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Argentina deixa peso despencar, mas depois intervém para conter perdas

Governo Milei permitiu esta semana que a moeda se desvalorizasse, ao mesmo tempo em que tomou medidas para evitar uma corrida por dólares que reacendesse a inflação

Agência o Globo
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Publicado em 12 de setembro de 2025 às 18h27.

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O governo do presidente Javier Milei permitiu inesperadamente que o peso se enfraquecesse nesta semana, ao mesmo tempo em que tomou medidas para evitar que a busca desenfreada por dólares se transformasse em uma debandada capaz de reacender a inflação na Argentina.

Depois de gastar cerca de US$ 100 milhões por dia na semana passada para segurar a queda da moeda antes da eleição na província de Buenos Aires, o Tesouro reduziu drasticamente as vendas de dólares no mercado à vista, permitindo que o dólar subisse frente ao peso, até que este encostasse no limite superior da banda cambial. O ministro da Economia, Luis Caputo, disse na noite de quinta-feira que o Tesouro havia recuado diante de sinais de normalização do mercado.

Ao mesmo tempo em que o Tesouro fazia esse movimento, no entanto, o Banco Central da Argentina entrou em ação para defender o peso, vendendo contratos de dólar overnight com promessa de recompra para absorver parte dos recursos usados pelos investidores para comprar a divisa americana. Dados do mercado futuro local A3 indicam que o BC também retomou a venda de contratos futuros de dólar para segurar a cotação do peso.

Embora as medidas, até o momento, tenham funcionado — as taxas de juros internas caíram do nível recorde e os títulos em moeda estrangeira se recuperaram após a queda de segunda-feira —, o governo tem cada vez menos espaço de manobra.

O dólar saltou 4% na segunda-feira e se manteve em alta toda esta semana. O Tesouro está ficando sem dólares em caixa, e as operações de contratos futuros do BC começam a se aproximar de seu limite legal.

— O governo está ficando sem instrumentos para atuar no mercado — disse Gabriel Caamaño, sócio da consultoria Outlier.

Os contratos de câmbio futuros do BC agora somam cerca de US$ 6 bilhões, estimou Caamaño, um dos níveis mais altos já registrados e próximos do teto regulatório de US$ 9 bilhões. Enquanto isso, os depósitos em caixa do Tesouro em moeda estrangeira caíram para menos de US$ 1,1 bilhão, o que limita sua capacidade de intervenção.

À medida que as autoridades ajustavam a estratégia, o câmbio voltou a ser pressionado nesta sexta-feira. Segundo o jornal La Nación, o dólar oficial fechou em alta de 1,7%, a 1.446 pesos – o limite atual da banda de negociação é de 1.471,90. Na semana, a moeda americana acumula valorização de 6,1%.

Surpresa

A disposição do governo em deixar o peso se desvalorizar — ainda que moderadamente — surpreendeu o mercado depois que Milei insistiu que não haveria mudança na política após sua derrota nas eleições locais na província de Buenos Aires no fim de semana.

O governo está usando “táticas de distração”, escreveu Pedro Martinez, economista da consultoria PxQ, em relatório a clientes.

“Eles afirmam que não vão mudar a política monetária/cambial, ao mesmo tempo em que fazem modificações substanciais no sistema.”

As autoridades deixaram de intervir depois que a liquidez nos mercados voltou ao normal após os “ataques” que antecederam a eleição em Buenos Aires, afirmou Caputo em uma live na noite de quinta-feira. Investidores haviam reduzido posições no mercado argentinoantes da votação e correram para vender na segunda-feira, depois que o partido de Milei sofreu uma derrota retumbante.

— Esta semana não estivemos no mercado de câmbio de forma alguma — disse Caputo.

Se o dólar está se valorizando porque o mercado percebe maior risco ou quer mais proteção, “isso cabe ao mercado decidir. A liquidez se recuperou, então não precisamos entrar (no mercado)”, acrescentou o ministro.

Caputo não mencionou o uso de contratos de recompra nem as vendas no mercado futuro de dólar. O BC não quis falar, e o Ministério da Economia não respondeu a pedidos de comentário da Bloomberg.

Piso

A postura mais pragmática da Argentina ajudou a conter a queda dos ativos do país. Os títulos soberanos com vencimento em 2035 se recuperaram das perdas provocadas pelo revés eleitoral de segunda-feira, mas voltaram a ter os piores desempenhos entre os mercados emergentes nesta sexta-feira, em meio à instabilidade cambial. Os papéis caíram em toda a curva, com os títulos de 2035 recuando dois centavos por dólar, apagando os ganhos registrados no início da semana.

— Os mercados estão focados em como o regime cambial se comporta e se as autoridades precisarão intervir em outubro — disse Ivan Stambulsky, estrategista do banco Barclays. — Os poucos dias após a eleição foram positivos nesse sentido, mas o câmbio está próximo do teto, e não se pode descartar novas vendas mais fortes de dólares nas próximas semanas.

Falando na mesma live que Caputo na noite de quinta-feira, o presidente do BC, Santiago Bausili, afirmou que “a política cambial não será modificada de forma alguma” e que a Argentina manterá as bandas cambiais.

Medo eleitoral

O maior temor dos investidores é que o partido de Milei perca as eleições legislativas de meio de mandato em outubro, minando suas tentativas de reformar a segunda maior economia da América do Sul. Para evitar isso, o presidente precisa estabilizar o peso, reduzir as taxas de juros e retomar o crescimento.

Mas, com a população perdendo a confiança no peso, essa será uma tarefa difícil.

Investidores, incluindo Paula Gandara, diretora de Investimentos da Adcap Asset Management em Buenos Aires, avaliam que a volatilidade continuará elevada até a eleição de outubro.

Após a derrota de seu partido nas eleições no último fim de semana na província de Buenos Aires, Milei prometeu corrigir erros políticos, alimentando especulações sobre uma possível reforma ministerial. Mas, até agora, o presidente não anunciou mudanças drásticas em sua equipe, e os primeiros sinais de maior proximidade com governadores — que poderiam fortalecer sua posição — ainda não se concretizaram. Novos reveses no Congresso também podem prejudicar os títulos.

O Morgan Stanley abandonou sua recomendação otimista sobre a Argentina após a derrota eleitoral. Já o JPMorgan Chase disse a clientes, nesta semana, para implementarem proteções cambiais, mantendo exposição aos títulos locais argentinos, prevendo “um caminho mais desafiador” pela frente.

Defesa do peso

Os ativos argentinos já vinham sofrendo pressão mesmo antes da eleição em Buenos Aires, com investidores reduzindo sua exposição em meio a denúncias de corrupção envolvendo a irmã de Milei, Karina, e reveses no Congresso, além de diminuírem o risco antes da votação.

Em parte para defender o peso, o BC argentino intensificou o uso de operações overnight com compromisso de recompra, apenas dois meses depois de desmontar os contratos de recompra de sete dias conhecidos como LEFIs. No fim de agosto, o novo título de um dia, listado simplesmente como “Outros” no balanço do BC, começou a aparecer.

O BC vendeu 1,1 trilhão de pesos desses novos contratos na terça-feira, elevando o estoque deles para 4,5 trilhões de pesos. A taxa de juros dessas operações recuou para cerca de 35%, abaixo dos 45% registrados no início da semana, depois que a desvalorização mais gradual do peso aliviou os temores de uma desvalorização súbita, reduzindo a pressão sobre as taxas locais.

— O verdadeiro teste virá com a virada do mês — acrescentou Caamaño. — Esse será o momento em que as tensões poderão voltar a se acirrar, porque o burburinho eleitoral retornará, e as pessoas, que agora estão superdolarizadas, voltarão a ter pesos nos bolsos. Veremos quanta convicção existe por trás desse novo manual pragmático.

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