Economia

A visão contra e a favor da reforma trabalhista em 5 polêmicas

EXAME.com conversou com dois professores que têm visões opostas do projeto. Veja o que eles dizem sobre 5 pontos polêmicos

O projeto da "nova CLT" tem apoiadores e detratores (Ilustração de Paulo Garcia sobre foto de Raul Junior/Site Exame)

O projeto da "nova CLT" tem apoiadores e detratores (Ilustração de Paulo Garcia sobre foto de Raul Junior/Site Exame)

João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 15 de julho de 2017 às 08h00.

Última atualização em 15 de julho de 2017 às 08h00.

São Paulo - A reforma trabalhista sancionada na semana passada é considerada um marco tanto por seus apoiadores quanto por seus detratores.

EXAME.com conversou com dois professores especialistas em Economia do Trabalho que têm visões bem diferentes do projeto da nova Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Para Andre Portela Souza, professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EESP/FGV), a reforma amplia ao invés de tirar direitos.

Para Marcelo Paixão, economista e sociólogo licenciado da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) atualmente na Universidade de Austin, ela representa a uberização do trabalho.

Veja o que disseram os professores sobre 5 pontos polêmicos do debate:

Negociado sobre o legislado

O que diz a lei:

Acordos coletivos entre sindicatos e empresas podem prevalecer sobre a lei em alguns pontos (como jornada, banco de horas e intervalos) mas não em outros (como férias e 13º salário).

O que diz Andre:

"A barganha coletiva está aí para ser estabelecida e não vejo como problema. (...) Obriga empresas e trabalhadores a se adaptarem a um novo mundo de negociação direta e a lei estabelece os parâmetros.

Não tira direitos, é uma expansão deles. Em muitas situações se diz que é direito do trabalhador, mas ele não tem a propriedade inclusive para negociá-lo, o que agora passa a acontecer. Mas tira sindicatos patronais e dos trabalhadores da zona de conforto. Vão ter que mostrar serviço, e isso é bom."

O que diz Marcelo:

"Essa proposta supõe que as categorias profissionais tenham todas o mesmo poder de barganha, e não tem. Determinados sindicatos ligados às maiores empresas vão ter maior capacidade de fazer valer seus interesses, mas há uma heterogeneidade muito grande mesmo no mercado de trabalho formal, e isso potencialmente aumenta o leque de assimetrias em um mercado já reconhecidamente assimétrico.

(...) Ela só leva em consideração uma determinada realidade e vai vulnerabilizar as categorias com menor poder de pressão, por isso que não acho inteligente."

Imposto sindical

O que diz a lei:

O imposto sindical deixou de ser obrigatório e agora só pode ser cobrado com autorização do funcionário

O que diz Andre:

"O imposto era obrigatório, recolhido pelo Estado e repassado aos sindicatos, que tem que ter sua base por ocupação e território, eram únicos e autorizados a funcionar pelo Ministério do Trabalho. Tudo passava pela tutela do Estado e não pela relação entre representante e representado. É o que queremos?

É preciso separar as questões de tutela e obrigatoriedade. Meu argumento é que sim, deve ser obrigatório para evitar o problema da carona em um grupo de trabalhadores que decide ser representado. Se a maioria decide, acho que todos devem contribuir.

Nosso modelo atual juntou tutela com obrigatoriedade. Sou a favor de tirar a tutela mas assegurar ao sindicato sua existência, inclusive financeira. Isso requer um redesenho – uma reforma sindical, no fundo.

O que a gente não quer é o imposto como é hoje, que cria sindicatos de fachada e grupos com comportamentos oportunistas para abocanhar essa receita."

O que diz Marcelo:

"O imposto sindical sempre foi uma forma de tributação dos trabalhadores que dava aos sindicatos uma dimensão quase para-estatal, algo dúbio. Sempre fui crítico a isso, pois contribuiu para manter sindicatos ilegítimos e fantasmas. (...)

Se é derrubado de uma hora para a outra e as instituições existentes não tem tempo para se preparar, vai reduzir o poder de barganha dos sindicatos diante dos interesses do patronato. No longo prazo, acredito que os sindicatos vão realmente ter uma preocupação maior em garantir sua legitimidade diante das suas categorias.

Isso vai significar superação da atual fragmentação que vem ocorrendo desde o inicio dos anos 2000, mas sou cético em relação a capacidades das categorias estruturarem sindicatos com algum grau de barganha.

Metalúrgicos, bancários, petroleiros, petroquímicos são categorias com tradição de organização maior, enquanto outras como comerciários e trabalhadores da construção civil vem demonstrando uma histórica dificuldade."

Novos modelos de contrato

O que diz a lei:

Foram criados modelos específicos de "teletrabalho" (o home office) e trabalho intermitente, além de autônomos, sem que isso configure relação de emprego

O que diz Andre:

"Nós tínhamos uma legislação (CLT) e uma rede de proteção ao trabalhador feita para um tipo de relação de trabalho fordista, de grupos sob o mesmo teto em uma jornada única, que já não era maioria no mundo e está desaparecendo.

Há uma série de outros tipos de relações que existem onde a nossa CLT não se encaixa, e nunca se encaixou totalmente. Tivemos 40% a 50% de informalidade nossa história toda. Era uma proteção ao empregado formal, mas não a todos os trabalhadores. Isso já era um problema, que ficou maior.

Com as mudanças tecnológicas, velhas ocupações morrem e novas ocupações surgem. E às vezes a legislação faz sobreviver ocupações que não tem mais sentido de existir. Claro que nessa transição, aquele trabalhador da velha ocupação pode sair prejudicado.

Precisamos ter mecanismos de proteção social para readaptá-lo ao novo mundo do trabalho com treinamento, qualificação, etc. A terceirização é uma resposta nossa a esse novo mundo que o protege."

O que diz Marcelo:

"Essa ampliação da zona do contrato temporário que cria a figura do trabalhador autônomo com vínculos empregatícios, junto com a lei da terceirização, sinaliza a uberização, o modelo uber do trabalho no mundo.

Trabalha uma quantidade de horas e ganha pela hora. Se tiver doença ou outra coisa, problema seu. A formalização não é vara de condão, pode ocorrer com um padrão de proteção muito baixo.

(...) A figura do trabalhador autônomo com vínculos empregatícios tem o efeito trágico de tirar o direito e levar da justiça do trabalho para o direito contratual e civil. Passa a estabelecer subordinação onde os trabalhadores não podem barganhar nem no coletivo, pois são apenas prestadores de serviço.

Uma grande empresa é uma grande empresa, você conta nos dedos a quantidade em cada setor. Mas os trabalhadores são uma legião. A empresa barganha com cada um e impõe seus termos e direitos e uma relação de prestação de serviços não tem 13º salário, férias, etc."

 

Justiça do trabalho

O que diz a lei:

O teto de isenção para recebimento de Justiça gratuita sobe de R$ 1.874 para R$ 2.212, mas são criadas punições proporcionais se for julgado que houve "má fé" de quem entrar com a ação.

Fica estabelecido que serão devidos honorários pagos aos advogados pela parte que perde à parte que ganha, entre 5% e 15% sobre o valor que for apurado no processo.

O que diz Andre: 

"Valer o negociado sobre o legislado tira muita incerteza das empresas, que sempre tem medo do trabalhador recorrer à Justiça. O custo da legislação trabalhista vai diminuir e isso tem um impacto grande sobre o Custo Brasil.

A reforma tem uma série de medidas que parecem até feitas por um excelente microeconomista, porque a estrutura de incentivos ao uso da Justiça trabalhista está bem alinhado para incentivar aquele que de fato merece usá-la, porque sente que sua relação de trabalho o está prejudicando e quer repor esse dano, e não para extração de renda ou comportamentos oportunísticos."

O que diz Marcelo:

"Se a Justiça está sobrecarregada, não é retirando direito que vamos resolver. Diria que é preciso ter mais juiz, reequipar o Judiciário e fazer com que os donos das grandes empresas respeitem as leis.

Muitas vezes o trabalhador vai de má fé, tem muitos que vão pedir o que não merecem. Mas com esse nível de informalidade e assimetrias, a maior parte é porque os trabalhadores se sentiram lesados. Reduzir direitos em nome de maior racionalidade é um contrassenso."

 

Efeito sobre o emprego

O que diz o governo:

“Quem deitar os olhos sobre a reforma trabalhista vai verificar que estamos fazendo uma coisa para combater o desemprego", disse o presidente Michel Temer ao sancionar a medida. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou o mesmo no Twitter.

O que diz Andre:

"É muito difícil dizer. Ela é um convite para novas relações de trabalho e um acordo direto entre as partes baseado em confiança mútua e duradoura, mas veremos se isso de fato será incorporado.

Eu vejo com bons olhos também por trazer para a proteção novas relações de trabalho que estavam desprotegidas, como a terceirização e o teletrabalho. Dizem que vai desproteger, mas está protegendo outros também."

O que diz Marcelo:

"Se a legislação trabalhista fosse um empecilho para a criação de empregos, a economia brasileira não teria vivido os vários ciclos dos últimos 70 anos. Não acho que exista uma correlação entre reduzir direitos trabalhistas e aumento de emprego.

Poderíamos notar que o Brasil tem que competir com a Ásia, que produz mais barato. Longe de mim achar que o mundo é o mesmo de 40 anos atrás. Temos temos novas tecnologias, mas há várias formas de enfrentar. Pode crescer reduzindo direitos e produzindo muito barato, mas é incoerente com um mundo cada vez mais depende do conhecimento."

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