(EXAME/Exame)
Agência O Globo
Publicado em 18 de outubro de 2021 às 08h01.
Última atualização em 18 de outubro de 2021 às 08h03.
Enquanto o governo federal faz as contas e tenta emplacar a aprovação de projetos ainda em 2021 para viabilizar novas ações robustas para o ano eleitoral, como a reformulação do Bolsa Família, os estados vão chegar a 2022 com uma situação fiscal melhor. Entre 2019 e 2021, as receitas dos entes cresceram 26%, segundo cálculos da economista Vilma Pinto, diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado Federal.
O volume saltou de R$ 921,7 bilhões para R$ 1,16 trilhão, principalmente devido ao aumento da arrecadação do ICMS e dos repasses para o Fundo de Participação dos Estados (FPE).
Apesar de as receitas estarem turbinadas por fatores conjunturais, vários governadores já planejam como gastar esses recursos. Além de direcionar verbas para saúde e educação, a preferência é pelo desenvolvimento de planos de investimentos e obras que não demandem recurso continuado e que fujam das restrições legais para um ano eleitoral.
Estado do Rio, São Paulo, Pernambuco, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul já preveem, em seus orçamentos, obras em2022.
O aumento de 26% nas receitas em dois anos, para R$ 1,16 trilhão, alimenta os planos eleitorais de governadores, sejam os que miram a reeleição ou fazer seu sucessor, sejam os que almejam voos mais altos. A ideia é optar por projetos que fujam das restrições da legislação eleitoral.
Reajustes para servidores, por exemplo, não podem ser concedidos nos seis meses que antecedem a votação. Os candidatos também não podem mais participar de inaugurações de obras a três meses da eleição.
O governador do Rio, Cláudio Castro (PL), aposta em um plano de obras de R$ 17 bilhões para os próximos três anos, com o objetivo de se fazer conhecido pela população fluminense.
Único estado que já participa do Regime de Recuperação Fiscal (RRF), o Rio contou com outro fator conjuntural para melhorar sua situação fiscal. A privatização da Cedae rendeu cerca de R$ 14,5 bilhões ao estado.
O secretário de Fazenda do estado, Nelson Rocha, atribuiu o aumento das receitas ainda à recuperação econômica e ao avanço da vacinação. O estado negocia o plano do novo RRF:
— O desenvolvimento é importante, mas a responsabilidade com a coisa pública tem sido uma constante, especialmente por causa do novo RRF, que dá ao estado fôlego para investir em infraestrutura e atrair empresas. Isso vai aumentar a arrecadação e ajudar na criação de um superávit para o pagamento da dívida.
Em São Paulo, o governador João Doria (PSDB), que está de olho na corrida presidencial, anunciou investimento de R$ 50 bilhões para 2021 e 2022, com um pacote de 8 mil obras em todo o estado e expectativa de geração de 200 mil empregos.
Chamado de Pró-SP, o programa já tem ações como retomada da construção de nova linha do metrô e melhorias em 10 mil quilômetros de rodovias. O governo estadual estima crescimento do PIB local entre 7% e 7,8% em 2021.
Outro presidenciável tucano, Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, vem tentando sanear a crise fiscal e ampliar investimentos. Já anunciou um pacote de R$ 1,2 bilhão para ações em educação e R$ 1,3 bilhão em obras rodoviárias. Para 2022, ainda há redução das alíquotas de ICMS na proposta de Orçamento.
Com o desafio de emplacar seu sucessor, o governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), já tem um plano de investimento de R$ 5 bilhões para o período entre julho de 2021 e dezembro de 2022. O secretário de Fazenda de Pernambuco, Décio Padilha, diz que R$ 3,6 bilhões são de recursos próprios e o restante, de crédito com instituições bancárias:
— O grosso é para investimento em infraestrutura, mobilidade, estradas, obras hídricas, como adutoras e barragens, e saneamento. Esses investimentos trazem transformação econômica e social grande, mas não representam gasto permanente para a máquina pública.
Mirando a reeleição estadual, Romeu Zema (Novo) enfrenta um quadro mais delicado em Minas Gerais. O estado quer aderir ao RRF, mas ainda não cumpriu todas as exigências do Ministério da Economia.
Na sexta-feira, o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, deu seis meses de prazo para as liminares que suspendem o pagamento da dívida de Minas Gerais com a União. Apesar do aperto, o Orçamento mineiro para 2022 prevê R$ 2 bilhões para projetos variados, como a ampliação do metrô e obras rodoviárias.
No Paraná, onde o governador Ratinho Júnior (PSD) busca a reeleição, o estado deve conceder reajuste aos servidores no ano que vem. Mas o secretário de Fazenda do estado, Renê de Oliveira Garcia Júnior, admite haver riscos:
— A situação fiscal de 2020 e 2021 dos estados foi até muito confortável, mas para 2022 tem vários ataques especulativos. Um é o projeto do ICMS para combustível, que é muito ruim. Outro é o do Imposto de Renda.
A diretora da IFI e colunista do GLOBO Vilma Dias destaca que o patamar do caixa dos estados está elevado mesmo quando em comparação aos dados de 2019, antes da pandemia:
— Este é um cenário em que as receitas, tanto próprias quanto de transferências, estão crescendo bastante. Esse crescimento tem fatores, como inflação, o preço das
commodities, aumento da arrecadação pela elevação dos preços e mudança nos termos de troca (pelo valor do dólar).
Basicamente, dois fatores pesam mais para esse desempenho: a boa arrecadação de ICMS, o principal tributo estadual, e o volume dos repasses do FPE feitos pela União.
No caso do ICMS, a arrecadação avançou 25% nesse período, passando de R$ 492,9 bilhões em 2019 para R$ 613,8 bilhões neste ano. Já com o FPE, a variação foi de 22%: passou de R$ 94 bilhões em 2019 para R$ 114,6 bilhões em 2021.
Bernardo Monteiro, pesquisador do Ibre/FGV, explica que, até agosto deste ano, a arrecadação com ICMS alcançou R$ 416 bilhões, um salto de 18% em termos reais em relação ao mesmo período do ano passado. Isso se explica, em parte, pela alta da inflação, diz:
— À medida que os preços aumentam, a arrecadação aumenta. Outro fator que tem contribuído para o aumento dos preços e, consequentemente, da arrecadação é o atual ciclo de
commodities, que tem beneficiado importantes itens da base de arrecadação do ICMS.
Mas é o desempenho dos repasses para o FPE que tem sido bem acima do esperado. De acordo com Monteiro, essa alta foi puxada pela arrecadação do Imposto de Renda — nas contas da IFI, houve crescimento de 26% na arrecadação do IR retido na fonte entre 2019 e 2021.
O professor do Insper André Luiz Marques, no entanto, lembra que o aumento no caixa dos estados se deve a fatores conjunturais e, portanto, temporários:
— Alguns aproveitaram o momento para colocar ordem nas finanças, mas não foi o que se viu na maior parte do país.
A reforma do IR colocou estados e União em polos opostos no Congresso. Os estados se opõem, com o argumento de que a redução proposta das alíquotas do imposto para as empresas terá impacto direto nos repasses ao FPE.
O governo federal conta com a aprovação da reforma do IR para indicar a fonte de custeio que vai bancar o Auxílio Brasil, nome do novo Bolsa Família, que deve ser o trunfo da campanha eleitoral de Jair Bolsonaro em 2022.
Da Câmara saiu ainda outro projeto que desagradou aos governadores: a mudança no cálculo do ICMS que incide sobre combustíveis.
Os dois textos passaram na Câmara. Juntas, essas propostas podem derrubar a arrecadação dos estados em R$ 43,3 bilhões, segundo estimativas das secretarias de Fazenda e auditores fiscais estaduais. Os estados tentarão agora convencer os senadores para reverter parte dessas mudanças. O texto do IR está sendo analisado na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Já o do ICMS ainda não tem relator.