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Aposentadoria – a regra dos 4%

Conheça a regra "clássica" utilizada nos EUA para saber qual o patrimônio necessário para se aposentar confortavelmente

Um milhao
Um milhao
V
Você e o Dinheiro

Publicado em 15 de abril de 2012 às, 22h23.

Última atualização em 21 de dezembro de 2018 às, 19h57.

“De quanto dinheiro precisarei para me aposentar confortavelmente?”. Esse é um dos maiores dilemas do universo das finanças pessoais. Tudo bem que “confortavelmente” é um conceito subjetivo e pessoal, mas ainda que nós alteremos a pergunta para algo como “de quanto precisarei para me aposentar ganhando ‘X’ por mês?”, a fórmula perfeita para responder essa pergunta não existe. Se um dia essa fórmula existir, certamente ela renderá ao seu autor o Prêmio Nobel.

A dificuldade em responder essa pergunta vem do fato de que precisamos saber coisas futuras sobre as quais não temos sequer a mais vaga ideia. A primeira coisa de que precisamos saber é, por mais mórbido que seja, quando vamos morrer. A não ser que você seja um suicida que já planejou a data em que vai dar “adeus a este mundo cruel”, não há como saber a data exata da própria morte. Além disso, estamos dependentes de outros fatores incontroláveis, como a inflação e a taxa de juros do futuro. Tudo fica ainda mais complicado e nebuloso se lembrarmos de que, para muita gente, planejar a aposentadoria é projetar essas variáveis para daqui a algumas décadas, e aí não há bola de cristal que resista.

Nem todo mundo está tão preocupado com o futuro. Alguns países são verdadeiros “estados de bem estar social”, onde o governo cuida de tudo, garantindo aposentadoria vitalícia e integral para seus cidadãos. O Brasil tem um modelo híbrido, onde o Estado fornece uma previdência social vitalícia, porém bastante limitada, e as pessoas que querem um nível de vida melhor precisam recorrer a outros meios, como a previdência privada. O modelo típico de aposentadoria pública vitalícia é de difícil sustentação, tanto que muitos países adeptos desse tipo de política estão enfrentando crises profundas, vide o que está acontecendo lá no Velho Mundo. Não é à toa que alguns mais cínicos dizem que a previdência pública é o “maior esquema Ponzi do mundo”.

Em outros países, o Estado não dá tanta moleza e as pessoas precisam se virar e planejar direito a aposentadoria, do contrário correm o risco de ficarem velhas e falidas (inicialmente pensei em uma outra palavra que também começa com “f”, mas deixa isso pra lá…). É o caso dos Estados Unidos, onde existem várias fórmulas e teorias para tentar estimar qual o valor que uma pessoa deve acumular ao longo da vida, seja investindo diretamente ou através de instrumentos de previdência privada, para se aposentar confortavelmente.

A mais popular e conhecida dessas fórmulas é a chamada “regra dos 4%”, que diz que a pessoa deve sacar 4% de seu patrimônio no primeiro ano de aposentadoria e viver daquele valor durante o ano. No ano seguinte, ela deve sacar o mesmo valor do ano anterior acrescido da inflação no período, e assim sucessivamente nos anos seguintes. A regra diz que, se a pessoa proceder dessa forma, ela conseguirá viver daquele patrimônio por trinta anos. Ao final dos trinta anos o dinheiro deverá ter acabado. Se ela morrer antes do término desse período, acabará deixando dinheiro para seus descendentes (isso significa que ela não viveu tão “plenamente” quanto poderia). Se morrer após esse período, ficará sem dinheiro na velhice.

Essa regra foi criada no início dos anos 90 por um consultor financeiro americano chamado Bill Bengen, que estudou a inflação e os retornos dos mercados financeiros nos 75 anos anteriores à sua publicação e chegou à conclusão de que o saque de 4% do valor acumulado por ano, corrigido pela inflação, era o valor seguro para garantir uma aposentadoria por 30 anos. Posteriormente à publicação da regra, outros financistas testaram os dados, inclusive dos períodos após a publicação original, utilizando modelos matemáticos sofisticados baseados na simulação de Monte Carlo, e os resultados foram consistentes.

Outro dado interessante é que os estudos consideraram um portfólio típico composto de 60% de ações e 40% de títulos de renda fixa, algo que aqui no Brasil soa desvairadamente agressivo, mas lá fora é normal, até porque qualquer coisa mais conservadora que isso, considerando-se as taxas de juros de uma economia desenvolvida, geraria retornos pífios ou mesmo negativos em termos reais (descontada a inflação).

Eu intencionalmente não fiz, até o momento, nenhuma simulação para exemplificar a aplicação da regra neste artigo – vou deixar isso mais para frente para ficar mais “divertido” – mas quero já deixar o leitor avisado de que questionamentos começaram a surgir contra a regra dos 4%, dizendo que ela é excessivamente OTIMISTA e que pode não garantir os tão sonhados 30 anos de aposentadoria tranquila.

Em 2010, outro pesquisador de finanças, chamado Wade Pfau, refez as contas considerando os retornos financeiros não só dos EUA, mas também de outras economias desenvolvidas. A conclusão dele é que, nas últimas décadas, os EUA foram um “ponto fora da curva” (para mais) em termos de retornos financeiros e que o ideal, considerando retornos mais realistas (consistentes com aqueles de outras economias desenvolvidas), seria que a regra dos 4% fosse alterada para uma “regra dos 2%” – é isso mesmo, na opinião dele a pessoa que está se preparando para a aposentadoria deve acumular O DOBRO do capital inicialmente planejado para poder ter a aposentadoria “segura” de 30 anos.

Mas seja como for, nos EUA a regra dos 4% é a “receita de bolo padrão” para o sujeito que está planejando a aposentadoria. Vamos ver agora como seria a aplicação disso aqui no Brasil, o país onde as pessoas acham que qualquer retorno abaixo de 6% ao ano (“garantido” pela poupança) é algo simplesmente inaceitável (só para constar, na minha modesta opinião, a alteração da regra da poupança não é uma questão de “se”, e sim de “quando”, mas isso é assunto para um outro artigo…).

ADVERTÊNCIA: As coisas ficarão um pouco mais áridas a partir deste momento, e alguns leitores poderão tomar um grande susto ao ver que seus planos de aposentadoria são bastante fantasiosos para os padrões de uma economia desenvolvida. Se você é uma pessoa sensível, tem problemas cardíacos, fobia a números ou expectativas irrealistas, recomendo que interrompa a leitura neste momento.

Vamos imaginar um personagem fictício. Seu nome é Pedrinho e ele quer se aposentar daqui a 30 anos. Ele já contribui com a previdência pública e portanto sabe que, a partir de certa idade, se as regras não mudarem, ele receberá um valor vitalício (porém muito baixo para suas aspirações). Seu objetivo é acumular um milhão de reais nesse período e, daqui a trinta anos, viver a vida que pediu a Deus.

Agora vamos imaginar que a taxa média de inflação no Brasil nesses próximos trinta anos será de 3% ao ano, uma taxa superotimista (mesmo para os padrões internacionais históricos), considerando que a inflação atual é mais que o dobro disso.

Aqui já temos um problema, pois esse “um milhão” equivalerá, daqui a trinta anos (levando em conta a taxa de inflação superotimista e civilizada que eu considerei), a um pouco mais de 400 mil reais hoje.

Para que Pedrinho possa ter o equivalente a um milhão daqui a trinta anos, ele precisará acumular, em números redondos, 2,5 milhões de reais (novamente ressaltando que estou considerando uma inflação superotimista no período). Pedrinho põe a mão na cabeça e, decepcionado, refaz seus cálculo e chega à conclusão de que terá que trabalhar por mais tempo e poupar muito mais do que havia imaginado antes. Mas tudo bem, vamos acompanhar a saga de nosso herói.

Para facilitar a conta e manter os números redondos, vamos fazer de conta que, nos próximos trinta anos, a inflação será zero e um milhão continuará valendo um milhão. Pedrinho então pega sua fortuna e aplica a regra dos 4%, que diz que ele pode usar 4% de seu patrimônio acumulado no primeiro ano de aposentadoria.

Então:   R$ 1.000.000,00 X 4% = R$ 40.000,00

R$ 40.000,00/12 meses = R$ 3.333,33 por mês

Uhmmmm… Isso não é nada animador. Pedrinho mais uma vez coloca a mão na cabeça e refaz as contas, afinal não faz sentido acumular um milhão com tanto sacrifício para ganhar menos que na previdência pública.

Se voltarmos a considerar a inflação, esses R$ 3.333,33 viram o equivalente a menos de R$ 1,4 mil. Ontem, Pedrinho sonhava com um cruzeiro de volta ao mundo na aposentadoria, mas esta noite ele vai ter um pesadelo com o Titanic…

Mas Pedrinho não se dá por vencido. Ele é brasileiro e não desiste nunca! “Vou fazer a conta ao contrário!” pensa ele. “Quero me aposentar ganhando dez mil por mês (120 mil reais por ano) – fora a parte da previdência pública, de quanto precisarei?”.

R$ 120.000,00 / 0,04 = R$ 3.000.000,00

Xiiii… Três milhões… Complicou! E se considerarmos a inflação, vamos para mais de sete milhões! Neste momento Pedrinho pensa “mas como é que esses americanos conseguem se aposentar?”. Subitamente ele descobre porque a aposentadoria é a maior fonte de stress financeiro entre funcionários de empresas nos EUA (falei sobre isso em meu artigo anterior).

Ou seja, se considerarmos retornos financeiros típicos de uma economia desenvolvida (algo que poderemos conhecer aqui no Brasil em breve) e uma inflação super-duper-hiper otimista de 3% ao ano, o indivíduo que quiser se aposentar com “dez paus por mês” (além da parte do INSS) vai ter que acumular a bagatela de sete milhões de reais. Além disso, vai ter que torcer para não durar mais que trinta anos após a aposentadoria (“maldita expectativa de vida que não para de subir!”) e também torcer para o tal Wade Pfau estar errado nas contas dele, senão pode ir tratando de dobrar esse valor…