeito multiplicador do investimento.
"Em vista desse efeito estabilizador que a renda básica tem na economia, o gasto social deve ser visto como um pilar de crescimento econômico tão importante quanto os investimentos, especialmente nesse momento inédito de crise", diz a economista, que defende a revisão do teto de gastos atrelada a uma reforma tributária que alinhe o sistema brasileiro ao do resto do mundo, permitindo a ampliação dos gastos sociais.
A economista ressalta não ser contra os cortes de gastos públicos, mas defende que eles aconteçam observando o efeito multiplicador de cada um dos gastos. Aqueles que tem um efeito multiplicador mais alto, como o auxílio emergencial, devem prevalecer sobre outras despesas.
"Cortar gastos pode ter até um efeito contrário na relação dívida X PIB. Se o corte acontece em gastos com alto efeito multiplicador, como o auxílio emergencial, há um impacto negativo no PIB justamente porque, ao ganhar outro destino, aquele montante pode circular menos na economia", explica Sanches.
Em meio às discussões em Brasília sobre o formato e o alcance do retorno do auxílio emergencial em 2021, a nota do MADE cita um estudo do economista Daniel Duque, que analisou as diferenças no impacto do auxílio emergencial de R$600, pago entre abril e agosto, e também do que eles chamam de "auxílio residual", de R$300, pago entre setembro e dezembro. Mesmo com um valor menor, o auxílio ainda tem efeitos relevantes do lado macroeconômico, na estabilização da renda. Mas a redução do valor tem repercussões negativas nos números da pobreza no país.
Em agosto, logo após o último pagamento dos R$600, a taxa de pobreza atingiu patamares mínimos históricos no país: a pobreza extrema foi de 2,3%, enquanto a pobreza foi de 18,4%. Em novembro, quando o auxílio já tinha diminuído, essas taxas subiram para 5% e 23,9%, respectivamente. Em um cenário sem auxílio, o estudo de Duque projetou que esse números poderiam chegar a 15% e 30%, respectivamente.
"Com o auxílio menor, a pobreza e a desigualdade aumentaram. Isso é preocupante porque estamos em um cenário totalmente atípico, em que dependemos da vacinação para voltar a um ritmo econômico pelo menos semelhante ao que tínhamos no pré-pandemia", destaca Marina. "Dadas essas projeções, podemos esperar um aumento significativo nas taxas de pobreza enquanto o auxílio não for reestabelecido ou a vacinação avance de maneira satisfatória."