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As dores do crescimento dos unicórnios

"Depois do encantamento inicial de produtos e serviços inovadores e disruptivos, as startups enfrentam as dores do crescimento"

Startups: "Unicórnios são raros, mas já temos sim alguns exemplares verde e amarelo" (Germano Lüders/Exame)
Startups: "Unicórnios são raros, mas já temos sim alguns exemplares verde e amarelo" (Germano Lüders/Exame)
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Viviane Martins

Publicado em 1 de dezembro de 2021 às, 18h17.

Por Viviane Martins

Unicórnios são startups que superam 1 bilhão de dólares em valor de mercado, avaliadas ao receberem aportes, serem compradas ou abrirem capital. O Brasil estreou nesse seleto grupo em janeiro de 2018 com a 99 Táxi e, atualmente, contamos com mais de 20 empresas que chegaram a esse patamar, várias delas ligadas ao mercado financeiro.

Muito se discute sobre as dificuldades, erros e acertos da transformação de empresas que nasceram antes da era digital, com modelos de negócios tradicionais, que buscam a transformação digital e cultural, acelerada no período recente. Porém, pouco se fala sobre as dores do crescimento de empresas nato-digitais, com modelos de negócio baseados em tecnologia, como são os unicórnios.

Há algumas semanas, tivemos a oportunidade de passar uma manhã com o time de liderança sênior de um dos unicórnios brasileiros. Os rostos estavam tensos, pouco lembravam o ambiente descontraído e colorido que muitas vezes estereotipam as startups. Os executivos buscavam ajuda para enfrentar alguns problemas que estavam custando caro para a empresa, tanto em resultado quanto em valor de mercado. Os relatos que ouvimos traziam frustrações dos times com entregas que não estavam sendo bem-sucedidas, produtos que sofriam da baixa integração entre áreas, levando as pessoas à exaustão, ao baixo engajamento e ao aumento da rotatividade do time.

Esse cenário negativo no pilar de pessoas agrava ainda mais dificuldades de inovação e de operação, pois empresas de crescimento exponencial comumente não estruturam processos e rotinas na mesma velocidade, creditando seu funcionamento apenas ao conhecimento e relacionamento entre as pessoas. Com a alta rotatividade do time, essa tática se mostra insustentável. E isso em geral ocorre quando a empresa está saindo de um cenário bem-sucedido monoproduto, indo para uma oferta de portfolio mais amplo, que se por um lado explora as oportunidades laterais ou mesmo multidimensionais a partir da atuação do seu negócio essencial, por outro expõe dificuldades básicas de gestão, com destaque para a falta de alinhamento.

Por menos atraente que possa parecer, organização, processos e rotinas são necessários também em empresas nato digitais, pois garantem a qualidade da entrega dos produtos e serviços inovadores de maneira segura e com a melhor experiência ao cliente. Uma falha grave em processos críticos pode resultar em danos econômicos, reputacionais ou mesmo legais, e colocar toda a disrupção prometida a perder. Importante destacar que esses três pilares de gestão devem servir de alicerce para o crescimento sem desacelerar o crescimento ou impactar a cultura ágil dos unicórnios. Não há conflito nem incoerência aqui, porque inovação prevê, em sua semântica, execução para tirar o modelo de negócios e as estratégias do papel.

Construir processos e rotinas pode ser então considerada a solução para todas as dores do crescimento? Não, infelizmente, não é tão simples assim. Essa é uma etapa importante, deve ser feita na medida da necessidade, mas é insuficiente. Um fator chave adicional é o alinhamento. E isso se dá em duas dimensões. Primeiro, o alinhamento dos processos em si, assegurando que as interfaces entre os mesmos contribuam para a geração de valor, evitando silos entre áreas, controles desnecessários, atritos, retrabalhos e potenciais falhas no produto ou serviço. Segundo o alinhamento entre pessoas. Este patamar somente é alcançado quando todos sabem o que é esperado de sua atuação e como esta impacta ou contribui para o resultado final a ser alcançado. Independente de siglas, essa é a função do desdobramento de metas e objetivos que envolva a organização como um todo, fazendo com que o crescimento acelerado dos unicórnios esteja assentado em sistemáticas sólidas de gestão e governança, que lhes permitirá sair do estágio monoproduto para a complexidade de portfolios mais amplos, times muito maiores e mais dispersos. Alinhadas, as pessoas podem resgatar seu empoderamento e motivação.

A conclusão que confirmamos ao ouvir de líderes, outrora supermotivados, atraídos pelas oportunidades de construção de negócios e patrimônio, agora cabisbaixos por verem seus times “baterem a cabeça, sem conseguirem entregar”, é resultado do pensamento equivocado de que gestão é algo apenas para negócios tradicionais. Gestão é algo básico para toda e qualquer organização, devendo ser modelada sob medida para as necessidades de cada empresa, de sua estratégia e cultura, sem nunca perder de vista o objetivo maior de perenização do negócio e da geração de impacto positivo na sociedade.