Economia

A queda livre da economia sul-africana

Tradicional maior economia da África, o país foi corroído por uma sucessão de escândalos de corrupção e incompetência

ZUMA E RAMAPHOSA: sai o primeiro, entra o segundo, mas o poder continua nas mãos da ANC, que governo o país desde o fim do apartheid  (Siphiwe Sibeko/Reuters)

ZUMA E RAMAPHOSA: sai o primeiro, entra o segundo, mas o poder continua nas mãos da ANC, que governo o país desde o fim do apartheid (Siphiwe Sibeko/Reuters)

CA

Camila Almeida

Publicado em 16 de fevereiro de 2018 às 17h39.

Assim com o Brasil, uma sucessão de escândalos de corrupção e uma crônica incompetência administrativa deixaram a economia da África do Sul de joelhos e levaram à troca de presidente no país. Tal qual no Brasil, quem assume oficialmente nesta sexta-feira é o vice: Cyril Ramaphosa.

Líder histórico do Congresso Nacional Africano (ANC, na sigla em inglês), Ramaphosa abandonou a política para se dedicar à vida empresarial e, nas últimas décadas, construiu uma fortuna de 1,5 bilhão de reais. Agora, além de pacificar o partido, que pediu a deposição do ex-presidente Jacob Zuma, seu maior desafio vai ser reconstruir o país.

O governo de Zuma foi desastroso economicamente. Quando ele assumiu, em 2009, o PIB nacional era de 296 bilhões de dólares. Em 2017, o PIB deve ter ficado perto dos 200 bilhões de dólares, segundo as previsões, e, em 2018, deve ficar abaixo dos 150 bilhões de dólares, numa perda de valor em ribanceira que se arrasta desde 2011, último ano em que o país apresentou crescimento econômico.

A África do Sul, que costumava ser a maior economia do continente, foi ultrapassada pela Nigéria em 2012, que já tem um PIB anual superior a 400 bilhões de dólares, e pelo Egito, em 2015, que já superou os 330 bilhões de dólares anuais.

A promessa de que a África do Sul figuraria como uma potência emergente junto a Brasil, Rússia, Índia e China, compondo o chamado BRICS, obviamente não virou nesse contexto de recessão crônica. E não vai melhorar assim tão rápido. O PIB per capita deve ser menor em 2020 do que era no ano passado — saindo de 7.500 dólares por habitante para 7.100 dólares.

Um ranking de competitividade divulgado nesta quinta-feira pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), comparou o Brasil com uma série de países emergentes, dentre eles a África do Sul. Dentre os 18 países analisados, a África do Sul está em 12º em termos de competitividade, mas ainda à frente de países como Brasil, Argentina e México. Nos quesitos educação, ambiente de negócios, competição e escala no mercado doméstico e ambiente macroeconômico, o país figura entre os que têm pior colocação.

O desemprego também avançou nos últimos anos. Em 2009, a taxa, já alta, girava em torno de 23% e, em 2017, já havia subido para quase 28%. A desigualdade também voltou a subir, mesmo com o país tendo alcançado índices exemplares de redução da pobreza nas últimas duas décadas. Uma pesquisa realizada pelo governo e publicada em janeiro de 2017 mostrou que os negros, que são 80% da população do país, tiveram ganhos em suas rendas familiares equivalentes a apenas um quinto dos ganhos que tiveram as famílias brancas sul-africanas, em 2015.

Assim como o Brasil, a África do Sul entrou em parafuso depois de receber uma Copa do Mundo – no caso, em 2010. Era para mostrar uma face de progresso e capacidade de realização em meio ao estigma do subdesenvolvimento a que ainda estão presos os países africanos. Mas só serviu para escancarar a corrupção e a falta de planejamento.

Enquanto os estádios envelhecem abandonados, a Cidade do Cabo, a segunda maior cidade do país e a sede do parlamento sul-africano, está ficando sem água. No dia 4 de junho, data prevista para o fechamento total das torneiras do país, a cidade será a primeira metrópole do mundo a ficar sem sistema de abastecimento hídrico. As famílias já estão sob racionamento de consumo, limitado a 50 litros diários por pessoa, e a esperança do governo é de que, na temporada de chuvas, a seca que já se estende por três anos seja minimizada.

Um líder impopular

A popularidade de Zuma degringolou ao longo dos anos, junto com a economia nacional. Em agosto de 2017, um levantamento realizado pelo instituto de pesquisa Kantar Public revelou que apenas 18% da população sul-africana acreditava que o presidente estava fazendo um bom trabalho. Em junho de 2009, a aprovação era de 57%.

Contra o político existem 783 acusações de corrupção e por fraude numa negociação de armamentos antes mesmo de ele se tornar presidente, mas que foram arquivadas pelo Ministério Público em 2009. Em setembro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal do país afirmou que uma decisão de anular as acusações foi irracional. Ainda não há uma decisão final sobre o assunto, mas os casos possivelmente poderão ser reabertos.

Durante seu governo, não faltaram escândalos. O mais alarmante é o de ter desviado verbas de fundos estatais para fazer uma reforma em sua casa, no valor de 24 milhões de dólares. Ele foi condenado a devolver para os cofres públicos 510.000 dólares, e pediu desculpas à população pelo “deslize”, alegando que não houve má fé na utilização dos recursos. A oposição sul-africana já tentou tirar Jacob Zuma do cargo uma série de vezes, sem sucesso.

Apesar de toda a impopularidade que o governo adquiriu ao longo dos anos, o vice-presidente do país parece ter escapado da pecha de corrupto. A pesquisa da Kantar Public também procurou saber quem seria o candidato que os eleitores de fato apoiariam num pleito eleitoral. Ramaphosa seria apoiado por 36% do eleitorado, melhor resultado dentre todos os candidatos pesquisados. O índice é ainda melhor quando considerada apenas a população negra, que oferece 47% de apoio ao atual presidente do país.

O ANC governa o país há 24 anos, desde o fim do apartheid, em 1994. Sua principal bandeira, desde o seu surgimento enquanto movimento na década de 1940, foi o de defesa dos direitos da população negra sul-africana, que viveu em regime de segregação por mais de 40 anos. A principal figura política do partido foi Nelson Mandela, primeiro presidente negro a comandar o país. Agora, ou o partido se reinventa e apaga as manchas de corrupção que apagaram seu brilho ou precisará deixar o comando da nação que ajudou a construir.

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