Pobreza: Brasil terá de equilibrar sistema de proteção social com outros desafios nos próximo 20 anos, argumentam autores (Mario Tama / Equipe/Getty Images)
Repórter de Economia e Mundo
Publicado em 30 de abril de 2023 às 08h00.
Última atualização em 30 de abril de 2023 às 10h29.
Como reduzir a pobreza no Brasil, fazendo o país voltar a crescer de forma consistente e com diminuição das desigualdades? Um novo estudo do Banco Mundial e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) divulgado nesta semana esmiuçou os desafios do Brasil nos próximos 20 anos e traz propostas e reflexões sobre esse debate, em temas que vão da tributação à assistência social e emprego.
Os pontos estão em uma nota técnica de mais de 90 páginas divulgado pela instituição. O documento inclui dez opções de reformas de médio prazo, propostas "em resposta aos desafios que o país enfrentará nas próximas duas décadas", de acordo com os organizadores.
O Banco Mundial afirma que o Brasil produziu "avanços significativos" em redução de pobreza, desigualdade e desenvolvimento de capital humano desde a década de 1980, mas que o país ainda precisará avançar para enfrentar o "alto nível de vulnerabilidade e desigualdade".
As propostas do estudo estão dividas em três frentes (assistência social, trabalho e previdência).
A base da argumentação é que o Brasil terá dificuldade de chegar a esse cenário desejado de crescimento e redução das desigualdades caso um leque de ações não seja tomado. O cenário desafiador que se desenha nas próximas duas décadas, como no âmbito fiscal, envelhecimento da população e novas tecnologias no mercado de trabalho, afetaria "a sustentabilidade do sistema de proteção social que o Brasil adota hoje", na visão dos autores.
"A perspectiva [das propostas sugeridas] é de que o Brasil chegue a 2040 com uma população mais produtiva e resiliente e menos desigual", dizem os autores.
“O relatório explica como o Brasil já tem muitos dos instrumentos necessários para enfrentar o futuro com confiança no sistema de proteção social", disse em nota Matteo Morgandi, especialista sênior em proteção social e emprego do Banco Mundial e um dos organizadores do estudo.
"No entanto, é necessário fazer reformas institucionais, mudar a estrutura de vários programas, fazer investimentos em sistemas e modalidades de implementação e fazer realocações orçamentárias para os programas que mais precisam para o futuro", completou Morgandi. Veja as propostas abaixo, de acordo com o relatório veja aqui a íntegra do documento.
Apesar do sucesso de programas de renda mínima como o Bolsa Família, o Brasil ainda tem uma série de outras políticas dispersas para os mais pobres. Além disso, há uma série de políticas sociais em que os resultados para os mais pobres são incertos, como a dedução no Imposto de Renda, que beneficia os mais ricos que têm gastos com saúde e educação privadas. O relatório sugere a unificação de vários desses atuais benefícios com o Bolsa Família. Haveria, assim, uma "transferência universal para cada criança, combinada com um benefício baseado em condições de renda direcionado às famílias pobres".
O Brasil poderia, em uma das propostas sugeridas no relatório, expandir programas de inclusão econômica (IE), incluindo os já existentes, para atenderem de forma mais abrangente as populações rurais. Os autores apontam no relatório que o Brasil tem uma tradição de experimentação em políticas de IE na esfera rural que "produziram resultados positivos", mas em que a maioria dos programas "sucumbiu sob o ajuste fiscal". Para uma nova etapa, seria preciso encontrar maneiras de garantir a sustentabilidade fiscal dos programas e melhorar a eficiência dos recursos, como com o uso de dados já existentes no Cadastro Único e assistência social e aprimoramento desse mecanismo.
Os estudos já mostram o efeito perverso das mudanças climáticas nas famílias mais pobres, e o Brasil não é exceção - como os episódios recentes com as chuvas no litoral têm mostrado. Embora o país tenha uma política social robusta, ela carece de adaptabilidade para responder a esse tipo de demanda. Frentes como o Cadastro Único podem auxiliar o governo a desenvolver a chamada proteção social adaptativa (PSA), identificando de forma rápida as populações em risco e medidas necessárias antes e depois de tragédias. O aprendizado do Auxílio Emergencial, em que o recurso precisou ser oferecido em tempo recorde diante da pandemia, pode ser levado em consideração.
"Assim, é recomendável o desenvolvimento de uma estratégia integrada de PSA com compromisso fiscal que possa conceber uma forma de reagir aos choques climáticos mais recorrentes e disruptivos do país (como o excesso de chuvas e secas) de forma mais rápida e forte do que atualmente", diz o relatório.
Apesar do avanço da digitalização, importante também para os serviços sociais, os Centro de Referência de Assistência Social (Cras) e atuação de profissionais especializados seguirão sendo importantes para levar as políticas públicas desenhadas a todos os cantos do Brasil. Um exemplo é a busca-ativa, que "permite encontrar famílias extremamente pobres onde quer que estejam localizadas", diz o relatório. Por isso, as funções do Cras, na visão dos autores, devem ser ampliadas e aprimoradas, fazendo da unidade um "ponto de referenciamento e coordenação das políticas de proteção social em cada município", ajudando ainda mais no processo, por exemplo, de identificar erros cometidos por máquinas nos cadastros e no contato direto com os beneficiários.
Os autores apontam que o Brasil precisa avançar em "intervenções de desenvolvimento na primeira infância coordenadas com a assistência social e o sistema de saúde", com a integração de frentes como o Sistema Único de Saúde (SUS) e Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Hoje, a primeira infância é ainda um dos maiores desafios do Brasil: crianças nascidas em lugares diferentes ou em famílias com perfil socioeconômico distinto podem ter acesso a oportunidades tão distintas que, no decorrer do tempo, afetam o desenvolvimento dos jovens e do capital humano brasileiro. Se nada é feito, esse cenário torna mais custoso e mais desafiador para que o Estado cumpra seu papel de oferecer as mesmas oportunidades a todos.
Por isso, um acompanhamento ativo, como em visitas e apoio direto às famílias, é visto como essencial para minimizar as desigualdades existentes na primeira infância.
A carga fiscal sobre os trabalhadores formais no Brasil é uma das mais altas da América Latina, enquanto trabalhadores "não dependentes" (como trabalhadores que atuam como pessoa jurídica na prestação de serviços a empresas, os "PJs") têm acesso a regimes tributários especiais no Simples e no MEI, afirma o relatório. A proposta é obter uma maior neutralidade nessas diferenças de tributos no mercado de trabalho. Opções são reduzir as diferenças para se contratar um trabalhador formal e um "PJ", uma alíquota maior de Imposto de Renda para quem ganha mais e a busca de uma neutralidade fiscal na tributação de diferentes tipos de renda, como alugueis, dividendos (hoje isentos) e outros.
O relatório argumenta que o programa de seguro-desemprego no Brasil precisa ser revisto, pois, na visão dos autores, cria distorções na busca por emprego e entre os contratantes. Uma das propostas é o financiamento majoritário do seguro-desemprego via poupança do trabalhador no FGTS. "Seguindo as melhores práticas internacionais, as poupanças individuais acumuladas no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) deveriam ser utilizadas como primeira linha de financiamento do seguro-desemprego, enquanto os recursos subsidiados do pool de risco seriam acessados somente após esgotar-se o FGTS do trabalhador", dizem os autores no texto.
Embora trabalhadores autônomos contem com carga tributária reduzida, esse grupo também está menos protegido em meio à volatilidade do mercado de trabalho. A proteção social no Brasil garante alguma segurança para trabalhadores formais, incluindo os mais pobres, mas esses benefícios não chegam a toda a população (somente 39% dos trabalhadores no Brasil trabalha com carteira assinada, segundo o IBGE). O relatório afirma que o Brasil está atrasado no desenvolvimento de mecanismos para os trabalhadores sem carteira, como a criação de um "arranjo de poupança". Tal arranjo poderia ser associado ao Cadastro Único e forneceria às famílias na informalidade "ferramentas para administrar o custo dos choques" caso percam renda, como ocorreu na pandemia da covid-19.
O Brasil ainda peca em oferecer políticas para ajudar trabalhadores a encontrarem postos de trabalho, e o relatório traz a avaliação de que as atuais "políticas ativas de mercado de trabalho" (PAMT) são insuficientes. O Brasil teria, na visão dos autores, de ajudar os trabalhadores em serviços de posicionamento no mercado de trabalho como "aconselhamento de carreira, apoio à procura de emprego, desenvolvimento de competências estruturadas, desenvolvimento de habilidades socioemocionais e/ou a provisão de um subsídio salarial temporário para permitir que o indivíduo acumule experiência de trabalho."
Atualmente, o Brasil oferece um benefício previdenciário mínimo, em programas como o BPC, para idosos mais pobres, tenham ou não contribuído com a Previdência ao longo da vida. Os autores apontam que esses programas previdenciários, embora necessários, estão por vezes "distorcidos" e teriam de ser repensados para melhor eficiência e para que novas gerações não sejam excessivamente penalizadas pelos gastos necessários para bancar as políticas atuais. Dentre as propostas estão ratear o valor da aposentadoria pelo número de anos contribuídos e a unificação entre o BPC e a aposentadoria rural, reestabelecendo "incentivos à contribuição previdenciária". "A economia gerada por esta reforma aumentaria a sustentabilidade fiscal do sistema sem aumentar a pobreza", argumentam os autores.