Economia

A vingança do mundo analógico

The Revenge of Analog: Real Things and Why They Matter Autor: David Sax. Editora: PublicAffairs. 304 páginas ———————- Joel Pinheiro da Fonseca Há poucos anos, a vitória do digital sobre praticamente todas as áreas da vida humana parecia líquida e certa. A música, que já tinha se digitalizado faz tempo com os CDs, agora estava […]

VINIL: para Sax, mercado do vinil é o maior exemplo de uma tendência da volta do analógico / Andreas Rentz/Getty Images

VINIL: para Sax, mercado do vinil é o maior exemplo de uma tendência da volta do analógico / Andreas Rentz/Getty Images

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Da Redação

Publicado em 9 de dezembro de 2016 às 18h37.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h00.

The Revenge of Analog: Real Things and Why They Matter
Autor: David Sax.
Editora: PublicAffairs.
304 páginas

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Joel Pinheiro da Fonseca

Há poucos anos, a vitória do digital sobre praticamente todas as áreas da vida humana parecia líquida e certa. A música, que já tinha se digitalizado faz tempo com os CDs, agora estava liberta do meio material, existindo apenas como dados em computadores. Na leitura, os leitores digitais, como o Kindle, da Amazon, pareciam fadados a substituir o livro físico, o antiquado formato do “códice” – páginas retangulares fechadas por uma capa. Parecia ser o fim do formato que dominava o setor desde o século IV, quando substituiu o rolo como formato mais prático. Nos jogos, nem precisamos falar. O videogame levava pessoas de todas as idades a experiências inéditas. Lojas físicas fechavam uma a uma, incapazes de competir com a praticidade da compra online. E o velho formato de aula presencial parecia ultrapassado perto das possibilidades da educação à distância.

As aparências enganaram. Conforme mostra o jornalista David Sax em A Revanche do Analógico, um relato vibrante sobre o mercado atual, o analógico está reconquistando o espaço perdido. As telas eletrônicas não têm a palavra final. O exemplo que abre o livro e que mais toca o coração do autor é o ressurgimento de um mercado que parecia moribundo desde os anos 90: o de discos de vinil. Por muito tempo, esteve quase desaparecido. As poucas lojas de discos eram o reduto de pessoas mais velhas e aficcionados por equipamentos de som. De alguns anos para cá, tudo mudou. As vendas de LPs dispararam e estamos vendo a reabertura de lojas especializadas. A diferença é que os clientes de agora não são gerações passadas saudosas dos tempos da mocidade. São jovens que nasceram já com CD players e acompanharam (na verdade, causaram) o colapso dessa mídia.

A posse de um objeto que contém as músicas amadas, a experiência de tirar o disco da capa (em si uma obra de arte) e colocá-lo na vitrola, o som cheio, rico, que sai das caixas de sons, com pequenos estalos e chiados de uma imperfeição que, em última análise, é a imperfeição da vida… São muitos os elementos da experiência analógica do vinil que a tornam, para um número crescente de pessoas, preferível ao meio digital online. Ninguém sonha em apagar a conta do Spotify, que é prático, pode ser usado em todas as partes e é barato, mas o que é realmente especial merece um tratamento à parte. Merece a existência física do que é analógico.

O mercado do vinil é só um exemplo extremo de uma tendência geral: a volta do analógico, do toque em algo que não uma tela eletrônica, da relação humana cara a cara, da experiência pausada e restrita a certos ambientes. Alguns desses mercados são impressionantes, como o de jogos de tabuleiro. Para quem se lembrava dos jogos tradicionais da própria infância (Banco Imobiliário, War, etc.) a variedade e complexidade dos jogos existentes hoje em dia é de cair o queixo. Pode-se dizer, sem medo, que vivemos o momento de maior expansão e maior criatividade dos jogos de tabuleiro da história. E esse momento se dá simultaneamente à expansão do mercado de videogames, que produzem experiências cada vez mais intensas, deixando de ser um objeto de nicho para se tornar um objeto presente nas casas de grande partes dos jovens e também dos adultos.

Outro mercado que vale a pena citar é o de livros. Dava-se como certa a morte do livro físico, mas, de uns anos para cá, ficou muito claro que as vendas de e-books atingiram o um plateau do qual – até agora – não conseguiram sair. O livro de papel domina o mercado e não deve perder seu lugar tão cedo. Como leitor de livros digitais, posso relacionar esse fato com minha experiência. Meu consumo de livros digitais caiu nos últimos anos. O kindle não substituiu meu instinto de procurar o livro físico, seja nas livrarias ou online. A experiência do livro físico, de fato, é melhor. A relação com o livro é outra.

Há evidências inclusive de que retemos melhor o que é lido no papel do que o que lemos na tela. O digital tem uma grande vantagem: o imediatismo. Não ter que sair de casa para comprar ou esperar semanas até que a encomenda chegue. Poderia ter outra vantagem que se revelaria, na maioria dos casos, imbatível: um preço consideravelmente mais baixo. Contudo, devido à política de copyright de muitas editoras, os e-books têm quase o mesmo preço do livro em papel. Seria interessante testar o quão forte é a preferência pelo livro de papel se os e-books custassem 90% a menos.

Que o livro impresso seja melhor que o livro em uma tela eletrônica é concebível. Mas certamente, na hora de comprar o livro, o meio digital e online está fadado a acabar com as velhas lojas físicas e a necessidade de funcionários, certo? Errado. Sax mostra que a própria experiência de comprar um produto em uma loja, tratando com pessoas reais, volta a ser valorizada. O conhecimento, a intuição e a interação (analógicos) de uma pessoa real superam a experiência fria das recomendações do algoritmo.

Por isso, depois de fechamentos em série, livrarias independentes voltam a abrir as portas nos Estados Unidos. Falando em relacionamento interpessoal, Sax ressalta ainda um fato que, pensando bem, é pouco controverso: mesmo com todo o progresso tecnológico na transmissão de informação, nenhum formato foi até hoje capaz de superar uma boa exposição oral de um professor em sala de aula.

O novo não é melhor apenas por ser novo. No final das contas, adotamos novas soluções apenas se elas gerarem uma experiência melhor para nós. Caso contrário, o mais antigo (e mais eficaz naquilo que importa) continuará sendo preferível. Sax não tem nem um traço de nostalgia, de amor do passado pelo passado. As possibilidades do digital trazem muitos benefícios, mas envolvem sacrifícios que não eram reconhecidos até recentemente. Nos últimos anos, o mercado (ou, pelo menos, a parte mais antenada dele) começou a se adaptar. A mensagem final de Sax é que não há necessidade de optar entre o digital e o analógico. Há espaço para tudo. Afinal, o mundo real não é binário como o mundo digital. É analógico.

 

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