O chefe de Gabinete da presidência argentina, Jorge Capitanich, criticou o juiz e o mediador do caso por supostamente favorecer os fundos especulativos (Daniel Garcia/AFP)
Da Redação
Publicado em 31 de julho de 2014 às 16h18.
Buenos Aires - A Argentina se manifestou nesta quinta-feira contra os Estados Unidos, contra o juiz e contra o mediador em meio à incerteza pela moratória parcial resultante da falta de um acordo com os fundos especulativos que ganharam o litígio na justiça americana pela cobrança da dívida suspensa em 2001.
A situação é de incerteza, pois o governo argentino nega ter entrado em moratória, ao contrário do que anunciou a agência de classificação financeira Standard & Poor's (S&P), depois do vencimento do prazo para um pagamento de 539 milhões de dólares relativos a títulos renegociados em 2005 e 2010 e bloqueado em Nova York pelo juiz federal Thomas Griesa.
A S&P considerou que se trata de um "default seletivo", isto é, sobre uma parte da dívida. Griesa congelou o pagamento até que seja cumprida sua sentença a favor dos fundos NML Capital e Aurelius, que ganharam na justiça o direito de receber 1,33 bilhão de dólares pelos títulos podres.
Após o fracasso das negociações, Griesa convocou as partes a uma audiência na sexta-feira às 12h00 (horário de Brasília), afirmou nesta quinta-feira à AFP um porta-voz judicial.
O chefe de gabinete, Jorge Capitanich, reagiu com indignação nesta quinta-feira em seu encontro com a imprensa pela manhã, ao afirmar que "houve uma prática danosa por parte do Poder Judiciário dos Estados Unidos".
"É uma responsabilidade que envolve os três níveis de governo", denunciou.
"E que não venham com a desculpa de que o Poder Judiciário nos Estados Unidos é independente. É independente da razoabilidade, mas não é independente dos fundos abutres", disse.
Ao se referir a Griesa, Capitanich afirmou: "Se há um juiz que é um agente dos fundos especulativos, e cujo mediador (judicial) é um agente deles, de que justiça estão me falando? Aqui há uma responsabilidade do Estado, dos Estados Unidos para gerar as condições de respeito irrestrito à soberania dos países".
O descumprimento do pagamento ocorreu após o fracasso de intensas negociações de última hora, por meio do mediador judicial Dan Pollack, entre uma comitiva argentina liderada pelo ministro da Economia Axel Kicillof e representantes dos fundos.
O governo argentino afirmou que houve "uma clara incompetência" do mediador "para gerar condições de negociação razoáveis".
Capitanich disse que "aquelas agências de classificação de risco que pretendem dizer que a Argentina está em suposta moratória técnica, defendem uma farsa absurda que pretende fulminar o processo de reestruturação".
A Bolsa de Buenos Aires despencou 7,53% na abertura desta quinta-feira.
Os fundos da discórdia
O fundo NML, um dos litigantes vitoriosos na justiça dos EUA, divulgou em Nova York um comunicado em que afirma: "Durante este processo, o mediador propôs muitas soluções criativas, muitas das quais eram aceitáveis para nós".
No entanto, disse a NML, "a Argentina rejeitou considerar seriamente qualquer uma delas, e em vez disso escolheu o default".
Em Nova York, Kicillof adiantou na quarta-feira que país não se considera em moratória: "Esse dinheiro (para o pagamento com os credores da renegociação) está lá. Evidentemente, se fosse um default não estaria lá", disse ele, culpando Griesa por uma situação "inédita" e "sem precedentes".
Kicillof, que retornou a Buenos Aires, ressaltou que a Argentina defenderá as "exitosas" renegociações de sua dívida soberana, aceitas por 92,4% dos credores com remunerações de até 70%.
Proposta dos bancos privados
A quinta-feira também enterrou o otimismo relativo a uma possível solução através da proposta de um grupo de bancos argentinos aos credores privados NML e Aurelius para que o default seja passageiro.
O JP Morgan e outros bancos negociavam na quinta-feira com fundos especulativos para encontrar uma solução alternativa ao caso, segundo informaram à AFP fontes ligadas à negociações. O mecanismo passaria pela compra dos bônus dos fundos especulativos.
Contatado pela AFP, o JP Morgan se recusou a fazer "qualquer comentário a respeito".
A Argentina não pode pagar 100% do valor nominal dos títulos em moratória aos fundos especulativos sem ativar a cláusula "Rufo" dos acordos das renegociações de 2005 e 2010, que determina que os pagamentos dos credores devem ser equiparados.
Consequências de um default
Esta situação inédita de uma moratória resultante de uma decisão judicial, declarada por uma agência de classificação financeira embora a Argentina negue, acontece treze anos depois da catastrófica moratória de 2001, quando o governo suspendeu o pagamento de 100 bilhões de dólares, equivalentes a 166% de seu PIB.
Segundo os analistas, uma das primeiras consequências seria o afastamento por um longo tempo do país do acesso aos mercados internacionais de capitais, dos quais a Argentina se distanciou desde 2001, com tentativas recentes de reaproximação.
"O evento é altamente prejudicial para a Argentina", disse o analista econômico Carlos Caicedo, analista para América Latina da firma de risco financeiro IHS.
Segundo Caicedo, a moratória "vai aprofundar a recessão na Argentina e acelerar a desvalorização da moeda, resultando no aumento da inflação".