Frangos: as exportações brasileiras aos países da Liga Árabe somaram US$ 13,6 bilhões, sendo US$ 2,6 bilhões só em produtos avícolas (Rodolfo Buhrer/Reuters)
EFE
Publicado em 8 de novembro de 2018 às 22h35.
São Paulo - A proposta feita pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro, de transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém tem preocupado representantes do agronegócio, sobretudo pelas relações comerciais com nações muçulmanas e que têm o frango como principal produto.
No dia 1º de novembro, em uma entrevista ao jornal "Israel Hayom" e em uma postagem no Twitter, o futuro mandatário ratificou a promessa de campanha de trocar a embaixada de cidade. Logo após o posicionamento, o Egito cancelou a visita que receberia do chanceler Aloysio Nunes - o que o Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty) minimiza, afirmando se tratar de uma questão de agenda.
O mal-estar foi sentido inclusive por membros da equipe de transição do futuro governo. Na última quarta-feira, a deputada federal Tereza Cristina (DEM-MS), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e futura ministra da Agricultura no governo Bolsonaro, disse que pretende conversar com o presidente eleito para entender como atuar neste caso.
"Tenho recebido chamadas de pessoas preocupadas, de exportadores, de industriais, sobre todo o setor de carnes, que é um dos que mais fazem comércio com o mercado árabe", disse ela a jornalistas, antes de uma reunião com Bolsonaro em Brasília.
As exportações de frango de janeiro a outubro deste ano totalizaram 3,425 milhões de toneladas e US$ 5,4 bilhões, segundo números divulgados na última quarta-feira (7) pela Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).
Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos estão entre os principais compradores, já que o Brasil é um grande produtor de frango halal, certificação referente à produção para culturas islâmicas que inclui exigências como o abate sem sofrimento, feito de acordo com normas da Sharia, um conjunto de leis da fé muçulmana.
De acordo com a Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, em 2017, as exportações brasileiras aos países da Liga Árabe somaram US$ 13,6 bilhões, sendo US$ 2,6 bilhões só em produtos avícolas.
"Existe preocupação, porque a relação é de muita confiança, conquistada há muitas décadas. Com isso, conseguimos que esse comércio atingisse sete vezes mais resultados nos últimos 20 anos", explicou Rubens Hannun, presidente da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, em entrevista à Agência Efe.
Segundo ele, as associações estão trabalhando para que a mudança da embaixada seja revista e não atrapalhe o crescimento de um mercado já consolidado, o qual ele estima que "chegue a 20 bilhões de toneladas exportadas nos próximos quatro anos".
Hannun reafirmou que a Câmara está atuando para melhorar a infra-estrutura desse comércio e estreitar relações com os países árabes, que somam cerca de 450 milhões de pessoas.
Para Ali Zoghbi, vice-presidente da Federação das Associações Muçulmanas do Brasil (Fambras), responsável pela certificação de produtos halal, "existem riscos bastante importantes" no cenário atual.
"Há players (de produtos halal) dispostos a assumir o que conquistamos com muito custo", afirmou Zoghbi à Efe.
"Durante décadas de trabalho, muitos governos de diversas matizes ideológicas construíram esse mercado. A movimentação política não pode arriscar tanto", acrescentou, esperançoso por uma revisão do posicionamento.
Para ele, um governo não pode pôr em risco um setor que, segundo suas estimativas, é responsável por cerca de 150 mil empregos diretamente ou indiretamente.
Já para Francisco Turra, presidente da ABPA, não é um bom momento para se medir um possível impacto que a transferência da embaixada pode causar, porque o futuro governo não está formado, embora se mostre atento à apreensão.
"Não imagino que a gente menospreze o mundo islâmico. Cabe confiar no presidente eleito e que ele venha a considerar esse estrago", avaliou.
Turra destacou que o Brasil é o melhor produtor do sistema halal e que isso deve ser levado em conta pelo novo governo, além de comentar que o cancelamento da visita de Aloysio Nunes por parte do Egito é "um sinal amarelo" para "se rever posições".
"A conversa - do governo eleito - está aberta ao setor agropecuário. São muitos contatos e estamos passando essas mensagens de alerta e sugestão", disse Turra.
Jair Bolsonaro foi publicamente apoiado pela FPA - também chamada de "bancada ruralista" - e por produtores e empresários rurais, entre eles Ricardo Castellar de Faria, dono da Granja Faria e que doou R$ 15,9 mil para a campanha do militar da reserva à presidência, sendo o maior doador individual do financiamento coletivo da candidatura, que arrecadou pouco mais de R$ 3,7 milhões.
Procurados pela Agência Efe, o Itamaraty e a embaixada de Israel no Brasil não quiseram se pronunciar sobre o assunto.