"Em vez de aumentar as tensões, precisamos encontrar maneiras de resolvê-las de forma construtiva", diz Roberto Azevêdo (Qilai Shen/Getty Images)
André Jankavski
Publicado em 15 de março de 2019 às 06h00.
Última atualização em 15 de março de 2019 às 06h00.
São Paulo – A chegada de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos com o slogan nacionalista “America First” trouxe severas transformações no cenário do comércio internacional. A mais notável, claro, é a guerra comercial dos americanos contra os produtos chineses.
No início do mês, os Estados Unidos obtiveram uma grande vitória na Organização Mundial do Comércio (OMC). Desta vez, foi na agricultura. A OMC deu razão a uma reclamação dos americanos a respeito do tamanho dos subsídios da China aos seus produtores rurais.
De fato, os chineses estão colocando a mão no bolso para ajudar a agricultura do país. Em 2017, segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a China forneceu 204 bilhões de dólares em estímulos ao setor – mais que o dobro do que a União Europeia, que soma 28 países.
Esse clima belicoso, no entanto, não está ajudando a economia global e está dando trabalho para o Roberto Azevêdo, diretor-geral da OMC. “A situação atual é preocupante. Em vez de aumentar as tensões, precisamos encontrar maneiras de resolvê-las de forma construtiva”, afirma ele.
O Fundo Monetário Internacional, por exemplo, já rebaixou o crescimento da economia global neste ano para 3,7%, dois décimos a menos do que a última leitura. Azevêdo fala a EXAME sobre o que pode ser feito para que sejam evitados os piores cenários.
Como a OMC enxerga o atual momento de instabilidades comerciais?
A situação atual é preocupante. O nosso indicador publicado em fevereiro mostra que o crescimento do comércio desacelerou no primeiro trimestre de 2019. Essa é a leitura mais fraca desde 2010. Isso dá uma ideia dos riscos reais das atuais tensões comerciais. Outro aspecto importante é até que ponto isso afetará o ambiente de investimento. Se as decisões de gastos forem postergadas, devido às incertezas causadas pelo ambiente de instabilidade, o impacto poderá ser ainda maior. Devemos evitar esse cenário.
E como a organização está atuando para diminuir os conflitos?
Primeiro, garantindo um canal aberto de diálogo para os membros discutirem suas preocupações. Segundo: tenho conversado intensamente com todas as partes. Não encontraremos soluções, se não houver o compromisso político de encontrá-las. Em vez de aumentar as tensões, precisamos encontrar maneiras de resolvê-las de forma construtiva. E, por último, oferecendo instrumentos, como o mecanismo de solução de controvérsias, para despolitizar o tratamento das tensões comerciais, antes que elas escalem – o que pode acontecer muito rápido.
Recentemente, a OMC deu razão para os EUA na reclamação dos subsídios agrícolas na China. Como essa decisão deve impactar o comércio daqui para frente?
O relatório agora é público. Cabe aos membros envolvidos analisar os próximos passos. O processo continua, inclusive com a possibilidade de apelação da decisão. Mas sempre que um contencioso desse tipo avança, existe um potencial de que ele possa ajudar nas conversações e entendimentos, não apenas entre as partes envolvidas, mas em outros processos que estão em andamento e que tratam da mesma questão. Seria muito bom se este contencioso em particular tivesse esse impacto positivo. De toda maneira, ele ainda não acabou. Existem outras etapas no processo antes de ser colocar um ponto final nessa discussão.
O acordo feito em Nairóbi, em 2015, sobre o fim dos subsídios agrícolas de países desenvolvidos para exportação, está sendo cumprido por todos os envolvidos? Como estão as discussões sobre o tema?
O acordo em Nairóbi vale para todos os membros da OMC que ainda tinham espaço legal para conceder subsídios à exportação – tanto países desenvolvidos quanto em desenvolvimento. Não eram muitos, mas eram importantes. E a implementação caminha bem. Dos 16 países que mantinham programas à exportação, oito já cumpriram todos os passos da implementação do acordo. São eles: Estados Unidos, Austrália, Colômbia, Israel, Noruega, África do Sul, Suíça e Uruguai. Canadá, UE, México e Islândia estão na reta final. Brasil, Indonésia, Turquia e Venezuela estão menos adiantados na implementação do acordo, mas estão a caminho.
O Brasil já se posicionou a favor na OMC pelo fim dos subsídios agrícolas em economias desenvolvidas. Como a OMC vai conduzir esse debate?
A questão dos subsídios agrícolas é importante não apenas para o Brasil. Boa parte dos países em desenvolvimento, e mesmo desenvolvidos, estão insatisfeitos com as distorções que são introduzidas no mercado pelos subsídios agrícolas. Mas é uma negociação muito difícil. Essa é uma área muito sensível na maioria dos países. Sem dúvida, algum tratamento tem de ser dado a essa questão. Mas ela não pode ser a única frente de conversas na OMC. Há vários outros temas que estão sobre a mesa, que são de fundamental importância para os membros da OMC – inclusive o Brasil – e que precisam ser discutidos.
Como o Brasil deve se portar nas discussões sobre esse tema, na sua opinião?
O Brasil sempre foi um país muito ativo nos debates sobre agricultura na OMC. Tenho certeza de continuará sendo.