Economia

Argentinos compram dólares a conta-gotas

A última bateria de medidas da presidente Cristina Kirchner, que aliviou o impopular controle do mercado de câmbio, reacendeu as incertezas

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 28 de janeiro de 2014 às 19h14.

Os argentinos podem voltar a comprar dólares, mas muitos preferem não depositá-los nos bancos, desconfiados do rumo econômico do governo e marcados pelo colapso financeiro de 2001 que deixou milhares de poupadores sem fundos.

A última bateria de medidas da presidente Cristina Kirchner, que aliviou o impopular controle do mercado de câmbio, após uma brusca desvalorização do peso argentino (15% em uma semana), reacendeu as incertezas.

Quase 150.000 argentinos apresentaram na segunda-feira solicitações de dólares no primeiro dia de flexibilização do controle que proibia, desde 2011, comprar moeda para poupança, disse nesta terça-feira o chefe de Gabinete, Jorge Capitanich.

"São 149.606 pedidos (na segunda-feira) de 72,4 milhões de dólares. As operações (vendas) foram de 122.773 dólares", disse.

Kirchner, cujo mandato termina em 2015, deixou a moeda flutuar livremente pela primeira vez na década e a estabilizou em 8,03 pesos por dólar. A ideia é domar o mercado paralelo, onde o dólar 'Blue' é vendido a 12,20, em meio a uma crescente pressão de industriais e exportadores que se queixam de atraso cambial.

A presidente suspendeu o controle cambial, mas limitando-o àqueles que ganhem um mínimo de 7.200 pesos (cerca de 900 dólares). Essas pessoas terão acesso a até 2.000 dólares mensais para poupança. Na maioria dos casos a operação terá um imposto de 20%.

Em ambos os casos, o governo argentino anunciou medidas que disse que nunca ia tomar.

Contudo, os anúncios potencializaram o mercado paralelo de dólar, onde nesta terça-feira a divisa fechou a 12,25 pesos, com alta de 2,04% em relação a sexta-feira, enquanto no oficial, foi cotado a 8,01.

"O pouco que venderam (dólares) mostra que isso é uma farsa. E, ainda por cima, tenho que deixar depositado em um banco", se queixou à AFP, Daniel Salgueiro, de 38 anos, dono de um bar do centro de Buenos Aires.

Para Amália, uma cabeleireira de 36 anos que não quis informar seu sobrenome, "tudo isso é uma mentira, é uma armadilha. Te impõem travas e travas e no final te vendem apenas 2.000 dólares", argumentou.


Fuga dos emergentes

Kirchner se defende e diz que a Argentina, assim como outros emergentes como Índia, África do Sul e Turquia, sofre "ataques especulativos" a suas moedas.

Os operadores do mercado de divisas esperam ansiosos que o Federal Reserve norte-americano (Fed) anuncie na quarta-feira, se vai cortar, ainda mais, seu programa de estímulo econômico, o que provocaria uma alta nas taxas de juros.

Nesse caso, muitos operadores deixarão seus títulos em países emergentes em busca de uma maior rentabilidade nos Estados Unidos.

A violenta desvalorização do peso argentino tirou do mercado os produtores de soja, cuja exportação abastece de dólares as fracas reservas do país, já que permanecem sentados sobre suas colheitas à espera de que a tormenta passe.

"Não fica claro qual é a estratégia da autoridade monetária", se queixou à AFP, Dante Sica, diretor da consultoria Abeceb.com.

"Uma possível interpretação seria que o Banco Central acelerou a desvalorização do peso temporariamente, com o objetivo de estabilizá-lo mais tarde, abaixo da taxa de juros. Mesmo se isso estiver certo, a elevada inflação e o financiamento do déficit (5% do PIB, segundo consultorias) com emissão tornam essa estratégia arriscada", analisou Sica.

A descontrolada inflação - 30% segundo a Moody's - também é fonte de tensões com os poderosos sindicatos. No momento, não convocaram protestos, mas muitos acreditam que isso pode mudar se os próximos ajustes de salários não estiverem de acordo.

Reservas do Banco Central sob a mira

O Banco Central está na mira da tempestade pois nos últimos três anos perdeu mais de 23 bilhões de dólares em reservas e na segunda-feira fechou abaixo dos 29 bilhões.

A margem de manobra é cada vez mais estreita em um país que entrou em 'default' em 2001 e tem cada vez menos crédito internacional.

O ministro da Economia, Axel Kicillof, esclareceu que as reservas não aumentam "porque os exportadores agropecuários retêm a colheita do ano passado de cerca de 4 bilhões de dólares".

Depois da desvalorização de 66% em 2002, devolveram aos poupadores, também a conta-gotas, pesos desvalorizados e títulos cotados em peso. Nesse contexto, não é difícil viver neste clima de desconfiança.

José María Martínez (74), um ex-funcionário aposentado do comércio, se nega a depositar seus dólares nas entidades financeiras, transformadas em 2001 em buracos negros onde os poupadores perderam quase 70 bilhões de dólares.

"Se pudesse compraria dólares, mas o que estão fazendo (o governo) não convence ninguém", comenta.

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