O presente eleitoral de Trump para a China
Uma prolongada batalha judicial prejudicaria de modo irreparável a democracia americana — para deleite do Partido Comunista
Thiago Lavado
Publicado em 2 de novembro de 2020 às 20h09.
Para a China, por incrível que pareça, o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump , é um presente sem fim. Sua calamitosa resposta à pandemia do COVID-19 fez com que a China, cujo governo inicialmente controlou mal o surto em janeiro deste ano, viesse a parecer um exemplo de governança eficaz. Além disso, a política externa “EUA em Primeiro Lugar” de Trump alienou tradicionais aliados dos EUA, tornando difícil construir uma ampla coalizão para combater a China.
Por certo, Trump desferiu dolorosos golpes no presidente chinês Xi Jinping. Suas guerras comerciais e tecnológicas estão destruindo as relações comerciais entre EUA e China, e o apoio de seu governo a Taiwan enfureceu os líderes chineses. Mas enquanto os eleitores americanos se preparam para ir às urnas em 3 de novembro, Trump aparentemente tem mais um presente para dar a Xi: um colapso eleitoral.
Na corrida para este referendo sobre sua presidência, repetidamente, Trump tem se recusado a se comprometer a aceitar o resultado inequivocamente. Ele usou de seu púlpito presidencial para tentar deslegitimar o voto pelo correio, e até sugeriu que a Suprema Corte dos EUA, que agora tem maioria conservadora de 6-3 após a confirmação pelo Senado em 26 de outubro da recente nomeada de Trump, Amy Coney Barrett, interviria e presumivelmente daria a ele um segundo mandato.
Recentes pesquisas de opinião apontam para uma clara vitória para o desafiante democrata de Trump, o ex-vice-presidente Joe Biden. Mas a disputa presidencial provavelmente ficará mais acirrada e – mesmo que Trump fique atrás de Biden na votação popular geral – o resultado nos estados-pêndulos – que irá determinar o vencedor no Colégio Eleitoral pode estar perto demais para uma apelação na noite da eleição. Isso criaria uma oportunidade para Trump – e o Partido Republicano – usarem seu controle de muitas engrenagens de poder para se agarrar à Casa Branca.
Embora os cenários de pesadelo de uma prolongada batalha pós-eleitoral possam variar, qualquer um deles prejudicaria de modo irreparável a democracia dos Estados Unidos – para deleite do Partido Comunista da China.
No nível ideológico, um colapso eleitoral nos Estados Unidos, com amargos confrontos políticos e intermináveis litígios, seria uma propaganda fantástica para o PCC. Os líderes chineses apontariam a turbulência política dos EUA como sintoma de seu terminal declínio. A incompetente gestão de Trump durante a pandemia já fez do país um objeto de pena em todo o mundo. Se ele cumprir as ameaças de desafiar a vontade dos eleitores dos EUA, o apelo da democracia americana para as pessoas que vivem sob ditaduras, inclusive na China, seria eviscerado. Se grupos de milícias fortemente armados de extrema direita se envolverem em intimidação de eleitores em grande escala e confrontos mortais ocorrerem nos Estados Unidos em 3 de novembro, a mídia estatal chinesa transmitirá alegremente essas cenas apocalípticas para todos os lares chineses.
A China poderia se beneficiar ainda mais se Trump emergisse como vencedor de uma eleição contestada – uma perspectiva provável, dadas as arcaicas e complexas regras que regem as eleições presidenciais dos EUA e o papel potencialmente decisivo da Suprema Corte.
Embora um governo Trump em segundo mandato aperte ainda mais os torniquetes militares e tecnológicos em torno da China, a continuação de sua presidência seria uma bênção para o regime de Xi. Para começar, a maioria dos americanos verá em Trump um presidente ilegítimo se ele perder o voto popular – como agora parece quase certo. Pior ainda, o país pode mergulhar em uma guerra civil política se ele ganhar um segundo mandato por meio da maciça abstenção de eleitores, manobras políticas duvidosas por legislaturas controladas pelos republicanos em estados-pêndulo como Pensilvânia, Wisconsin e Flórida, bem como por decisões partidárias de juízes nomeados por Trump e abuso direto da autoridade executiva. No último exemplo deste abuso, Trump convocou o Departamento de Justiça para investigar Biden e seu filho, Hunter, após um recente relatório do New York Post ter gerado alegações infundadas sobre os negócios de Hunter Biden.
Embora democratas e republicanos considerem a China a mais séria ameaça para os Estados Unidos, é de se perguntar como os EUA poderiam efetivamente travar uma nova guerra fria contra a China enquanto estão mergulhados em uma guerra civil política e liderados por um chefe do executivo que mais da metade do eleitorado considera ilegítimo. No mínimo, uma maior intensificação da polarização partidária tornaria impossível para o país reconstruir sua força em casa por meio de investimentos em saúde, educação, pesquisa científica, energia limpa e infraestrutura – todos esses urgentemente necessários, para conseguir manter vantagem competitiva do país sobre a China.
Internacionalmente, um segundo mandato do governo Trump inaugurado por meios não democráticos aumentaria o abismo entre os EUA e seus aliados liberais democráticos tradicionais. A continuação da política externa “América em Primeiro Lugar” de Trump tornaria mais difícil para os EUA forjar uma ampla coalizão anti-China. Com a erosão da democracia americana provavelmente se acelerando em um segundo mandato de Trump, os diplomatas americanos achariam um desafio persuadir outros líderes ocidentais de que eles deveriam se juntar ao homem forte autocrático da América em uma cruzada ideológica contra o homem forte autocrático da China.
A sabedoria popular acredita que os líderes da China prefeririam uma vitória de Biden. Embora a China possa então enfrentar um Ocidente mais unificado, um governo Biden seria mais previsível e aberto à cooperação em mudanças climáticas e saúde pública global. Mas a perspectiva dos EUA paralisados por uma crise de ilegitimidade política em casa e afastada de seus aliados no exterior pode ser ainda mais atraente para o PCC.
Minxin Pei é Professor de Assuntos Governamentais na Faculdade Claremont McKenna e Membro Não Residente do German Marshall Fund dos Estados Unidos. É autor do livro China’s Crony Capitalism . (Capitalismo Clientelista da China) e primeiro Presidente da Biblioteca do Congresso nas Relações EUA-China .
Para a China, por incrível que pareça, o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump , é um presente sem fim. Sua calamitosa resposta à pandemia do COVID-19 fez com que a China, cujo governo inicialmente controlou mal o surto em janeiro deste ano, viesse a parecer um exemplo de governança eficaz. Além disso, a política externa “EUA em Primeiro Lugar” de Trump alienou tradicionais aliados dos EUA, tornando difícil construir uma ampla coalizão para combater a China.
Por certo, Trump desferiu dolorosos golpes no presidente chinês Xi Jinping. Suas guerras comerciais e tecnológicas estão destruindo as relações comerciais entre EUA e China, e o apoio de seu governo a Taiwan enfureceu os líderes chineses. Mas enquanto os eleitores americanos se preparam para ir às urnas em 3 de novembro, Trump aparentemente tem mais um presente para dar a Xi: um colapso eleitoral.
Na corrida para este referendo sobre sua presidência, repetidamente, Trump tem se recusado a se comprometer a aceitar o resultado inequivocamente. Ele usou de seu púlpito presidencial para tentar deslegitimar o voto pelo correio, e até sugeriu que a Suprema Corte dos EUA, que agora tem maioria conservadora de 6-3 após a confirmação pelo Senado em 26 de outubro da recente nomeada de Trump, Amy Coney Barrett, interviria e presumivelmente daria a ele um segundo mandato.
Recentes pesquisas de opinião apontam para uma clara vitória para o desafiante democrata de Trump, o ex-vice-presidente Joe Biden. Mas a disputa presidencial provavelmente ficará mais acirrada e – mesmo que Trump fique atrás de Biden na votação popular geral – o resultado nos estados-pêndulos – que irá determinar o vencedor no Colégio Eleitoral pode estar perto demais para uma apelação na noite da eleição. Isso criaria uma oportunidade para Trump – e o Partido Republicano – usarem seu controle de muitas engrenagens de poder para se agarrar à Casa Branca.
Embora os cenários de pesadelo de uma prolongada batalha pós-eleitoral possam variar, qualquer um deles prejudicaria de modo irreparável a democracia dos Estados Unidos – para deleite do Partido Comunista da China.
No nível ideológico, um colapso eleitoral nos Estados Unidos, com amargos confrontos políticos e intermináveis litígios, seria uma propaganda fantástica para o PCC. Os líderes chineses apontariam a turbulência política dos EUA como sintoma de seu terminal declínio. A incompetente gestão de Trump durante a pandemia já fez do país um objeto de pena em todo o mundo. Se ele cumprir as ameaças de desafiar a vontade dos eleitores dos EUA, o apelo da democracia americana para as pessoas que vivem sob ditaduras, inclusive na China, seria eviscerado. Se grupos de milícias fortemente armados de extrema direita se envolverem em intimidação de eleitores em grande escala e confrontos mortais ocorrerem nos Estados Unidos em 3 de novembro, a mídia estatal chinesa transmitirá alegremente essas cenas apocalípticas para todos os lares chineses.
A China poderia se beneficiar ainda mais se Trump emergisse como vencedor de uma eleição contestada – uma perspectiva provável, dadas as arcaicas e complexas regras que regem as eleições presidenciais dos EUA e o papel potencialmente decisivo da Suprema Corte.
Embora um governo Trump em segundo mandato aperte ainda mais os torniquetes militares e tecnológicos em torno da China, a continuação de sua presidência seria uma bênção para o regime de Xi. Para começar, a maioria dos americanos verá em Trump um presidente ilegítimo se ele perder o voto popular – como agora parece quase certo. Pior ainda, o país pode mergulhar em uma guerra civil política se ele ganhar um segundo mandato por meio da maciça abstenção de eleitores, manobras políticas duvidosas por legislaturas controladas pelos republicanos em estados-pêndulo como Pensilvânia, Wisconsin e Flórida, bem como por decisões partidárias de juízes nomeados por Trump e abuso direto da autoridade executiva. No último exemplo deste abuso, Trump convocou o Departamento de Justiça para investigar Biden e seu filho, Hunter, após um recente relatório do New York Post ter gerado alegações infundadas sobre os negócios de Hunter Biden.
Embora democratas e republicanos considerem a China a mais séria ameaça para os Estados Unidos, é de se perguntar como os EUA poderiam efetivamente travar uma nova guerra fria contra a China enquanto estão mergulhados em uma guerra civil política e liderados por um chefe do executivo que mais da metade do eleitorado considera ilegítimo. No mínimo, uma maior intensificação da polarização partidária tornaria impossível para o país reconstruir sua força em casa por meio de investimentos em saúde, educação, pesquisa científica, energia limpa e infraestrutura – todos esses urgentemente necessários, para conseguir manter vantagem competitiva do país sobre a China.
Internacionalmente, um segundo mandato do governo Trump inaugurado por meios não democráticos aumentaria o abismo entre os EUA e seus aliados liberais democráticos tradicionais. A continuação da política externa “América em Primeiro Lugar” de Trump tornaria mais difícil para os EUA forjar uma ampla coalizão anti-China. Com a erosão da democracia americana provavelmente se acelerando em um segundo mandato de Trump, os diplomatas americanos achariam um desafio persuadir outros líderes ocidentais de que eles deveriam se juntar ao homem forte autocrático da América em uma cruzada ideológica contra o homem forte autocrático da China.
A sabedoria popular acredita que os líderes da China prefeririam uma vitória de Biden. Embora a China possa então enfrentar um Ocidente mais unificado, um governo Biden seria mais previsível e aberto à cooperação em mudanças climáticas e saúde pública global. Mas a perspectiva dos EUA paralisados por uma crise de ilegitimidade política em casa e afastada de seus aliados no exterior pode ser ainda mais atraente para o PCC.
Minxin Pei é Professor de Assuntos Governamentais na Faculdade Claremont McKenna e Membro Não Residente do German Marshall Fund dos Estados Unidos. É autor do livro China’s Crony Capitalism . (Capitalismo Clientelista da China) e primeiro Presidente da Biblioteca do Congresso nas Relações EUA-China .