Exame.com
Continua após a publicidade

Que nada nos limite

Diversos estudos comprovam a importância da presença das mulheres em organizações. Mas, apesar de argumentos sólidos, nossa lacuna na diversidade de gênero ainda é enorme

Amaro: Dia do Trabalho Invisível aborda dupla jornada das mulheres (MoMo Productions/Getty Images)
Amaro: Dia do Trabalho Invisível aborda dupla jornada das mulheres (MoMo Productions/Getty Images)
V
Viviane Martins

Publicado em 9 de março de 2021 às, 16h35.

Dia Internacional da Mulher, dia para reflexão de homens e mulheres sobre o mundo que estamos construindo. No âmbito das organizações, uma grande oportunidade.

Diversos estudos nacionais e internacionais comprovam a importância da presença das mulheres em organizações. Empresas com pelo menos 30% de mulheres em posições de liderança alcançam lucros 15% maiores. Para além dos resultados econômico-financeiros, a diversidade aumenta a capacidade de inovação e é um tema estratégico para a gestão ao refletir a orientação social nas práticas ESG (Environmental, Social and Governance) das organizações.

Apesar desses argumentos sólidos, nossa lacuna na diversidade de gênero é enorme. Segundo o Fórum Econômico Mundial, o Brasil está em 92º lugar, atrás de diversos países da América Latina. Os dados do International Business Report (IBR) – Women in Business 2020 mostram estagnação em 2020, após termos observado em 2019 a maior proporção de mulheres em cargos de liderança já registrada no IBR, com 29%; os resultados de 2020 permanecem em torno dessa mesma marca. Nunca ultrapassamos os 30%, que é visto como o ponto de inflexão e participação mínima de mulheres em posição de liderança, sugerida como meta inicial pelo Pacto Global da ONU às empresas.

Para aquelas mulheres que galgaram os obstáculos e chegaram a posições de liderança, infelizmente ser a única presença feminina em reuniões de trabalho, no relacionamento com clientes ou mesmo em conselhos de administração, torna-se um hábito ao qual nos adaptamos, mas que não devemos nos acostumar. O primeiro passo para a solução de um problema é o reconhecimento de sua existência e extensão.

Além da baixa presença de mulheres em posições de liderança, salários são uma questão crítica. A ONU estima que as disparidades salariais entre homens e mulheres chegam a 23% no globo. No Brasil, após sete anos de quedas consecutivas, em 2019 houve um aumento da diferença dos salários de mulheres e homens de 9,2% em relação ao ano anterior. A disparidade chega a quase 50%, com 47,24% de diferença, com homens ganhando em média 3.946 reais e mulheres, 2.680 reais. Tudo isso sem explicação lógica, pois as mulheres têm um nível de escolaridade mais alto que os homens.

Um dos maiores desafios enfrentados pelas empresas em toda a sua jornada, a pandemia, tende a piorar também a diversidade. Embora a presença de conselheiras tenha ajudado a aproximar o Conselho da liderança nas organizações, a pandemia pode estar acentuando uma discriminação latente no mercado de trabalho, com dificuldade de colocação para mães com filhos pequenos. Mais uma vez, sem uma explicação lógica, uma vez que mães são tão ou mais produtivas que pessoas sem filhos. Talvez algumas mulheres tenham seguido carreiras escolhidas por oferecerem barreiras mais baixas à presença feminina, mas outras não tiveram muita escolha diante das dificuldades de sobrevivência. Isto é um dos fatores que nos ajuda a compreender a presença feminina no empreendedorismo e na chefia de famílias.

Todo esse cenário parece desanimador, mas não para aquelas que enfrentam as múltiplas jornadas, se desafiam a vencer em ambientes preconceituosos, machistas e negacionistas até dos problemas que mostramos em fatos e dados. A motivação vem da nossa natureza multifuncional, da nossa capacidade de desenvolvimento e de execução e da certeza do espaço que nos pertence por competência e direito. Nem para todas o sonho de se realizarem como profissionais, além do campo pessoal e do familiar, foi cultivado desde cedo, em famílias que perpetuavam a visão de que algumas atividades eram para homens. Já passa da hora de rompermos com estes preconceitos e incentivarmos a presença feminina em qualquer atividade que as mulheres almejarem, tais como engenharias e tecnologia, por exemplo.

Na tentativa de romperem barreiras em áreas com menor presença feminina ou em níveis executivos, algumas vezes as mulheres buscam estilos mais agressivos de atuação, em uma tentativa de se aproximarem dos homens e se colocarem de “igual para igual”. Ledo engano. A conquista das mulheres – e na verdade dos líderes em geral, não está relacionada com a agressividade, mas com sua capacidade de bater metas, com seu time, fazendo o certo. Ética, habilidades de comunicação e visão sistêmica, são imprescindíveis a qualquer líder.

A adoção de políticas de incentivo à permanência de mães nas organizações, com adoção de flexibilidade de horários, auxílios creche, reconhecimentos e promoções por mérito, e não se o profissional em questão tem ou não filhos, por exemplo, apoia a retenção das mulheres ao longo das carreiras. O compromisso com metas de presença feminina nos times e na liderança por cada empresa é o começo de uma mudança, que está sendo impulsionada pelo setor de fundos de investimentos, que considera, corretamente, o tema como parte do desenvolvimento sustentável. Estes fundos começam a priorizar empresas com presença mínima de mulheres em conselhos de administração e com compromissos com a diversidade. Para enfrentarmos este problema, métricas, metas e ações concretas são o caminho para o melhor resultado que desejamos, que é a equidade.

Como mulher, convido as mulheres a nos inspirarmos umas nas outras e a refletirmos sobre o que Simone de Beauvoir disse há tantas décadas, mas que continua tão atual, “Que nada nos limite. Que nada nos defina. Que a liberdade seja nossa própria substância”, para que sejamos protagonistas de nosso futuro. Aos homens, o convite para fazerem parte da construção de um mundo melhor para todos.