Bolsonaro e Trump: governo brasileiro, historicamente um cauteloso aliado dos EUA, se apressou em ficar ao lado do presidente dos EUA (Chris Kleponis-Pool/Getty Images)
Ligia Tuon
Publicado em 3 de dezembro de 2019 às 16h43.
Última atualização em 3 de dezembro de 2019 às 16h48.
O presidente Jair Bolsonaro está descobrindo do pior jeito a dificuldade de lidar com seu parceiro Donald Trump.
Ao longo de todo o seu primeiro ano de mandato, Bolsonaro cortejou assiduamente o presidente dos Estados Unidos, replicando suas políticas linha dura contra a Venezuela, Cuba e o Hezbollah. O brasileiro também quebrou o protocolo diplomático ao prever uma vitória de Trump em 2020 durante uma visita à Casa Branca.
No entanto, sua aposta em Trump começa a mostrar problemas em meio a sinais cada vez mais claros de que a aliança não está trazendo benefícios reais ao Brasil.
O anúncio de Trump, na segunda-feira, de que planeja retomar barreiras tarifárias contra o aço e o alumínio do Brasil e da Argentina ocorre depois de a Casa Branca priorizar apoio às candidaturas da Romênia e da Argentina para ingressar na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), apesar de declarações públicas de respaldo ao Brasil.
A incapacidade de Bolsonaro de obter, pelo menos até agora, alguma contundente vitória por seu alinhamento a Trump levanta questões sobre a aposta numa guinada da política externa do Brasil. Também enfraquece o presidente internamente, dando munição a rivais que alertaram sobre os riscos de aliança com um líder estrangeiro visto como não confiável.
“Nas relações internacionais não tem amigo e sim interesses”, disse o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, que tem criticado a política externa de Bolsonaro. “Trump defendendo os americanos, precisamos defender os brasileiros”, afirmou Maia em entrevista à Bloomberg News.
Na segunda-feira, Trump acusou a Argentina e o Brasil de desvalorizar artificialmente suas moedas, causando perdas aos agricultores dos EUA.
Os dois países sul-americanos aproveitaram a guerra comercial para ganhar mercado dos agricultores norte-americanos nas exportações de soja e de outros produtos agrícolas para a China.
As ameaças de tarifas destacam a falta de resultados claros que justifiquem a lua de mel entre Bolsonaro e Trump. Um acordo comercial muito alardeado com os EUA ainda não avançou, apesar de Bolsonaro elogiar publicamente Trump a todo momento.
Os EUA foram o principal destino das exportações brasileiras de aço na maior parte da última década. As exportações em volume para os EUA aumentaram 17% no ano passado em relação a 2017.
O governo brasileiro, historicamente um cauteloso aliado dos EUA, se apressou em ficar ao lado de Trump desde que Bolsonaro assumiu a presidência em janeiro, criticando ideologias de esquerda e instituições internacionais. Foi uma mudança abrupta em relação ao multilateralismo do Brasil, que historicamente buscou ampliar sua influência por meio de alianças regionais e organizações como as Nações Unidas.
Diplomatas brasileiros, que falaram sob condição de anonimato, minimizaram os tuítes de Trump, argumentando que o alcance e o tamanho das tarifas são desconhecidos e que sua implementação não é certa. Eles também afirmaram que as alegações de Trump são incorretas, já que o Brasil tem um regime cambial flutuante e se esforça para evitar a desvalorização do real.
Uma autoridade dos EUA enfatizou que o governo ainda apoia a candidatura do Brasil à OCDE e que os laços com o país se estreitaram sob o comando de Trump e Bolsonaro. A autoridade, que pediu para não ser identificada, disse que os EUA ainda estão muito interessados em avançar rumo a um acordo de livre comércio.
Representantes da Casa Branca não responderam a um pedido de comentário sobre se as decisões tarifárias do presidente dos EUA prejudicam a relação entre Trump e Bolsonaro.
Enquanto isso, a China, o maior parceiro comercial do Brasil, trabalha de forma discreta e eficiente para aprofundar os laços bilaterais.
Diante da pressão de generais, lobistas do agronegócio e de outros membros do governo, Bolsonaro, que iniciou seu mandato acusando a China de práticas comerciais predatórias, sem alarde mudou de posição, antes mesmo da ameaça tarifária de Trump. Durante visita a Pequim em outubro, Bolsonaro disse que os dois países “nasceram para caminhar juntos”. Depois, recebeu o presidente Xi Jinping em uma cúpula dos BRICS em Brasília, onde defendeu relações comerciais mais profundas.
A possibilidade de Trump perder a reeleição em 2020 é outro motivo para o governo Bolsonaro ter mais cuidado com essa parceria, disse Roberto Simon, diretor sênior de políticas públicas da Americas Society/Council of the Americas.
“Realmente não consigo pensar em nenhuma maneira pela qual essa parceria com Trump tenha beneficiado o Brasil”, disse. “Isso está levando ao enfraquecimento gradual da credibilidade do Brasil internacionalmente. Se Trump perder, o Brasil poderá se tornar um pária internacional.”
(Com a colaboração de Mario Parker).