Colheitas de soja: ao longo dos próximos anos, novos terminais devem entrar em funcionamento, elevando a movimentação de cargas e tornando Miritituba cada vez mais relevante para o escoamento de grãos (Paulo Fridman/Bloomberg)
Da Redação
Publicado em 4 de fevereiro de 2014 às 13h57.
Lucas do Rio Verde - Parado às margens da BR-163, no coração da principal região produtora da soja de Mato Grosso, em Lucas do Rio Verde, o agricultor Ailan Dal Molin observa o fluxo cada vez mais intenso de caminhões com soja e milho que seguem para o sul, rumo aos portos.
Mas ele está impaciente para ver os caminhões inverterem o sentido da viagem e seguirem para os portos da bacia do Rio Amazonas, encurtando a viagem e reduzindo os custos de logística.
"O agricultor é um eterno sonhador. A gente sabe há muitos anos que o caminho é para o norte. A gente sempre tem muita esperança, mas o governo deixa a gente muito na mão", disse Dal Molin, revelando o misto de esperança e ceticismo que impera entre os agricultores quando o assunto é a melhoria da infraestrutura de transporte na região.
A rota pelo norte está começando a virar realidade este ano, mas não deverá trazer benefícios imediatos, como a redução efetiva dos custos do frete, dizem especialistas e agricultores.
Após décadas de promessas, a BR-163 entre o Mato Grosso e Santarém, no Pará, está em fase final de pavimentação.
Apesar de ainda restarem muitos trechos sem asfalto, o avanço já é suficiente para viabilizar o frete até Miritituba, uma localidade às margens do Rio Tapajós, onde pelo menos uma dezena de empresas, incluindo grandes multinacionais, estão comprando terrenos e construindo terminais de transbordo.
Se de Lucas do Rio Verde a Santos (SP) os caminhões percorrem cerca de 2 mil quilômetros, até Miritituba o percurso cai pela metade, para pouco mais de mil quilômetros.
De lá, balsas carregadas de grãos seguirão até terminais marítimos em cidades como Barcarena, na região metropolitana de Belém (PA), de onde os navios graneleiros partirão rumo aos compradores internacionais.
No futuro, quando o sistema todo estiver funcionando à plena carga, os custos do frete das lavouras de Mato Grosso até o navio cairia 34 por cento, segundo estimativas do Movimento Pró-Logística.
"Primeiro as empresas vão 'tirar' seu investimento, num primeiro momento não vai haver concorrência", ponderou o presidente do Sindicato Rural de Lucas do Rio Verde, Carlos Simon.
Novos terminais
A primeira a utilizar esta rota será a gigante Bunge, terceira maior empresa exportadora do país. Ela deve começar a operar comercialmente o terminal de Miritituba entre o final de fevereiro e o início de março, segundo o coordenador do Movimento Pró-Logística, Edeon Vaz, que acompanha o assunto.
Procurada pela Reuters, a empresa não quis se manifestar sobre a questão.
"Em termos de volume, estamos acreditando que a Bunge vai movimentar 2 milhões de toneladas este ano. Mas isso ainda não tem reflexo no valor do frete. Ainda tem problemas de estrada, o frete continua muito alto", disse Vaz.
Para se ter uma ideia, apenas Mato Grosso vai produzir 46 milhões de toneladas de soja e milho nesta temporada.
Ao longo dos próximos anos, novos terminais devem entrar em funcionamento, elevando a movimentação de cargas e tornando Miritituba cada vez mais relevante para o escoamento de grãos do Centro-Oeste.
O volume embarcado pode chegar a 20 milhões de toneladas até 2020, segundo a Associação dos Terminais Privados do Rio Tapajós.
Frete rodoviário
A dependência do modal rodoviário tem causado dificuldades e prejuízos para as empresas nos últimos anos. No primeiro semestre de 2013, uma nova restrição à duração da jornada de trabalho dos caminhoneiros fez o preço dos fretes disparar, com impacto bilionário para as tradings.
Este ano a dificuldade de transportar a safra de caminhão não deve ser diferente.
A colheita de soja do Brasil deverá crescer cerca de 8 milhões de toneladas, atingindo mais de 90 milhões. Todo esse volume a mais estará concentrado nos meses de janeiro e fevereiro, segundo avaliação da consultoria Agroconsult, deslocando o pico de colheita e de pressão sobre o sistema logístico brasileiro.
"Esta semana já começa a dificuldade para encontrar caminhão", disse o gerente da unidade de grãos de uma grande trading em Nova Mutum (MT), que falou sob condição de anonimato.
Na mesma cidade, o agricultor Emerson Zancanaro mostra um mapa de Mato Grosso pendurado na parede, sobre o qual o pai dele desenhou com caneta uma rota de ferrovia que chegaria à cidade. Isso foi há 15 anos.
O acesso ao sul pela ferrovia já ficou no passado e a esperança dos Zancanaro agora é pela duplicação da BR-163, onde o movimento de caminhões já está intenso nesta época.
"Tudo que reduzir de custo, para nós, vai ser interessante", diz o agricultor, que estima receber 40 por cento menos pela soja que vende, em função da logística deficitária na região.
"Em 10 ou 12 anos, isso aqui vai ser igual ao 'corn belt' americano", disse ele, otimista, comparando Mato Grosso ao cinturão agrícola do Meio-Oeste dos Estados Unidos, onde o frete é considerado barato devido ao acesso a ferrovias e hidrovias.
A BR-163 foi concedida pelo governo federal ao grupo Odebrecht em um leilão organizado em novembro do ano passado.