Guedes explica pacote de reformas econômicas entregue ao Senado nesta terça. 5 de novembro de 2019. REUTERS/Adriano Machado (Adriano Machado/Reuters)
João Pedro Caleiro
Publicado em 5 de novembro de 2019 às 20h08.
Última atualização em 13 de novembro de 2019 às 15h40.
São Paulo - Ousado, ambicioso e promissor: estes foram alguns dos adjetivos utilizados por economistas para classificar o pacote Mais Brasil, apresentado nesta terça-feira (05) por Paulo Guedes, ministro da Economia.
São inicialmente três propostas de emenda à Constituição, que tem como princípio "3 Ds": desobrigar, desindexar e desvincular o Orçamento, hoje comprometido em 94% com despesas obrigatórias.
De forma geral, há uma revisão do pacto federativo e dos instrumentos disponíveis para gestão fiscal. Mais de um economista comparou as medidas com uma nova versão da Lei de Responsabilidade Fiscal, sancionada em 2000, e com um novo passo de um ajuste fiscal estrutural após o teto de gastos e a reforma da Previdência.
"O diagnóstico está correto. Resta saber se haverá ambiente político para a aprovação e implantação", escreve Gil Castello Branco, da Contas Abertas, economista e fundador da ONG Contas Abertas.
Um exemplo é a PEC dos Fundos, em tese a mais simples do pacote. Ela extinguiria 281 fundos públicos com R$ 220 bilhões em recursos parados, o que economistas chamam de "empoçamento", que seriam então destinados para abater dívida pública.
Em 1988, o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias definiu que os fundos da ditadura que não fossem aprovados pelo Congresso seriam extintos. Resultado: o Congresso ressuscitou os fundos que tinham sido extintos. Agora, é provável que também haja resistência de setores para manter alguns recursos carimbados.
Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, avaliou nesta manhã que o pacote tem "alguns temas difíceis que certamente não vão prosperar".
Ele criticou a possibilidade de incluir despesa com inativos como gasto em saúde e educação, como fazem alguns estados, e como estava previsto na PEC do Pacto Federativo. A proposta caiu rapidamente.
Na coletiva, o secretário de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, se desdobrou para explicar a mudança, alegando que havia mais de uma versão do texto.
"Agenda vai no sentido correto e tem percepção da realidade do que pode ser feito. É um pena que a reforma tributária tenha perdido o espaço que estava tendo", diz Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados. "São muitas medidas ao mesmo tempo, e pode ser que reformas importantes fiquem pelo caminho", completa.
O governo promete que uma segunda parte da agenda, incluindo a reforma tributária, a reforma administrativa e um projeto de lei para acelerar privatizações, seja apresentada em breve.
Há pontos que devem gerar conflito na PEC de Emergência Fiscal. No caso da União, emergência seria quando o Congresso autorizar o descumprimento da regra de ouro, que barra a emissão de dívida para financiar despesas correntes.
Para os estados, será emergencial quando a despesa corrente ultrapassar 95% da receita corrente. De acordo com o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, 12 dos 27 estados já se enquadrariam neste critério.
"Isso é Guedes seguindo a sua estratégia. Sustentar o crescimento econômico de longo prazo passa necessariamente pela melhora fiscal de estados e municípios, que tÊm rombos gigantescos", diz Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating.
Nestes casos de emergência fiscal, seriam disparados gatilhos automáticos como proibição de reajustes, de concursos e de criação de gastos obrigatórios e benefícios tributários.
Também será permitida a redução de 25% da jornada de trabalho, com redução equivalente do salário do servidor. O funcionário poderia ter outras atividades remuneradas, dependendo da carreira e de regulamentação.
"A questão da jornada é relevante, mas não fundamental. O impacto acaba sendo um pouco menor porque, para estados, boa parte do contingente de servidores está vinculada a policial, que não vai poder", diz Ana Carla Abrão, sócia da Oliver Wylman e ex-secretária de Fazenda de Goiás.
"Mesmo assim, a interrupção de promoções, progressões e congelamento de salários certamente ajuda muito, porque é a maior despesa dos estados", diz Ana Carla.
Outro ponto que deve causar polêmica é a mudança na vinculação obrigatória de saúde e educação; há pressão social por estas travas, e não é por acaso que a rigidez orçamentária chegou onde chegou.
Hoje, estados e municípios precisam gastar no mínimo 25% da receita em educação. No caso da saúde, o percentual é de 12% da receita para estados e 15% para municípios. A PEC prevê que os dois limites sejam combinados para um piso único.
Algumas das medidas previstas pelo pacote só valeriam em 2026, quando a União ficaria proibida de socorrer entes em dificuldades e os benefícios tributários não poderão mais ultrapassar 2% do PIB. O risco apontado é que esses prazos elásticos levem a prorrogações infinitas - como tem sido o caso da Zona Franca de Manaus.
A estimativa é que 1.254 dos 5.570 municípios se enquadrem nessa categoria, e a Confederação Nacional dos Municípios já demonstrou sua oposição.
Por serem emendas constitucionais, os textos precisam ser aprovadas por dois terços de deputados e dos senadores em votações em dois turnos.
"Como essas medidas exigem maioria qualificada, é comum haver dificuldade de vencer alguns lobbies e segmentos", diz Gesner Oliveira, economista-chefe da GO Associados.
"Mas estamos vivendo um momento um pouco melhor para a economia, o que ajuda, e há uma parcela do Congresso que quer tocar essa agenda, com um número razoável de deputados comprometidos com a modernização", diz ele.
O processo promete ser longo, mas a janela de oportunidade está ficando mais curta. Só a coletiva de imprensa de explicação das medidas durou mais de cinco horas. A Previdência, que foi apresentada em fevereiro, passou em meados de outubro - e falta pouco menos de um ano para a eleição municipal de 2020.