Economia

Análise: coerência entre discurso e ação será teste para sucesso de Galípolo no BC

A proximidade do indicado para a presidência do BC com os políticos deve garantir uma sabatina tranquila no Senado, avaliam técnicos do governo

Galípolo (Washington Costa/Ascom/MF/Flickr)

Galípolo (Washington Costa/Ascom/MF/Flickr)

Antonio Temóteo
Antonio Temóteo

Repórter especial de Macroeconomia

Publicado em 28 de agosto de 2024 às 17h35.

Última atualização em 18 de setembro de 2024 às 16h51.

Tudo sobreGabriel Galípolo
Saiba mais

A transição informal iniciada desde a última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), com o diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, assumindo paulatinamente as rédeas da comunicação do Banco Central (BC), agora passa a ser uma agenda de estado. A nova realidade passa a valer após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva indicar Galípolo, nesta quarta-feira, 28, para suceder Roberto Campos Neto na presidência da autarquia a partir de janeiro de 2025.

Na prática, Campos Neto passa a ter uma "sombra" nos próximos quatro meses que coincidem com o fim do mandato na presidência do BC. Os holofotes divididos entre os dois nas últimas semanas migrarão, 100%, para o atual diretor de Política Monetária.

Caberá a ele, a partir de agora, buscar a ancoragem das expectativas de inflação, diante das incertezas fiscais que rondam o país. E, como mostrou a EXAME, as declarações de Galípolo nas últimas semanas já levaram o mercado e os economistas a precificar uma alta de juros na próxima reunião do Copom, marcada para 17 e 18 de setembro. Se isso não ocorrer, uma alta do dólar, dos juros futuros e uma queda da bolsa já são esperados.

Galípolo conta com a simpatia de Lula e sempre se preocupou em manter boas relações políticas no PT e em outros partidos. Um exemplo disso é que, além de Fernando Haddad, ele também compareceu a festa de aniversário do José Dirceu, o que causou estranheza entre alguns presentes na ocasião. Essa proximidade com os políticos deve garantir uma sabatina tranquila no Senado, avaliam técnicos do governo. A expectativa é agendar a sabatina até 17 de setembro.

Nas reuniões privadas que têm feito com analistas, banqueiros e empresários, Galípolo tem sinalizado  que não pretende adotar uma postura de alinhamento político e econômico ao governo. E que fará o que for necessário para controlar a inflação, mesmo que isso signifique subir os juros.

Indicação acertada desde o ano passado

O compromisso de Lula em indicar Galípolo para presidir a autoridade monetária já estava previamente acertado entre Lula e Haddad, desde o ano passado, quando ele chegou ao BC para compor a diretoria, disseram à EXAME três pessoas que acompanham o tema.

Apesar disso, Haddad, Lula e próprio Galípolo se comprometeram a não "vazar" a informação. Tamanha era a blingadem sobre essa escolha de Lula que os ministros da Casa Civil, Rui Costa, e da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, não tinham conhecimento do acordo entre os dois há até está semana.

Esse compromisso foi firmado entre os três após Haddad se irritar profundamente com o vazamento de alguns nomes que foram sondados para a vaga que foi ocupada por Galípolo. O ministro da Fazenda atribuiu os vazamentos ao ministro da Casa Civil.

Aprendizado nos últimos 13 meses

A passagem de Galípolo pela diretoria de Política Monetária, afirmaram auxiliares de Lula e Hadadd, foi importante para que ele se familiarizasse com todas as rotinas e estrutura da autoridade monetária. No posto atual, cabe a ele executar e administrar os instrumentos das políticas monetárias e cambial.

Cabe a ele, por exemplo, apresentar aos diretores do BC propostas para aumentar ou diminuir o nível de depósitos compulsórios. Ele também é o responsável pela gestão das reservas internacionais, pela definição das políticas relacionadas a arranjos de pagamentos e câmaras de compensão.

"Galípolo presidiu um banco médio no passado, mas não era um nome conhecido por todo o mercado. Esse período na diretoria foi muito importante para que ele se calejar e aprender, na prática, as particularidades ser um membro do Copom", disse.

Da decisão dividida a sinalização de alta de juros

A passagem de Galípolo pela diretoria de Política Monetária pode ser resumida em três episódios. O primeiro se deu quando ele e os demais diretores do BC já indicados pelo PT divergiram e perderam dos demais na votação que decidiu reduzir o ritmo de cortes de juros. Naquele momento, o governo mudou as metas fiscais e o mercado passou a questionar a credibilidade da política econômica.

Tanto Galípolo quanto o diretor de Assuntos Internacionais, Paulo Picchetti, foram a público tentar justificar os votos, mas os discursos não agradaram o mercado, que passou a temer por uma política monetária mais alinhada ao pensamento econômico do PT. Nesse caso, o medo era de leniência no combate a inflação.

Nas votações seguintes do Copom, Galípolo e o grupo indicado pelo PT se alinhou aos demais diretores e as decisões para frear o corte de juros foram unânimes. Com isso, o ruído diminuiu, mas as dúvidas quanto ao compromisso dele e dos demais indicados por Lula com o controle da inflação permanecerão.  Por fim, após a última decisão do Copom, Galípolo foi escalado, em comum acordo com Campos Neto, para sinalizar que a alta de juros está na mesa. Essa mensagem já é precificada pelo mercado, que espera elevação da Selic em setembro.

A coerência entre o discurso e a ação será fundamental para garantir a credibilidade do BC perante o mercado, que desconfia de possíveis intervenções do governo do PT na política monetária. Galípolo passa, a partir de agora, a ser observado e avaliado com lupa por todos. A decisão de setembro do Copom sobre os juros será o primeiro ato. 

Acompanhe tudo sobre:Banco CentralSelicJurosInflaçãoGabriel Galípolo

Mais de Economia

Empresas podem regularizar divergências em PIS e Cofins até novembro

Governo vai aplicar imposto de 15% sobre lucro de multinacionais

BC gasta até R$ 50 milhões ao ano para manter sistema do Pix, diz Campos Neto

Governo edita MP que alonga prazo de dedução de bancos e deve gerar R$ 16 bi de arrecadação em 2025