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Caderneta de Poupança: uma relação mais afetiva que financeira

Na semana passada, muito se falou da Caderneta de Poupança. Uma pesquisa da Fecomércio do Rio de Janeiro, junto com o Instituto Ipsos, revelou que a velha e boa (boa? Será?) Caderneta é o investimento  preferido de 85,8% dos brasileiros (o que dá mais ou menos nove em cada dez). Ainda mais chamativo é o fato de que, dos pesquisados, 10,4% disseram que não investem em nada e preferem guardar […] Leia mais

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Você e o Dinheiro

Publicado em 6 de novembro de 2014 às, 11h21.

Última atualização em 24 de fevereiro de 2017 às, 08h15.

Na semana passada, muito se falou da Caderneta de Poupança. Uma pesquisa da Fecomércio do Rio de Janeiro, junto com o Instituto Ipsos, revelou que a velha e boa (boa? Será?) Caderneta é o investimento  preferido de 85,8% dos brasileiros (o que dá mais ou menos nove em cada dez). Ainda mais chamativo é o fato de que, dos pesquisados, 10,4% disseram que não investem em nada e preferem guardar dinheiro em casa. Ou seja, apenas 3,8% dos brasileiros procuram algum investimento que não seja a Poupança ou, pior, o colchão…

Muitos jornais e veículos de mídia fizeram, inclusive, comparativos da Poupança com fundos de investimento DI e Renda Fixa, dando certa vantagem para a Caderneta. É uma comparação um pouco injusta, ainda mais considerando que a maioria dos fundos acessíveis ao pequeno investidor tem taxas de administração pouco favoráveis.

Não é fácil entender essa preferência pela Poupança. Uma vez, um jornalista de economia e finanças com quem converso bastante, me pediu ajuda para uma reportagem sobre as “vantagens da Caderneta de Poupança”. A matéria foi publicada e acabou focando naqueles “argumentos-clichê” de que a poupança é segura, é simples, é adequada para investidores iniciantes etc. Eu fiquei um tempo quebrando a cabeça, tentando descobrir onde a Poupança tinha alguma vantagem indiscutível em relação aos outros investimentos, e acabou vindo uma inspiração para escrever um artigo aqui no blog “Você e o Dinheiro”, em fevereiro do ano passado, chamado “A única vantagem da caderneta de poupança” (link aqui – leiam, é interessante!).

Esta reportagem que mencionei foi, possivelmente, o pedido mais desafiador que um jornalista já me fez, e só foi superado algumas semanas depois, pelo mesmo jornalista, que queria ajuda para uma matéria sobre “as vantagens dos títulos de capitalização” (aí é para “quebrar as pernas” mesmo…).

Mas, enfim, vamos analisar esses argumentos comuns que podem explicar nosso apego à Poupança:

Segurança

Eu sinto que a maioria das pessoas superestima a segurança da Poupança e subestima a de outros instrumentos financeiros. Já vi pessoas (mais de uma vez) dizerem, cheias de confiança, que “a Poupança é garantida pela Constituição” (não imagino de onde tiraram essa ideia), entre outras coisas.

A Caderneta de Poupança é considerada um “depósito bancário” e, como a maioria dos depósitos bancários, ela é garantida pelo Fundo Garantidor de Créditos (que é uma instituição privada) até 250 mil reais.

A poupança NÃO é o investimento mais seguro do Brasil. Ela tem o mesmo grau de segurança de outros depósitos bancários (como os CDBs e as LCIs) e é, indiscutivelmente, menos segura que os títulos públicos federais negociados pelo Tesouro Direto.

Rentabilidade

A Caderneta de Poupança tem uma rentabilidade inferior a diversos instrumentos de renda fixa que oferecem nível de segurança igual ou superior. Está longe de ser um dos investimentos de renda fixa mais rentáveis e, com o aumento das taxas de juros, outras opções de investimento, como CDBs e Tesouro Direto, tendem a se distanciar ainda mais da Poupança.

Simplicidade

A Caderneta de Poupança não é tão simples quanto dizem por aí. O conceito de “data de aniversário” não é compreendido por grande parte das pessoas que nela investem. TR (Taxa Referencial), então, é uma caixa preta. A maioria das pessoas não sabe o que é e nem para que serve, e mesmo profissionais experientes do mercado financeiro costumam ter dificuldade para explicar a TR sem gaguejar…

Quando dou palestras e treinamentos sobre finanças, as pessoas quase que unanimemente concordam que um título prefixado (seja um CDB ou um título público) é mais fácil de entender do que a Caderneta de Poupança.

Benefícios fiscais

Sim, a Poupança não paga Imposto de Renda. Mas instrumentos como as LCIs e LCAs, que são tão seguras quanto e mais rentáveis, também não pagam… E alguns CDBs e títulos públicos ainda são mais rentáveis que a Poupança mesmo se pagando a alíquota máxima de Imposto de Renda. Onde está a vantagem?

Liquidez

A Poupança tem liquidez diária, mas o investidor perde os rendimentos se sacar antes da “data de aniversário”. CDBs sem carência, por exemplo, podem ser resgatados sem perda dos rendimentos e, mesmo pagando Imposto de Renda, podem ter retornos mais vantajosos que a Poupança.

A verdade é que é difícil explicar, baseado em argumentos lógicos, essa preferência do brasileiro pela Poupança. Em nenhum dos itens que eu listei neste artigo, a Caderneta de Poupança tem uma vantagem indiscutível. Nossa afeição por ela é uma coisa completamente irracional.

As únicas explicações possíveis são a falta de educação financeira geral das pessoas (que, em sua grande maioria, desconhecem conceitos elementares de finanças e investimentos) e questões afetivas/emocionais, como aquele indivíduo que passou a vida interira ouvindo dos pais e dos avós que a Caderneta de Poupança era a coisa mais segura e “garantida” do Universo…

As pessoas estão habituadas com a Poupança. Passaram a vida toda ouvindo sobre ela e, em momentos de maior stress, tendem a correr para aquilo que consideram o “porto seguro”.

Deveriam se informar melhor…