Economia

Análise: Passada a aprovação do arcabouço, desafio é garantir receitas para cumprir metas fiscais

Queda da arrecadação federal, demora para a aprovação de medidas para aumentar receitas e imbróglio político trazem dificuldades para o processo

Vista da Esplanada dos Ministérios, em Brasília (Ueslei Marcelino/Reuters)

Vista da Esplanada dos Ministérios, em Brasília (Ueslei Marcelino/Reuters)

Antonio Temóteo
Antonio Temóteo

Repórter especial de Macroeconomia

Publicado em 23 de agosto de 2023 às 12h04.

Última atualização em 23 de agosto de 2023 às 13h07.

A aprovação do arcabouço fiscal traz tranquilidade aos mercados nesta quarta-feira, 23, após uma sequência expressiva de quedas do Ibovespa. O dólar também opera em queda, abaixo dos R$ 4,90. Mas se engana quem pensa que o alívio será perene e que o desafio fiscal está resolvido. Passada a discussão da âncora que pretende estabilizar o crescimento da dívida pública, o governo precisa encontrar receitas para entregar as metas de primário prometidas. Para 2023, o objetivo é um déficit público de R$ 100 bilhões e, para 2024, zerar o rombo nas contas públicas.

O problema é que a arrecadação já perdeu fôlego, o governo não sinaliza disposição de cortar gastos públicos e ainda não há prazo para que a reavaliação de políticas públicas produza efeitos práticos, com a extinção ou a fusão de programas sociais para potencializar os efeitos das medidas.

Como mostrou a EXAME, a arrecadação de impostos e contribuições federais registrou queda real de 4,2% em julho e totalizou R$ 201,829 bilhões, segundo dados divulgados pela Receita Federal. Trata-se da terceira queda mensal em 2023 e a segunda consecutiva. Em março, o recuo foi de 0,42% em termos reais, e em junho, de 3,4%. De janeiro a julho deste ano, a arrecadação de tributos federais totalizou R$ 1,344 trilhão. Com valores corrigidos pela inflação, somou R$ 1,355 trilhão, com retração real 0,39%.

Em análise matinal distribuída aos clientes, o Bradesco alerta que, além de a arrecadação federal desacelerar, as medidas de recomposição de receitas demoram a se concretizar.

“O ponto de atenção fica com medidas de ganhos de receita, anunciadas pelo Ministério da Fazenda, que demoram para aparecer nos dados da arrecadação. A tributação das exportações de petróleo tem compensado o efeito ainda presente das desonerações do PIS/Cofins sobre combustíveis, mas, por outro lado, o programa de redução de litigiosidade tem gerado ganhos abaixo do estimado inicialmente pelo governo e a exclusão do ICMS da base de créditos do PIS/Cofins ainda não deu sinais de aumento da arrecadação do tributo. Nossa expectativa é de um déficit primário de 1% em 2023, dependente da concretização de algumas das medidas anunciadas”, estima o banco.

O que está em jogo no arcabouço?

Do ponto de vista macroeconômico, a finalização do novo arcabouço fiscal foi só o primeiro passo na dura missão de entregar um déficit primário zerado em 2024, como estipulou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Nas contas do BTG Pactual (do mesmo grupo controlador da EXAME), além das medidas já aprovadas, como a reoneração de combustíveis, nova regra de preço de transferência e a exclusão do ICMS dos créditos do Pis/Cofins, o governo ainda precisará de outros R$ 130 bilhões (1,2% do PIB) para alcançar a banda inferior da meta para o resultado primário.

O banco estima que o potencial de arrecadação com as novas medidas em estudo — como a tributação de apostas online, fundos offshore e fundos exclusivos, e o projeto do Carf — seja de R$ 25 bilhões (veja a tabela abaixo). "Aquém dos R$130 bilhões necessários para alcançar a banda inferior da meta de primário para o próximo ano", diz o relatório.

Desafio fiscal significativo

O economista-chefe do Banco BMG, Flávio Serrano, estima um déficit de R$ 110 bilhões do governo central em 2023 e de R$ 80 bilhões em 2024. Segundo ele, o arcabouço aprovado pelo Congresso não garante a estabilização da dívida pública no curto prazo. Além disso, as despesas do governo crescem em um ambiente com queda da arrecadação e um menor nível de receitas extraordinárias.

“Para frente, os modelos fiscais demandam crescimento. A gente precisa avançar em uma agenda reformista e de aumento de produtividade. A economia brasileira cresce pouco, os gastos públicos cresceram muito nos últimos 15 anos e está mais difícil gerar resultados primários”, afirma.

Segundo Serrano, a estabilização da dívida pública deve chegar apenas em 2029 ou 2030. Entretanto, isso só ocorrerá se o Brasil voltar a crescer.  “Sem crescimento qualquer conta fiscal fica em xeque. Boa parte das receitas depende de crescimento.”

Front político incerto

O sucesso do novo arcabouço fiscal depende prioritariamente do Congresso Nacional. Deputados e senadores votarão as medidas necessárias para que o governo aumente as receitas para cumprir as metas primárias. Entretanto, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já mandou recados ao Planalto de que o compromisso inicial firmado foi cumprido com a aprovação da âncora que pretende estabilizar o crescimento da dívida pública.

A avaliação de auxiliares próximos a Lira é a de que o governo montou uma equipe ministerial que entrega apenas 150 votos. Por outro lado, os partidos do Centrão, que garantiram 379 votos na primeira votação do arcabouço, não estão contemplados na Esplanada.

"O presidente Lula não fez a reforma ministerial até o momento porque quer a garantia de votos. O União Brasil, por exemplo, tinha três pastas e não entregava votos. A negociação é intensa e o presidente Lula sabe que precisa do Centrão para que seu governo tenha êxito", afirma um técnico do Ministério da Fazenda.

Acompanhe tudo sobre:Novo arcabouço fiscal

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