Aposentadoria – Tudo vai dar certo, exceto…
Juros mais baixos são bons para a economia, mas representam um grande desafio para o investidor que quer formar um patrimônio para o futuro
Da Redação
Publicado em 15 de maio de 2012 às 10h56.
Última atualização em 21 de dezembro de 2018 às 20h00.
Finalmente aconteceu. As intocáveis regras da caderneta foram “tocadas”, e foram tocadas de um jeito que não é o melhor para o investidor (à primeira vista). Tenho conversado com muita gente da área financeira e a maioria concorda que o dia 3 de maio de 2012, dia em que as novas regras da poupança foram anunciadas, é um marco para o nosso mercado financeiro, pois parte do sistema mental de valores adotado por muitos brasileiros, tanto profissionais do mercado quanto leigos, foi demolida em grande estilo.
Pode ser que a caderneta de poupança nunca mude na prática. Pode ser que a taxa SELIC nunca atinja o ponto “gatilho” de 8,5% ao mês (acho pouco provável esse limiar não ser violado em breve) e que a regra de 70% da SELIC para remuneração na caderneta nunca veja a luz do dia. Mas ainda assim algo grandioso aconteceu. Desde 3 de maio de 2012, o brasileiro caiu da cama em seu sonho dourado de renda fixa e segura e não tem mais aquele 0,5% ao mês “garantido”. Bem-vindos ao primeiro mundo! Bem-vindos a uma nova realidade onde não se pode mais ter uma rentabilidade mínima “por decreto” para agradar ao povo.
O Brasil é, atualmente, um dos poucos países com economia relevante onde ainda se consegue uma rentabilidade real (acima da inflação). Talvez ainda seja assim por muito tempo, mas não me surpreenderei se, no futuro próximo, termos como “repressão financeira” começarem a ficar mais presentes em nossos noticiários econômicos e em artigos de investimentos e finanças pessoais. Bem-vindos ao admirável mundo novo das finanças!
Na madrugada do dia 4 de maio de 2012, eu não consegui dormir. Não resisti à tentação de ficar horas e horas navegando nos grandes portais da internet, vendo as notícias sobre a mudança na poupança e lendo os comentários dos leitores. Com raras exceções, as pessoas estavam se sentindo enfurecidas, roubadas em um direito alienável, acusando o governo de mil e uma coisas (algumas justas e outras nem tanto). Menções a aposentados que tinham acumulado algum patrimônio e usavam a renda para complementar as minguadas aposentadorias públicas não faltaram. Tive uma aula de psicologia de massas naquela noite.
Mas as pessoas vão se acostumar e se adaptar (até porque não vejo outra saída). Talvez, quando elas começarem a entender que no primeiro mundo, que a gente tanto inveja, a situação é muito pior, elas passem a entender que esse movimento do governo foi algo absolutamente necessário para permitir que o Brasil tenha condições de virar uma economia forte e desenvolvida.
Para profissionais de finanças e empreendedores, essa mudança de regras teve um gosto de libertação. O tão falado 0,5% ao mês (ou 6,17% ao ano) “garantido” da poupança era uma espécie de “linha da morte” para vários projetos empresariais e financeiros que, em uma outra realidade, poderiam ter vivido. Vamos falar, por exemplo, de empresas. Fora do Brasil, existem muitas empresas que dão uma lucratividade inferior a 10% ao ano com seu capital próprio e estão muito bem, obrigado. Aqui, a facilidade em se conseguir algo próximo a 10% na renda fixa gera um incentivo para que o empreendedor não empreenda, não produza e não gere empregos – o dinheiro vai para financiar o governo… Fora do Brasil, com taxas mais baixas, as empresas conseguem recursos baratos e podem se alavancar utilizando capital de terceiros, aumentando a rentabilidade dos sócios. Aqui, projetos empresariais cujos retornos estão próximos ou abaixo da “linha da morte” da poupança não têm a menor chance de serem tirados da gaveta, mas lá fora é diferente.
Aqui, um gestor de recursos que consiga algo ao redor de 6,17% ao ano é considerado incompetente e despreparado, pois ele é julgado pelo benchmark da poupança – a linha da morte não perdoa. Lá fora, um gestor que consiga, consistentemente ao longo dos anos, uma rentabilidade acima disso é considerado um herói.
Nós brasileiros temos um problema de mindset financeiro. Crescemos e fomos educados acreditando que havia uma rentabilidade mínima garantida, que “dali não passava” de jeito nenhum. Crescemos acreditando que, se a gente acumulasse um bom patrimônio até a aposentadoria, no mínimo ganharíamos 0,5% ao mês, então podíamos fazer planos com aquela taxa, pois era “conservadora”. Crescemos vendo na televisão reportagens sobre prêmios recordes de loteria onde o repórter sempre falava algo como “colocando esse dinheiro na poupança o vencedor ganhará ‘X’ por mês” (geralmente uma quantia absurda). Isso, naturalmente, mexia ainda mais com nossas fantasias, mas… E agora? Qual será o novo referencial? Será que vai sequer existir um referencial?
O Brasil deu um grande passo rumo à modernização financeira. Nunca fui um sujeito lá muito otimista com o Brasil, mas estou menos pessimista hoje que no passado. Pode ser que, no final, tudo realmente dê certo e o Brasil vai, enfim, “chegar lá”. Mas para isso acontecer, o investidor vai ter que sofrer (e infelizmente o aposentado que pretende viver de sua poupança talvez sofra ainda mais). Isso é um fato da vida. Hoje, não existem economias sólidas com condições de sustentar uma opção de investimentos que dê 0,5% ao mês sem risco para as pessoas. Se quisermos ser “primeiro mundo”, temos que aceitar o lado bom e o lado ruim dessa situação. A vida não é um grande supermercado onde todas as opções estão na prateleira e a gente só pega aquilo que nos convém…
Pode ser que realmente tudo dê certo, exceto pelo fato de que teremos que adotar uma nova postura, uma nova mentalidade com relação ao dinheiro e aos investimentos. Somos um povo com pouca educação financeira e, agora, grande parte dessa pouca educação está obsoleta. Teremos que aprender a conviver com baixos retornos, alta volatilidade e planejamentos mais realistas, especialmente para a aposentadoria.
Finalmente aconteceu. As intocáveis regras da caderneta foram “tocadas”, e foram tocadas de um jeito que não é o melhor para o investidor (à primeira vista). Tenho conversado com muita gente da área financeira e a maioria concorda que o dia 3 de maio de 2012, dia em que as novas regras da poupança foram anunciadas, é um marco para o nosso mercado financeiro, pois parte do sistema mental de valores adotado por muitos brasileiros, tanto profissionais do mercado quanto leigos, foi demolida em grande estilo.
Pode ser que a caderneta de poupança nunca mude na prática. Pode ser que a taxa SELIC nunca atinja o ponto “gatilho” de 8,5% ao mês (acho pouco provável esse limiar não ser violado em breve) e que a regra de 70% da SELIC para remuneração na caderneta nunca veja a luz do dia. Mas ainda assim algo grandioso aconteceu. Desde 3 de maio de 2012, o brasileiro caiu da cama em seu sonho dourado de renda fixa e segura e não tem mais aquele 0,5% ao mês “garantido”. Bem-vindos ao primeiro mundo! Bem-vindos a uma nova realidade onde não se pode mais ter uma rentabilidade mínima “por decreto” para agradar ao povo.
O Brasil é, atualmente, um dos poucos países com economia relevante onde ainda se consegue uma rentabilidade real (acima da inflação). Talvez ainda seja assim por muito tempo, mas não me surpreenderei se, no futuro próximo, termos como “repressão financeira” começarem a ficar mais presentes em nossos noticiários econômicos e em artigos de investimentos e finanças pessoais. Bem-vindos ao admirável mundo novo das finanças!
Na madrugada do dia 4 de maio de 2012, eu não consegui dormir. Não resisti à tentação de ficar horas e horas navegando nos grandes portais da internet, vendo as notícias sobre a mudança na poupança e lendo os comentários dos leitores. Com raras exceções, as pessoas estavam se sentindo enfurecidas, roubadas em um direito alienável, acusando o governo de mil e uma coisas (algumas justas e outras nem tanto). Menções a aposentados que tinham acumulado algum patrimônio e usavam a renda para complementar as minguadas aposentadorias públicas não faltaram. Tive uma aula de psicologia de massas naquela noite.
Mas as pessoas vão se acostumar e se adaptar (até porque não vejo outra saída). Talvez, quando elas começarem a entender que no primeiro mundo, que a gente tanto inveja, a situação é muito pior, elas passem a entender que esse movimento do governo foi algo absolutamente necessário para permitir que o Brasil tenha condições de virar uma economia forte e desenvolvida.
Para profissionais de finanças e empreendedores, essa mudança de regras teve um gosto de libertação. O tão falado 0,5% ao mês (ou 6,17% ao ano) “garantido” da poupança era uma espécie de “linha da morte” para vários projetos empresariais e financeiros que, em uma outra realidade, poderiam ter vivido. Vamos falar, por exemplo, de empresas. Fora do Brasil, existem muitas empresas que dão uma lucratividade inferior a 10% ao ano com seu capital próprio e estão muito bem, obrigado. Aqui, a facilidade em se conseguir algo próximo a 10% na renda fixa gera um incentivo para que o empreendedor não empreenda, não produza e não gere empregos – o dinheiro vai para financiar o governo… Fora do Brasil, com taxas mais baixas, as empresas conseguem recursos baratos e podem se alavancar utilizando capital de terceiros, aumentando a rentabilidade dos sócios. Aqui, projetos empresariais cujos retornos estão próximos ou abaixo da “linha da morte” da poupança não têm a menor chance de serem tirados da gaveta, mas lá fora é diferente.
Aqui, um gestor de recursos que consiga algo ao redor de 6,17% ao ano é considerado incompetente e despreparado, pois ele é julgado pelo benchmark da poupança – a linha da morte não perdoa. Lá fora, um gestor que consiga, consistentemente ao longo dos anos, uma rentabilidade acima disso é considerado um herói.
Nós brasileiros temos um problema de mindset financeiro. Crescemos e fomos educados acreditando que havia uma rentabilidade mínima garantida, que “dali não passava” de jeito nenhum. Crescemos acreditando que, se a gente acumulasse um bom patrimônio até a aposentadoria, no mínimo ganharíamos 0,5% ao mês, então podíamos fazer planos com aquela taxa, pois era “conservadora”. Crescemos vendo na televisão reportagens sobre prêmios recordes de loteria onde o repórter sempre falava algo como “colocando esse dinheiro na poupança o vencedor ganhará ‘X’ por mês” (geralmente uma quantia absurda). Isso, naturalmente, mexia ainda mais com nossas fantasias, mas… E agora? Qual será o novo referencial? Será que vai sequer existir um referencial?
O Brasil deu um grande passo rumo à modernização financeira. Nunca fui um sujeito lá muito otimista com o Brasil, mas estou menos pessimista hoje que no passado. Pode ser que, no final, tudo realmente dê certo e o Brasil vai, enfim, “chegar lá”. Mas para isso acontecer, o investidor vai ter que sofrer (e infelizmente o aposentado que pretende viver de sua poupança talvez sofra ainda mais). Isso é um fato da vida. Hoje, não existem economias sólidas com condições de sustentar uma opção de investimentos que dê 0,5% ao mês sem risco para as pessoas. Se quisermos ser “primeiro mundo”, temos que aceitar o lado bom e o lado ruim dessa situação. A vida não é um grande supermercado onde todas as opções estão na prateleira e a gente só pega aquilo que nos convém…
Pode ser que realmente tudo dê certo, exceto pelo fato de que teremos que adotar uma nova postura, uma nova mentalidade com relação ao dinheiro e aos investimentos. Somos um povo com pouca educação financeira e, agora, grande parte dessa pouca educação está obsoleta. Teremos que aprender a conviver com baixos retornos, alta volatilidade e planejamentos mais realistas, especialmente para a aposentadoria.