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Revendo o conceito de “investidor conservador”

A diminuição nos retornos financeiros (por conta de juros mais baixos) forçará uma redefinição dos perfis de investidores no Brasil

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Você e o Dinheiro

Publicado em 2 de março de 2017 às, 13h22.

Última atualização em 17 de outubro de 2018 às, 16h16.

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Estamos passando por um daqueles momentos “peculiares” no mercado financeiro brasileiro. As taxas de juros começaram a baixar e os investidores já começam a se perguntar se suas atuais estratégias de investimentos, que vêm sendo bem sucedidas até então, serão viáveis no futuro.

Nossos juros ainda são muito altos e estão distantes daquele patamar que estávamos em 2012, quando chegaram à suas mínima histórica em anos recentes, mas há, entre investidores, analistas e economistas, uma sensação de “agora vai”. Uma percepção de que, se nada der errado (em especial no campo político/institucional), as taxas de juros devem caminhar consistentemente para baixo, eventualmente rompendo o patamar de 2012.

Talvez estejamos vendo o crepúsculo da “era de ouro da renda fixa”. Talvez os próximos anos sejam os últimos em que será possível ter retornos significativos, por exemplo, com títulos públicos federais. Talvez estejamos vendo a última oportunidade de nos posicionar em títulos de longo prazo, com décadas à frente, que pagam boas taxas de juros e são corrigidos pela inflação. Há uma razoável possibilidade de que essa “moleza” vai acabar. Não sei quando, mas, se eu tivesse que apostar, daria mais alguns poucos anos antes de a renda fixa perder o brilho (novamente, assumindo que nenhuma “desgraça”, no cenário político interno ou externo, aconteça no caminho).

Com isso, precisaremos rever nossos conceitos sobre o que é um “investidor conservador”. Há pouco tempo, estava lendo um artigo sobre um famoso investidor brasileiro, que recentemente começou a publicar boletins por email (sim, é aquele mesmo que você está pensando...), e o artigo argumentava que o referido investidor era “extremamente agressivo”, por investir majoritariamente em renda variável e demonstrar certo desprezo pela renda fixa.

De fato, para os padrões brasileiros atuais, ele é um investidor altamente agressivo. Aqui no Brasil, qualquer pessoa que tenha metade de sua carteira em renda variável é olhada por outros investidores e profissionais do mercado financeiro como alguém que acabou de fugir do hospício...

Por outro lado, se o mesmo investidor estivesse nos Estados Unidos (ou em outra economia desenvolvida), provavelmente ele seria considerado um investidor extremamente conservador, por demonstrar uma preferência por ações de “valor” e de empresas pagadoras de dividendos.

Aqui, chegamos ao cúmulo de considerar um investidor que compra títulos como o Tesouro IPCA de longo prazo como “agressivos”. Obviamente, a única coisa que explica essa percepção é o cenário completamente distorcido pelas nossas absurdamente altas taxas de juros, que permite a investidores ganhar um razoável dinheiro em instrumentos extremamente conservadores que, nas economias desenvolvidas, seriam “inócuos”, como títulos públicos de curto prazo e certificados de depósitos bancários.

Porém, se a tendência de queda das taxas de juros for realmente consistente e se mantiver, em breve aquilo que chamamos de “investidor conservador” sequer poderá ser classificado como “investidor”. Será alguém que, muito provavelmente, vai perder dinheiro sistematicamente em instrumentos cujo retorno líquido deverá ser inferior à inflação. Mais ou menos como alguém que coloca 100% do seu patrimônio na Caderneta de Poupança...

Investidores que têm (ou terão) uma parcela substancial de seu patrimônio em renda variável (na faixa de 20 a 50%), em ações “bluechips”, ou então altamente descontadas em relação ao seu valor intrínseco, e com uma visão de mais longo prazo, poderão ser os “novos conservadores”. A denominação “investidor agressivo” talvez seja reservada para aqueles investidores que sejam, de fato, agressivos... Que invistam em títulos de maior risco, que trabalham com prazos menores (buscando movimentos oportunistas no mercado) e que usam a alavancagem para tentar maximizar seus retornos.

Quando isso vai acontecer eu não sei. Novamente, assumindo que nada “catastrófico” aconteça, as taxas de juros devem cair gradativamente (ainda que em ritmo “meio rápido”) e o cenário deve mudar bastante no futuro próximo.

Acredito que ainda haverá muitas oportunidades interessantes em renda fixa nos próximos anos. Porém, para aqueles que têm uma perspectiva de tempo mais longa (por exemplo, aqueles que estão construindo um patrimônio para a aposentadoria), é interessante já ir se acostumando com a ideia de que aquilo que foi aprendido como “investimento agressivo” poderá não o ser mais no futuro, e uma mudança de abordagem será necessária.

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