Economia

Acordo de gás entre EUA e Europa pode encarecer energia no Brasil. Entenda

País importa GNL americano para termelétricas. Preço do insumo dobrou neste ano e deve se manter alto até 2028

Energia elétrica: nesta sexta-feira, os EUA se comprometeram a fornecer ao menos 15 milhões de metros cúbicos de gás até o fim do ano para a União Europeia como forma de reduzir a dependência energética dos países europeus com a Rússia (brunorbs/Getty Images)

Energia elétrica: nesta sexta-feira, os EUA se comprometeram a fornecer ao menos 15 milhões de metros cúbicos de gás até o fim do ano para a União Europeia como forma de reduzir a dependência energética dos países europeus com a Rússia (brunorbs/Getty Images)

AO

Agência O Globo

Publicado em 25 de março de 2022 às 18h36.

Última atualização em 25 de março de 2022 às 18h54.

O acordo dos Estados Unidos com a União Europeia vai manter os preços do GNL (gás liquefeito, em estado líquido) em alta pelos próximos anos e pode impactar o preço da energia elétrica no Brasil, de acordo com consultorias. Isso porque o Brasil importa GNL dos EUA e usa esse gás como combustível para as usinas termelétricas.

A projeção de especialistas do setor é que o valor do GNL se mantenha no atual patamar, na faixa dos US$ 20 por milhão de BTU até pelo menos 2028. É o dobro da média do primeiro semestre de 2021. Em janeiro deste ano, o preço chegou a US$ 30 por milhão de BTU — e no começo da guerra da Ucrânia marcou US$ 65 por milhão de BTU.

Nesta sexta-feira, os EUA se comprometeram a fornecer ao menos 15 milhões de metros cúbicos de gás até o fim de ano para a União Europeia como forma de reduzir a dependência energética dos países europeus com a Rússia, país responsável por fornecer 40% do gás consumido pelo bloco. O acordo prevê volumes crescentes até 2030.

Segundo Mauro Chavez, diretor de gás e GNL na Europa da consultoria Wood Mackenzie, apesar do acordo, os preços do gás vão continuar elevados nos próximos anos com as incertezas do conflito envolvendo Ucrânia e Rússia. Para ele, a alta ocorre em um momento de alta das importações de GNL no Brasil, que no ano passado passou pela maior crise hídrica do Brasil nos últimos 91 anos.

"Os preços vão continuar altos e isso é ruim para o Brasil, pois se tivermos uma nova seca vamos precisar continuar comprando mais GNL para abastecer as térmicas e esse cenário de alta vai se refletir no valor da energia elétrica paga pelos brasileiros", disse Chavez.

Segundo a Petrobras, o GNL responde por cerca de 27% da oferta de gás no Brasil. É um patamar semelhante ao importado pela Bolívia. O restante vem da produção nacional. Em 2021, 93% do GNL importado pelo Brasil veio dos EUA, segundo a consultoria Gas Energy.

Chavez não acredita, porém, em falta de gás no mercado internacional. Para ele, o principal reflexo será o preço maior. Chavez destacou que Estados Unidos, Catar e Austrália, os três maiores exportadores de GNL no mundo, vêm ampliando e acelerando os investimentos em terminais para exportar gás liquefeito.

Rivaldo Moreira, presidente da consultoria Gas Energy, disse que os Estados Unidos têm capacidade para atender a esse acordo com a Europa devido a investimentos que vêm sendo feitos no setor. Por isso, ele não acredita em falta de gás para o Brasil. Hoje, segundo ele, o problema não é a oferta do gás e sim a desorganização da cadeia de suprimento com os embargos à Rússia.

"O Brasil, e basicamente a Petrobras, importa cargas de GNL quando precisa. E vamos ver muitos países que são mais dependentes de gás no mundo buscando se contratar para o médio e longo prazos e isso vai de certa forma reduzir a oferta de GNL no mercado spot [livre]. Ou seja, haverá mais disputa para contar com o máximo de GNL nos próximos anos. E, se tivermos uma nova crise hídrica, o Brasil terá mais dificuldade", disse Moreira.

Moreira afirmou ainda que a crise atual mostra que haverá mais incentivo para investir em gás nos EUA e, em consequência, no mundo todo, como em outros países como Catar, Egito e Austrália.

"Quem tem reservas vai explorar. O capital que tinha receio para financiar esse avanço agora vai ter um cenário perfeito para investir, pois todos os países querem garantir segurança energética.

Segundo a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), o volume de importação de GNL subiu 42% nos dois primeiros meses deste ano em relação ao mesmo período do ano passado.

Brasil deixa de ser prioridade

O especialista Bruno Armbrust, sócio da ARM Consultoria, disse que o Brasil e os países da América Latina tendem a deixar de ser prioridade na rota de venda do GNL dos EUA. Segundo ele, os países da Europa têm grande capacidade de regaseificar esse gás líquido.

"A Europa vai aproveitar para aumentar seu nível de armazenamento de gás e se proteger de problemas eventuais. Com isso, vamos ver um aumento do preço do mercado spot nos próximos dia porque a oferta não vai subir tão rápido.

Segundo ele, o Brasil precisa se preocupar com esse cenário de alta no GNL pois em abril o país entra no chamado período seco e o nível dos reservatórios pode cair novamente.

"Hoje, estamos em uma boa situação por que houve chuvas. Mas em abril vamos usar a água do reservatório? Precisamos de um planejamento como está sendo feito agora pela Europa", afirmou Armbrust.

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