Reconhecimento, aliás, é a melhor forma de virarmos 2020 (Klaus Vedfelt/Getty Images)
Viviane Martins
Publicado em 10 de dezembro de 2020 às 07h30.
Última atualização em 10 de dezembro de 2020 às 08h42.
2020 foi um ano único, intenso e tenso, sob todos os aspectos. Muita ansiedade, riscos, dificuldades e muita incerteza. Mas como não há dificuldade que não chegue ao fim, vamos virar essa página. Comecemos pelo desafio de não empregar as três palavras mais faladas e amargas deste momento: crise, coronavírus e pandemia. O propósito aqui não é o negacionismo, nem minimizar a perda de milhares de vidas, mas tentar olhar para a frente e planejar o próximo ano, porque a chance de um recomeço está a poucos dias de distância.
Olhando pelo retrovisor, o papel do líder neste ano pode ser comparado com dirigir um carro em meio a uma tempestade fortíssima, com pouca ou nenhuma visibilidade, e faróis baixos. Em alguns momentos, com um farol apenas, ou como em paralelo a alguns setores da economia, sem farol algum no horizonte. Isso, sem descuidar do time e com a missão de atravessar o temporal em segurança, sobrevivendo e buscando oportunidades de se reinventar. Tivemos períodos do ano em que a tempestade diminuiu um pouco sua intensidade mas, em grande parte do trajeto, o líder se adaptou à pouca visibilidade, reduziu a marcha, gerenciou melhor os riscos e entendeu de forma definitiva que, sem o time ao seu lado, não chegaria a lugar algum. O ano encerra, de uma maneira geral, com resultados um pouco piores do que em anos anteriores, mas um pouco melhor do que se imaginava no início da tempestade.
Hora de levantar o farol e se preparar para retomar as estratégias. Não é mera coincidência que o retrovisor é muitas vezes menor do que o para-brisas. Líder que não olha adiante, que não alinha o time em direção a um objetivo comum e que organiza seus recursos para chegar lá, não será o piloto de longas jornadas transformadoras e cheias de conquistas. Pode parecer ultrapassado falar sobre estratégia, talvez do modo mais tradicional, sim, mas estratégias bem pensadas e executadas levaram algumas organizações a se destacar em seus setores nestes tempos atípicos em que vivemos.
Tudo começa pelo propósito, para que a organização existe, o que tem o poder de inspirar as pessoas. A partir do propósito, os grandes objetivos devem traduzir de forma concreta o como esse fim pode ser alcançado. E é daí que nascem as metas estratégicas. E, atualmente, não se admite que as metas estratégicas sejam baseadas apenas em resultados financeiros e direcionadas aos acionistas. É preciso contemplar de fato todas as partes interessadas, destacando-se aqui a sociedade como um todo. As práticas ESG (Environmental, Social and Governance) ajudam a traduzir com uma visão sistêmica os objetivos de desenvolvimento sustentável e de perenização da organização. Tais práticas não constituem uma única ação estratégica per si, mas permeiam toda a estratégia e o modelo de negócio. A coerência entre propósito, modelo de negócio e estratégia indica quão bem a organização entende o que é valor para as diversas personas que compõem seu grupo de clientes, determinando o quão longe a organização pode ir, o quão inovadora ela pode ser e como ela pode engajar as pessoas.
O fator humano nunca pode ficar de fora da equação, visto que são as pessoas que tiram, no dia a dia, a estratégia do papel por meio da execução e da avaliação crítica sobre o que funciona e o que não deu certo, que geram os ciclos de aprendizado que alimentam a transformação. Um dos aprendizados relevantes deste período é sobre como as habilidades humanas (ou human skills) são essenciais. Se a definição dessas habilidades é ainda incerta, sentimos na pele nossos conhecimentos e atitudes sendo desafiados, em termos de comunicação, de criatividade, do fazer mais com menos, da capacidade de construir relacionamentos e parcerias, de negociação, de adaptabilidade, enfim. Todas essas habilidades devem ser desenvolvidas não apenas nos líderes, mas no time todo, combinando as necessidades do indivíduo com os resultados coletivos. Aliás, a era de treinamentos massivos e maçantes deve ficar para trás. Pergunte-se por que os membros do seu time são capazes de se viciarem em séries consumidas pelo streaming, mas não conseguem concluir seus módulos de treinamento à distância. A resposta está em compreender a diferença entre desenvolvimento e treinamento, em reconhecer que as pessoas partem com bagagens e trajetórias diferentes, ainda que queiram chegar a um objetivo comum, em oferecer para as pessoas oportunidades de colocar em prática o aprendizado. Afinal, animais podem ser treinados para repetirem tarefas, humanos aprendem, se desenvolvem e criam.
A cultura entra como um amálgama, conectando todos esses fatores, da estratégia, a execução, o desenvolvimento e a transformação junto ao propósito. É ela quem representa o modo de agir de uma organização, como ela vivencia seus valores. Manter uma cultura coesa, que estimula a cooperação em tempos de trabalho remoto não é tarefa fácil. Não podemos limitar nosso convívio a apenas aos participantes das frequentes reuniões de solução de problemas, muito eficientes, mas nem sempre criativas. É preciso promover a interação, ainda que virtual, com a organização, para fomentar reconhecimentos, trocas e compartilhamentos, e é fundamental para alimentar a cultura.
Reconhecimento, aliás, é a melhor forma de virarmos 2020. Isso vai além da discussão de formato, se será uma live, um show virtual que substituirá a tradicional festa de fim de ano, ou apenas o envio de mensagens personalizadas. O que não pode faltar é gratidão por termos atravessado a tempestade, pelo time que acreditou e que apoiou, e a reflexão sobre a experiência que leva à maturidade e a cometer erros novos. A chuva não passou, mas sabemos que podemos nos adaptar. E isso é uma boa notícia!