Economia

Análise: pela primeira vez, núcleos de inflação do Brasil estão nos níveis de EUA e da Zona do Euro

O apontamento foi feito pelo economista-chefe do Instituto de Finanças Internacionais (IFF, na sigla em inglês), Robin Brooks

Banco Central: autoridade monetária reduz os juros no Brasil em meio a um processo de desinflação (Rafa Neddermeyer/Agência Brasil)

Banco Central: autoridade monetária reduz os juros no Brasil em meio a um processo de desinflação (Rafa Neddermeyer/Agência Brasil)

Antonio Temóteo
Antonio Temóteo

Repórter especial de Macroeconomia

Publicado em 11 de novembro de 2023 às 06h09.

A economia global, desde a pandemia do coronavírus, está fora dos padrões históricos. Países que tradicionalmente mantinham a inflação controlada e cresciam de maneira sustentável - como Estados Unidos e a Zona do Euro - agora convivem com preços pressionados, juros altos e assombrados pelo risco de recessão global.

Acostumado com o bicho papão que decorre da alta de preços, o Banco Central do Brasil subiu a Selic antes dos pares e está, neste momento, em processo de redução da taxa e de desinflação.

Curiosamente, esses movimentos globais levaram os núcleos de inflação do Brasil, segundo o economista-chefe do Instituto de Finanças Internacionais (IFF, na sigla me inglês), Robin Brooks, para os níveis do G10, da zona do Euro e dos Estados Unidos.

“O Banco Central do Brasil merece todo o crédito por isso. Ele caminhou bem antes dos outros. O Bacen é um dos ativos mais fortes do Brasil”, escreveu Brooks, em uma rede social.

Mudança estrutural?

O leitor que chegou até aqui já deve ter esbravejado que a inflação no Brasil é historicamente alta, que esse resultado é um desvio na curva diante de um choque profundo na economia global ou que essa matéria poderia ser uma piada.

O fato é que os dados são reais.

Dito isso, a dúvida parece estar se essa mudança é estrutural na inflação global ou um vento passageiro.

Na prática, ninguém sabe o que ocorrerá nos próximos meses. A cantada recessão nos Estados Unidos, que derrubaria os preços, não se materializou. No Brasil, no fim de 2022, o debate era se viveríamos uma estagflação profunda neste ano. Nada disso se materializou, mas os temores continuam altos.

Economistas e analistas têm procurado semanalmente dados para sustentar novas teses que brotam no mercado. Os erros têm sido constantes. Fato é: nunca antes na história desse país os núcleos de inflação do Brasil estiveram no mesmo patamar dos registados na Zona do Euro e dos Estados Unidos.

Mas o processo de desinflação no Brasil corre riscos. Historicamente, governos petistas defenderam a tese de que um pouco mais de inflação não é ruim para a economia. As sinalizações de aumento de gastos e abandono da meta fiscal preocupam o mercado, com razão. Roberto Campos Neto encerra o mandato no fim de 2024,o que abre brecha para especulações sobre um sucessor e seu comprometimento com o combate ao aumento de preços.

Inflação de Lula 3 pode ser a menor da história

Como mostrou a EXAME em julho, o governo Lula 3 pode conquistar a menor inflação acumulada em quatro anos desde o início do Plano Real, em 1994, se as projeções do Boletim Focus do Banco Central (BC) se confirmarem.

Com o processo de desinflação em curso, a robustez da atividade econômica e o avanço do arcabouço fiscal e da reforma tributária no Congresso, o mercado espera que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) termine 2023 em 4,63%, dentro do teto da meta definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), 4,75%.

Para 2024, a estimativa é de 3,91%. Para 2025 e 2026, a expectativa é de 3,5%.

Em fevereiro, por exemplo, o mercado esperava que o IPCA fecharia este ano em 5,90% e em 4,02% em 2024. Para 2025, a estimativa era de 3,80% e de 3,75% em 2026.

Recado do BC depois do Copom

As perspectivas parecem positivas para a economia brasileira, mas os riscos existem e têm sido sinalizados pelo BC.

Como mostrou a EXAME, o Comitê de Política Monetária (Copom) mandou um recado claro para o governo sobre o aumento da incerteza fiscal com o debate sobre a mudança da meta de zerar o déficit público. Os membros do colegiado afirmaram que o objetivo a ser perseguido pelo Ministério da Fazenda é importante para ancoragem das expectativas de inflação e para a queda de juros.

"O Comitê vinha avaliando que a incerteza fiscal se detinha sobre a execução das metas que haviam sido apresentadas, mas nota que, no período mais recente, cresceu a incerteza em torno da própria meta estabelecida para o resultado fiscal, o que levou a um aumento do prêmio de risco. Tendo em conta a importância da execução das metas fiscais já estabelecidas para a ancoragem das expectativas de inflação e, consequentemente, para a condução da política monetária, o Comitê reafirma a importância da firme persecução dessas metas", informou o BC, na ata.

Apesar do alerta, um experiente economista ouvido pela reportagem, que acompanha com lupa a comunicação da autoridade monetária, afirmou que, mesmo com os apontamentos, o Copom não sinalizou mudança de rota e reafirmou que reduzirá os juros em 0,5 ponto percentual nas próximas reuniões.

“Me parece que a diretoria do BC deu um voto de confiança ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e que serão reativos. A reação sinalizada seria uma paralisação do processo de queda de juros se as expectativas de inflação desancorarem e o ambiente externo piorar ainda mais”, diz a fonte.

Nas reuniões privadas que teve na quinta-feira, 9, e nesta sexta-feira, 10, com investidores estrangeiros nos Estados Unidos, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, mostrou preocupação com juros altos na maior economia do mundo e sinalizou que não enxerga como se dará o processo de desinflação no país.

Enquanto isso, no Brasil, os núcleos de inflação continuam comportados e os juros caindo. Para o país que já conviveu com a hiperinflação, é algo a se comemorar.

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