Economia

Articulação política abala confiança na reforma da Previdência

"O governo quer aprovar a reforma ou não? Estão brincando com fogo", questiona o ex-diretor do Banco Central

Presidente da Câmara dos Deputados, dep. Rodrigo Maia, recebe o Presidente da República, Jair Bolsonaro (Luis Macedo/Agência Brasil)

Presidente da Câmara dos Deputados, dep. Rodrigo Maia, recebe o Presidente da República, Jair Bolsonaro (Luis Macedo/Agência Brasil)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 24 de março de 2019 às 09h57.

Última atualização em 24 de março de 2019 às 09h58.

São Paulo - A rusga entre o governo Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, colocou em risco a articulação do parlamentar pela reforma da Previdência, assustou o mercado e reduziu o otimismo de analistas políticos e econômicos com a aprovação daquela que é a considerada a mais importante das reformas.

Na semana passada, Maia já demonstrava insatisfação com a atitude do governo em relação à reforma. Ontem (23), o clima entre Bolsonaro e o parlamentar esquentou, com mais troca de farpas entre os dois políticos.

O desgaste já tinha pesado no mercado financeiro na semana passada - após ter atingido a marca histórica de 100 mil pontos na última segunda-feira (18), a Bolsa caiu 3,1% na Sexta-feira (22) e o dólar atingiu R$ 3,90, recorde no ano.

"O que mais espanta é a inabilidade do presidente da República. Temos de estar prontos para o fracasso da reforma, coisa que não estava no radar. Temos de aceitar que esse governo pode não ter condições de tocar um projeto tão ambicioso", diz o ex-presidente do BNDES Luiz Carlos Mendonça de Barros.

"Essa briga é assustadora. Não faz sentido antagonizar com o presidente da Câmara. O governo quer aprovar a reforma ou não?", questiona o ex-diretor do Banco Central Alexandre Schwartsman. "O governo brinca com fogo. Se a economia for muito abaixo do R$ 1 trilhão esperado para a próxima década, o País estará em apuros."

Apesar de fundamental para a saúde fiscal do País, a reforma da Previdência fere os interesses de vários grupos que votaram em Bolsonaro, como militares e parte do funcionalismo público, diz o cientista político do Insper Carlos Melo. "O governo vive nesse estado de ambiguidade, porque é apoiado tanto por esses grupos quanto pelo mercado. Mas ele não pode operar com sinais trocados para sempre, terá de escolher um lado."

Para o também cientista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria, a falta de coesão dos grupos que apoiam o bolsonarismo e a dificuldade que o presidente tem em aglutinar forças para criar uma base estável agora cobram um preço. "Ficou mais claro que o governo precisa mudar seu modo de agir."

Processo

Apesar da preocupação dos analistas, o economista da PUC-Rio José Marcio Camargo afirma que as rusgas na articulação da reforma são naturais e parte do processo de negociação política.

"Faz parte do jogo. Maia está tentando se posicionar e ganhar um pouco mais de voz e espaço neste momento. É fundamental que o presidente da Câmara esteja na articulação e Bolsonaro sabe disso. Essa indisposição vai passar."

"É claro que é um ruído desnecessário e que causa volatilidade, mas as pessoas se esquecem de como foram os outros processos de mudanças na Previdência. Mesmo com esses últimos dias, acho que haverá pouca desidratação da proposta e que grande parte do texto original vai passar", diz Camargo.

"Presidente não quer ônus"

O atrito entre o presidente da República, Jair Bolsonaro, e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que abalou a articulação política pela mudança na Previdência, deve emperrar o avanço da proposta feita pelo ministro Paulo Guedes, avalia o economista da Universidade de Brasília (UnB) José Luis Oreiro.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

A saída do presidente da Câmara da articulação pela reforma pode enfraquecer a proposta?

A reforma, como havia sido pensada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, 'subiu no telhado'. O governo já começou errado, colocando a questão de aprovar um BPC (Benefício de Prestação Continuada) menor que um salário mínimo. Depois, veio a reforma dos militares, que deixou claro o favorecimento. Agora, com o atrito entre Bolsonaro e Maia, não tem mais clima.

Essas questões não seriam negociadas naturalmente?

Sim. O problema é que a mudança do BPC e a questão dos militares destruíram o consenso. Foi uma completa inabilidade política, do ministro Paulo Guedes e do presidente. Além disso, o próprio presidente demonstrou pouca vontade de fazer a reforma. Ele sabe que é preciso fazer uma reforma, mas não quer o ônus político.

O que pode acontecer com o País, caso a reforma não passe?

Eu acho que vai ter uma turbulência. Os mercados estavam iludidos com a capacidade de articulação do governo e o Bolsonaro não deve voltar atrás. Isso deve aprofundar a crise de governabilidade, que o próprio governo parece ter instalado. Bolsonaro pode repetir os últimos meses do governo da ex-presidente Dilma Rousseff.

A não aprovação prejudicaria a recuperação da economia?

Não mexer na Previdência prejudica no longo prazo. Alguém vai precisar fazer. Mas a reforma que é prioritária para aquecer a economia é a tributária, que daria competitividade à indústria. Só não creio que esse governo consiga mexer nisso.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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