Os 20 anos dos BRICs
Apesar de uma frustrante década para Brasil e Rússia, ainda é possível que o grupo BRIC possa se tornar tão grande quanto o G7 na próxima geração
Karina Souza
Publicado em 18 de janeiro de 2021 às 17h20.
Última atualização em 18 de janeiro de 2021 às 17h21.
O mês de novembro deste ano marcará o 20º aniversário da sigla BRIC que cunhei para capturar o potencial econômico do Brasil, Rússia, Índia e China. Muitos comentaristas revisitarão o conceito e avaliarão o desempenho de cada país desde 2001, então aqui estão minhas próprias ideias sobre o assunto.
Em primeiro lugar, e ao contrário das constantes sugestões, o principal ponto de meu artigo original de novembro 2001 , “O mundo precisa de BRICs melhores”, não era nem uma previsão de crescimento ilimitado para essas economias, tampouco para promover um novo conceito de marketing para fundos de investimento. Como qualquer pessoa que ler o artigo saberá, o argumento central era que o provável crescimento do PIB relativo dessas economias teria importantes implicações para os acordos de governança global.
Como 2001 era o terceiro ano desde a introdução do euro, argumentei que os grandes países europeus – a saber França, Alemanha e Itália – deveriam ser representados coletivamente e não individualmente, no G7, no Fundo Monetário Internacional e outras organizações, abrindo espaço para as potências econômicas mundiais em ascensão. A seguir, delineei quatro cenários diferentes de como a economia global poderia ser em 2010, três dos quais conjeturavam que a participação dos quatro BRICs no PIB global seria maior.
No caso, a década de 2000-10 acabou sendo absoluta e relativamente melhor para cada BRIC do que eu havia previsto em qualquer um dos meus cenários. Mas, até a crise financeira de 2008, não houve praticamente nenhuma mudança notável nas estruturas de governança global. E embora essa turbulência tenha resultado na criação das cúpulas do G20 e algumas reformas dentro do FMI e do Banco Mundial, é preocupante que um desastre econômico tenha sido necessário para efetuar até mesmo limitadas mudanças.
Um ano após a formação das cúpulas do G20, os BRICS acrescentaram a África do Sul e formaram seu próprio clube geopolítico. No entanto, embora esse fato tenha reforçado o conceito econômico original, não pareceu ter feito muito além disso. Pior, houve muito pouco progresso na frente da governança global desde então, mesmo em face de uma pandemia mortal.
Voltando à história econômica do BRIC, entre 2003 e 2011, meus colegas e eu fizemos várias projeções de como cada economia se sairia entre aquele momento e 2050. Esse trabalho também levou a alguns equívocos, sendo um deles que estávamos oferecendo um previsão concreta. Na verdade, o título de nosso artigo de 2003 , “Sonhando com os BRICs: o caminho para 2050”, deixou claro que estávamos imaginando um caminho possível e aspiracional, e certamente não previmos taxas de crescimento persistentemente fortes em todos os setores. Para a década de 2021-30, presumimos uma taxa real de crescimento do PIB (ajustado pela inflação) de menos de 5% ao ano para a China e sugerimos que apenas a Índia ainda estaria passando por um crescimento acelerado após 2020 (devido à sua forte densidade demográfica).
Ainda não sabemos os números do PIB de 2020 para as principais economias, mas o PIB real e nominal de 2020 da maioria dos países certamente será menor do que em 2019, e provavelmente de forma significativa no caso do Brasil, Índia e Rússia. A exceção será a China, cujo PIB provavelmente terá aumentado 5% ou mais em termos nominais (em dólares americanos), aumentando ainda mais sua participação no PIB global.
A pandemia vem no final de uma década (2011-20) que nem de longe foi tão fecunda quanto a primeira. As respectivas participações do Brasil e da Rússia no PIB global provavelmente estão de volta aos níveis de 2001. E embora a Índia tenha emergido como a quinta maior economia do mundo, ela sofreu vários anos difíceis. Somente a China teve um sucesso notável durante esse período. Com um PIB nominal de mais de US$ 15 trilhões, sua economia é cerca de 15 vezes maior do que era em 2001, o triplo do tamanho da Alemanha e do Japão e cinco vezes o tamanho do Reino Unido e da Índia. Com cerca de três quartos do tamanho dos Estados Unidos, sua economia caminha para se tornar a maior desta década em termos nominais, já tendo atingido esse limite em termos de paridade de poder de compra.
Apesar de uma frustrante década para Brasil e Rússia, ainda é possível que o grupo BRIC possa se tornar tão grande quanto o G7 na próxima geração. Se o comércio internacional, o investimento e os fluxos financeiros entre os países do BRIC e o resto do mundo continuarem, esse nível de crescimento será bom para todos.
Mas isso é uma grande incógnita. Muito dependerá de se conseguiremos reunir a liderança política para fortalecer a governança internacional e a abertura a que as democracias ocidentais há muito aspiram. Em termos dessas questões políticas, a segunda década dos BRICs foi difícil. As relações entre o Ocidente (EUA e Europa) e China e Rússia estão tão tensas como nunca estiveram em décadas, embora a recente conclusão de um acordo de investimento UE-China ofereça algumas boas notícias.
Espera-se que a chegada do governo do presidente eleito dos EUA, Joe Biden, e a presidência do G7 pela Grã-Bretanha compensem o tempo perdido. Parece haver algum ímpeto por trás da ideia de criar uma aliança maior dos Dez Democratas (D10), composta pelos membros do G7 além de Austrália, Índia e Coreia do Sul. De uma perspectiva ocidental, esse agrupamento traria óbvias vantagens geopolíticas e diplomáticas e poderia ajudar na governança do ciberespaço e da tecnologia; mas não está claro que propósito serviria para o resto do mundo.
Na verdade, um D10 pode suscitar mais perguntas que respostas. Por que não incluir outras democracias que já fazem parte do G20, como Brasil, Indonésia e México? Por que a Coreia do Sul gostaria de estar em um grupo que exclui a China, seu grande vizinho econômico, mas inclui o Japão, com o qual está frequentemente em disputas diplomáticas? Quão relevante poderia ser o D10 nos esforços para abordar as mudanças climáticas, a estabilidade e igualdade econômica global e questões como a distribuição de vacinas contra o COVID-19 e resistência antimicrobiana?
O que o mundo realmente precisa é o que pedimos em 2001: governança econômica global genuinamente representativa. Esperemos que haja um renovado desejo de seguir esse caminho sob a nova administração dos Estados Unidos.
*Jim O’Neill, ex-presidente da Goldman Sachs Asset Management e ex-ministro do Tesouro do Reino Unido, é presidente da Chatham House.
Direitos Autorais: Project Syndicate, 2021. www.project-syndicate.org
O mês de novembro deste ano marcará o 20º aniversário da sigla BRIC que cunhei para capturar o potencial econômico do Brasil, Rússia, Índia e China. Muitos comentaristas revisitarão o conceito e avaliarão o desempenho de cada país desde 2001, então aqui estão minhas próprias ideias sobre o assunto.
Em primeiro lugar, e ao contrário das constantes sugestões, o principal ponto de meu artigo original de novembro 2001 , “O mundo precisa de BRICs melhores”, não era nem uma previsão de crescimento ilimitado para essas economias, tampouco para promover um novo conceito de marketing para fundos de investimento. Como qualquer pessoa que ler o artigo saberá, o argumento central era que o provável crescimento do PIB relativo dessas economias teria importantes implicações para os acordos de governança global.
Como 2001 era o terceiro ano desde a introdução do euro, argumentei que os grandes países europeus – a saber França, Alemanha e Itália – deveriam ser representados coletivamente e não individualmente, no G7, no Fundo Monetário Internacional e outras organizações, abrindo espaço para as potências econômicas mundiais em ascensão. A seguir, delineei quatro cenários diferentes de como a economia global poderia ser em 2010, três dos quais conjeturavam que a participação dos quatro BRICs no PIB global seria maior.
No caso, a década de 2000-10 acabou sendo absoluta e relativamente melhor para cada BRIC do que eu havia previsto em qualquer um dos meus cenários. Mas, até a crise financeira de 2008, não houve praticamente nenhuma mudança notável nas estruturas de governança global. E embora essa turbulência tenha resultado na criação das cúpulas do G20 e algumas reformas dentro do FMI e do Banco Mundial, é preocupante que um desastre econômico tenha sido necessário para efetuar até mesmo limitadas mudanças.
Um ano após a formação das cúpulas do G20, os BRICS acrescentaram a África do Sul e formaram seu próprio clube geopolítico. No entanto, embora esse fato tenha reforçado o conceito econômico original, não pareceu ter feito muito além disso. Pior, houve muito pouco progresso na frente da governança global desde então, mesmo em face de uma pandemia mortal.
Voltando à história econômica do BRIC, entre 2003 e 2011, meus colegas e eu fizemos várias projeções de como cada economia se sairia entre aquele momento e 2050. Esse trabalho também levou a alguns equívocos, sendo um deles que estávamos oferecendo um previsão concreta. Na verdade, o título de nosso artigo de 2003 , “Sonhando com os BRICs: o caminho para 2050”, deixou claro que estávamos imaginando um caminho possível e aspiracional, e certamente não previmos taxas de crescimento persistentemente fortes em todos os setores. Para a década de 2021-30, presumimos uma taxa real de crescimento do PIB (ajustado pela inflação) de menos de 5% ao ano para a China e sugerimos que apenas a Índia ainda estaria passando por um crescimento acelerado após 2020 (devido à sua forte densidade demográfica).
Ainda não sabemos os números do PIB de 2020 para as principais economias, mas o PIB real e nominal de 2020 da maioria dos países certamente será menor do que em 2019, e provavelmente de forma significativa no caso do Brasil, Índia e Rússia. A exceção será a China, cujo PIB provavelmente terá aumentado 5% ou mais em termos nominais (em dólares americanos), aumentando ainda mais sua participação no PIB global.
A pandemia vem no final de uma década (2011-20) que nem de longe foi tão fecunda quanto a primeira. As respectivas participações do Brasil e da Rússia no PIB global provavelmente estão de volta aos níveis de 2001. E embora a Índia tenha emergido como a quinta maior economia do mundo, ela sofreu vários anos difíceis. Somente a China teve um sucesso notável durante esse período. Com um PIB nominal de mais de US$ 15 trilhões, sua economia é cerca de 15 vezes maior do que era em 2001, o triplo do tamanho da Alemanha e do Japão e cinco vezes o tamanho do Reino Unido e da Índia. Com cerca de três quartos do tamanho dos Estados Unidos, sua economia caminha para se tornar a maior desta década em termos nominais, já tendo atingido esse limite em termos de paridade de poder de compra.
Apesar de uma frustrante década para Brasil e Rússia, ainda é possível que o grupo BRIC possa se tornar tão grande quanto o G7 na próxima geração. Se o comércio internacional, o investimento e os fluxos financeiros entre os países do BRIC e o resto do mundo continuarem, esse nível de crescimento será bom para todos.
Mas isso é uma grande incógnita. Muito dependerá de se conseguiremos reunir a liderança política para fortalecer a governança internacional e a abertura a que as democracias ocidentais há muito aspiram. Em termos dessas questões políticas, a segunda década dos BRICs foi difícil. As relações entre o Ocidente (EUA e Europa) e China e Rússia estão tão tensas como nunca estiveram em décadas, embora a recente conclusão de um acordo de investimento UE-China ofereça algumas boas notícias.
Espera-se que a chegada do governo do presidente eleito dos EUA, Joe Biden, e a presidência do G7 pela Grã-Bretanha compensem o tempo perdido. Parece haver algum ímpeto por trás da ideia de criar uma aliança maior dos Dez Democratas (D10), composta pelos membros do G7 além de Austrália, Índia e Coreia do Sul. De uma perspectiva ocidental, esse agrupamento traria óbvias vantagens geopolíticas e diplomáticas e poderia ajudar na governança do ciberespaço e da tecnologia; mas não está claro que propósito serviria para o resto do mundo.
Na verdade, um D10 pode suscitar mais perguntas que respostas. Por que não incluir outras democracias que já fazem parte do G20, como Brasil, Indonésia e México? Por que a Coreia do Sul gostaria de estar em um grupo que exclui a China, seu grande vizinho econômico, mas inclui o Japão, com o qual está frequentemente em disputas diplomáticas? Quão relevante poderia ser o D10 nos esforços para abordar as mudanças climáticas, a estabilidade e igualdade econômica global e questões como a distribuição de vacinas contra o COVID-19 e resistência antimicrobiana?
O que o mundo realmente precisa é o que pedimos em 2001: governança econômica global genuinamente representativa. Esperemos que haja um renovado desejo de seguir esse caminho sob a nova administração dos Estados Unidos.
*Jim O’Neill, ex-presidente da Goldman Sachs Asset Management e ex-ministro do Tesouro do Reino Unido, é presidente da Chatham House.
Direitos Autorais: Project Syndicate, 2021. www.project-syndicate.org