Foto do Papai Noel (Getty Images/Getty Images)
Viviane Martins
Publicado em 26 de dezembro de 2022 às 10h15.
Figura onipresente nas campanhas publicitárias e nas lojas, tanto físicas quanto online, fico imaginando como seria a vida de Papai Noel como executivo. Hoje, certamente, já estaria às voltas com trocas e devoluções, tendo de encarar os muitos desafios de logística reversa em uma operação global como a sua. A agenda não seria muito diferente daquela de muitos executivos à frente de megaoperações. Boa parte dos últimos meses, Noel teria passado em reuniões com as equipes dos departamentos financeiro, jurídico, comercial e de governança para alinhar as questões tributárias de cada estado ou país onde realiza entregas. Outra boa parcela teria sido dedicada às discussões sobre o mix de SKUs - como são conhecidos os itens em estoque à disposição dos consumidores.
Fico imaginando o quanto teriam sido complexas as suas negociações com fornecedores globais, pressionadas pelas flutuações cambiais. E o quão grande não teria sido sua apreensão com o risco de atraso na chegada das mercadorias, face ao impacto, na operação logística mundial, dos fenômenos climáticos, do conflito entre Rússia e Ucrânia e da política Covid-zero chinesa. Na outra ponta, com inflação crescente nos diferentes países onde atua, teria também enfrentado o desafio da precificação que aumentou a dificuldade de os empresários calcularem suas margens naquele que é um dos três períodos mais importantes do ano, junto a Black Friday e ao Dia das Mães. Sem contar, claro, a questão de segurança de informação e cybersegurança, visto que cada carta que chega no seu correio (físico e eletrônico) contém dados altamente sensíveis.
À esta altura, Noel também teria de estar apto a colocar em prática um plano robusto para recolher, encaminhar e reaproveitar os resíduos das festas de Natal, e já teria garantido a redução da emissão de carbono ao longo de toda a cadeia. Assim já poderia focar no controle de estoque e verificar quais as apostas que não trouxeram as vendas esperadas, para poder responder à pergunta clássica, para evitar maiores custos financeiros refletindo um centro de distribuição abarrotado: hora de promoção?
A reflexão é uma brincadeira, claro, mas serve para dimensionar o tamanho e a complexidade dos desafios das corporações no mundo real. Questões como logística reversa, complexidade tributária, dimensionamento de estoques, negociações com fornecedores e pressão inflacionária são temas recorrentes na pauta dos empresários, e em um ano de tantos desafios inesperados no cenário econômico, o Natal deste ano não foi nada fácil. Basta olhar o que está por trás do aumento acelerado do preço da rabanada e das roupas, que na mesa da ceia e nas embalagens de presentes, são dois clássicos natalinos.
Para os assustados com o preço para fazer uma prosaica rabanada, fatias de pão mergulhadas em mistura de ovo e leite e depois fritas, pesquisa divulgada semana passada pela XP lembrou que o grupo que reúne o leite e seus derivados apresentou alta de 26% nos preços (o do leite in natura, quase 40%) e o preço dos ovos aumentou quase 20%. E aquele que, volta e meia, surge como a grande vítima da pressão inflaciona e, desta vez, do momento caótico no mercado do trigo, pressionado pela guerra na Ucrânia, o pãozinho francês ficou cerca de 18% mais caro. Aqueles que invariavelmente escolhem meia, camisa ou cueca para dar de presente ao pai, avô ou tio, também olharam as etiquetas de preços como se estivessem vendo o Grinch, o vilão natalino das histórias infantis. Refletindo, entre os muitos outros fatores entrecruzados, o aumento de 150% no preço algodão, as roupas masculinas ficaram 20,9% mais caras, contabilizaram os analistas da XP.
Retomando o gancho da operação natalina do Papai Noel para nos aprofundarmos nos desafios da logística no país, é importante lembrar que o tema ganha novos contornos e ainda mais complexidade quando sua estrada se unifica com a das temáticas ESG. Além dos velhos e conhecidos gargalos logísticos do país, no Brasil Noel teria percebido o quanto as empresas precisam aceleram seus processos para buscar o net-zero (abreviatura para a expressão, em inglês, "net zero carbon emissions", que visa a redução das emissões de carbono ao longo de toda a cadeia de valor - inclusive em atividades como aquisição de matérias-primas, destinação de resíduos, transporte e distribuição de produtos.
Vale destacar outro ponto de destaque nessa rota: a reciclagem. Instrumento básico de uma economia mais sustentável, o Brasil ainda tem muito a percorrer quando se discute a cultura do descarte correto e a da reciclagem. Reaproveitamento, valor agregado e transformação cultural são temas que norteiam uma operação em prol desse movimento. Afinal, não é simples operar o escoamento e a coleta dos produtos depois do consumo, principalmente em um país de características continentais. Também não é fácil determinar quem paga o preço na solução do desafio. Um dos grandes questionamentos da logística reversa, ainda é preciso que as entidades se organizem para desenhar uma cadeia completa de reaproveitamento, de forma que os custos dessa operação estejam embutidos no valor final dos produtos e serviços adquiridos pelos consumidores. E, finalmente, definir como agregar valor na revenda de materiais recicláveis, seja por meio de incentivos fiscais ou econômicos, para a reinserção desses produtos na cadeia.
Com a questão ambiental cada vez mais sensibilizando e se tornando o centro das atenções de diferentes stakeholders, inclusive do consumidor, é hora de transformar discursos em ações de impacto, permeando o modelo de negócio, a estratégia, os processos e a tomada de decisão, integrando-se efetivamente na gestão. É, Noel, se eu tivesse de lhe enviar uma cartinha pós-Natal, eu lhe pediria para patrocinar o tema da economia circular, lembrando as empresas que é preciso avançar, de forma pragmática, em políticas que permitam, quem sabe, que a embalagem ou o produto descartado hoje, poderá retornar para a sociedade na forma de um produto reciclável embalado para alegrar o próximo Natal.