Paulo Guedes: "Uma nova CPMF, de 0,2%, passaria despercebida e seria paga até por um traficante de droga, traficante de arma”, disse o ministro nessa semana. (Andre Coelho/Bloomberg)
Ligia Tuon
Publicado em 30 de agosto de 2019 às 06h00.
Última atualização em 30 de agosto de 2019 às 06h50.
São Paulo - O ministro da Economia, Paulo Guedes, vem dizendo que o Congresso terá de decidir se prefere um imposto "horroroso, mas justo", ou manter 40 milhões de brasileiros sem carteira assinada.
"Uma nova CPMF, de 0,2%, passaria despercebida e seria paga até por um traficante de droga, traficante de arma”, disse o ministro nessa semana.
O plano do governo, que deve chegar ao Congresso nas próximas semanas, é usar o novo imposto para substituir a contribuição previdenciária feita pelos empregadores na folha dos funcionários.
A expectativa é que a desoneração da folha incentive a criação de empregos, uma vez que, na teoria, as contratações formais ficariam mais baratas.
A alíquota defendida pelo governo de 0,22% para a "nova CPMF", no entanto, não é suficiente para repor nem metade do que é recolhido das empresas para pagar aposentadorias.
Segundo cálculos feitos para EXAME pelo economista Kleber Pacheco de Castro, consultor em finanças públicas e sócio da Finance, na melhor das hipóteses, a União conseguiria arrecadar apenas 44% do que recolhe hoje com a contribuição previdenciária patronal.
Para fazer os cálculos, o economista levou em consideração as alíquotas de contribuição dos empregados, que variam de 8% a 11%. É por isso que a margem para desoneração também varia, indo de 40% e 44% na simulação.
"Minha intuição diz que deve estar mais próxima de 40% do que de 44%, pois a participação de trabalhadores de menor renda é mais relevante no mercado formal", acrescenta Castro.
Isso significa que se o governo quiser criar a nova CPMF e desonerar totalmente a folha, mas sem perder receita, terá que propor uma alíquota maior ou aumentar algum outro tributo.
Além de não ser suficiente do ponto de vista da arrecadação, outro estudo do qual o Castro fez parte também calcula que o tributo sobre transações financeiras oneraria alguns setores mais que outros.
Indústria, em especial de transformação e extrativa, e agronegócio seriam os mais prejudicados. Outros setores que teriam de pagar mais impostos são atividades imobiliárias e serviços de eletricidade e gás, água, esgoto, atividades de gestão de resíduos.
Isso acontece porque a relação entre contribuições patronais e movimentações financeiras varia muito de um setor para outro, de acordo com o estudo.
Há também setores que teriam uma queda na carga tributária com a mudança. É o caso de construção, comércio, transporte, armazenagem e correio, informação e comunicação, atividades financeiras, de seguros, serviços relacionados e outros.
Também assinam o estudo, intitulado "Reforma tributária: quando o velho se traveste de novo", os economistas José Roberto Afonso, Bernardo Motta Monteiro, e Thiago Felipe Ramos Abreu.
O trabalho também nota que um tributo sobre transações financeiras poderia gerar incentivos perversos na economia.
Entre eles estão o incentivo à engenharia contábil, a mudança nas preferências dos indivíduos na demanda por moeda e o desincentivo à intermediação financeira.
“Os agentes econômicos passam a evitar quando podem o uso do sistema financeiro para evitar pagar o imposto", escreve o economista Felipe Restrepo, que analisou impostos dessa natureza em trabalho publicado neste ano no Journal Of International Money and Finance, em e-mail para EXAME.
"E quando indivíduos e firmas fazem isso, as receitas caem, e os governos começam a sentir a necessidade de aumentar a alíquota para compensar o declínio na base”, completa.
A redução do potencial de arrecadação no médio e longo prazo também é citada pelo estudo de Castro e Afonso.
Eles também falam em problemas de regressividade, cumulatividade e distorção de preços relativos, além do ônus ao investimento, exportações e crédito e incidência sobre transações que não geram valor.
"De que adianta tentar resolver o problema do emprego e, ao mesmo tempo, colocar no lugar outro problema, que é um tributo distorcido, extremamente regressivo, e que tende a piorar o ambiente econômico de uma forma geral?", questiona Castro.
A proposta de reforma tributária do governo tem mais dois pilares além da nova CPMF. Um deles é um IVA (Imposto sobre Valor Agregado), que substituiria os federais PIS, Cofins e IOF. O outro são mudanças no imposto de renda de pessoas físicas e jurídicas.
Segundo o secretário especial da Receita, Marcos Cintra, autor da proposta, um mecanismo de “gangorra” permitiria ajustes na proporção na qual IVA e o novo imposto sobre pagamentos bancariam a desoneração da folha.
E, apesar de o governo já ter falado em uma alíquota de 0,22% para o imposto sobre transações financeiras, a proposta a ser encaminhada ao Congresso não deve trazer essa definição e mesmo assim já enfrenta resistência do mundo político.