A vantagem econômica de Joe Biden contra Donald Trump
Historicamente, o crescimento anual do PIB americano registrou uma média de 4,3% com presidentes democratas, contra 2,5% nas administrações republicanas
Matheus Doliveira
Publicado em 3 de novembro de 2020 às 13h55.
CAMBRIDGE – Em alguns dias, os americanos escolherão um presidente. Pesquisas de opinião indicam que os eleitores preferem o ex-vice-presidente Joe Biden em termos de políticas sociais, política externa, meio ambiente e gestão da pandemia, sem falar do caráter pessoal. Porém até recentemente, algumas pesquisas indicavam que, na condução da economia, os eleitores preferiam o presidente Donald Trump .
Não é de hoje que a impressão geral é de que a economia dos EUA tem desempenho muito melhor com os republicanos do que com os democratas. Porém, contra fatos não há argumentos.
Nos 16 mandatos presidenciais completos desde a Segunda Guerra Mundial, de Harry Truman até Barack Obama, o crescimento anual do PIB registrou uma média de 4,3% com presidentes democratas, contra 2,5% nas administrações republicanas. A presidência de Trump rebaixou ainda mais a nota dos republicanos. De fato, a média do crescimento anual durante o governo dele até o momento tem sido negativa.
A qualificação necessária nessas comparações é que o presidente é apenas uma de várias influências sobre a economia. A sorte também tem um enorme papel. É possível optar por excluir 2020 da ficha de Trump, por exemplo, usando-se o argumento de que o coronavírus foi obra do acaso. Porém, até mesmo as altas do PIB anteriores à pandemia, a questão do emprego e do mercado de ações no governo Trump apenas deram continuidade a tendências que ele herdou de Obama.
Não só isso, não se pode absolver Trump da responsabilidade por ter administrado a pandemia de maneira displicente. O único “plano” dele continua sendo a previsão de que o vírus irá desaparecer em algumas semanas. Agressivamente, ele minou as medidas instadas por especialistas, como o uso de máscaras e a testagem em massa, que teriam melhor protegido tanto a saúde pública quanto a economia.
De qualquer modo, a diferença no desempenho econômico médio entre os governos dos democratas e dos republicanos é estatisticamente significativa – ou seja, não pode ser atribuída exclusivamente ao acaso.
Um simples cálculo pode dar força a este argumento. As cinco últimas recessões, inclusive a atual, começaram quando um republicano estava na Casa Branca. Se as chances de uma recessão começar com um presidente democrata ou republicano fossem iguais, então essas chances seriam de uma em 32, ou pouco mais que 3% – as mesmas chances de se conseguir o mesmo resultado em cinco jogadas consecutivas de moeda. Não é algo muito provável.
A diferença em termos de desempenho anterior parece forte demais para ser verdadeira. O ideal seria se pudéssemos identificar e quantificar com precisão políticas econômicas que presidentes democratas adotaram capazes de explicar diretamente essa disparidade. Mas isso é querer demais. Portanto, consideremos apenas as políticas econômicas que se espera que um governo Biden implemente, pelo menos se a eleição resultar em um Senado com o qual ele consiga trabalhar.
Trump vem tentando convencer os eleitores de que Biden implementará políticas esquerdistas radicais caso seja eleito. Alguns outros concorrentes à indicação para candidato democrata à Presidência teriam apoiado políticas que, se levadas ao pé da letra, seriam muito mais à esquerda do que é a maioria do eleitorado americano, e até mesmo à esquerda do eleitor democrata médio. A lista incluiria a proposta do senador Bernie Sanders de “Medicare para Todos”, que aboliria convênios de saúde particulares, além da garantia do governo federal de empregos no Green New Deal (Novo Acordo Verde) proposto pelos parlamentares democratas.
Ainda que Biden tenha rejeitado explicitamente essas medidas, e ganhado a prévia democrata como político moderado, seu plano econômico apresenta uma enorme diferença comparado à abordagem de Trump. A recente convenção nacional republicana não conseguiu uma plataforma, de modo que precisamos olhar para as ações do primeiro mandato do presidente para avaliar o que ele pode fazer, caso seja reeleito. Três delas se destacam: as tentativas de Trump de desmontar a Lei dos Serviços Acessíveis de Saúde de 2010 (Obamacare), o corte nos impostos de dezembro de 2017, que em grande parte aumentou os lucros das companhias, e uma guerra comercial que deixou quase todos os envolvidos em pior situação Ainda que Trump tenha prometido ajudar os trabalhadores americanos, essas políticas produzem efeito contrário, com o que pelo menos 850 economistas concordam.
Em comparação, as propostas de política econômica de Biden abordam objetivos com os quais a maioria dos americanos compartilha: restabelecer a prosperidade econômica, fazer mais para ajudar as famílias deixadas para trás, mesmo antes da pandemia, e restaurar os avanços nas proteções ambientais. Além disso, ele iria atrás desses objetivos de maneiras que são práticas, em vez de serem apenas algo que fica bonito em um adesivo de campanha.
Para começar, Biden implementaria um plano federal para combater o COVID-19 com base no conhecimento de cientistas e profissionais de saúde, o que inclui disponibilizar testes gratuitos em grande escala, eliminar barreiras de custo à prevenção e tratamento do COVID -19, e desenvolver uma vacina segura, eficiente e confiável, além de fortalecer a capacidade da saúde pública dos EUA de administrar futuras crises.
Biden renovaria programas de grandes gastos que o Congresso deixou caducarem, como um auxílio-doença pago àqueles que não podem comparecer ao local de trabalho por motivos de saúde. Ele manteria o grande incentivo macroeconômico até que a renda e o emprego voltassem aos níveis pré-pandêmicos.
Investimentos em grande escala em infraestrutura e pesquisa e desenvolvimento, além de educação que estimule o crescimento da produtividade ao longo do tempo também são fundamentais ao plano de Biden. Além disso, ele também avançaria nas conquistas do Obamacare e diminuiria drasticamente o número de americanos sem plano de saúde, em vez de reverter essas conquistas, como os republicanos têm insistido em fazer.
Biden propõe financiar essas despesas através da tributação progressiva, que inclui revogar o corte de 2017 nos impostos das empresas e aumentar o teto dos salários sujeitos a imposto sobre a folha de pagamento que ajuda a financiar a Previdência Social. Ele vem prometendo não aumentar impostos para rendas inferiores a US$400 mil por ano. A Moody’s Analytics estima que os ganhos com os novos gastos propostos por Biden compensariam o efeito de enfraquecimento causado pela elevação tributária; até 2024, o PIB real seria de 4,5% maior do que sob as atuais políticas econômicas.
Biden seria agressivo no cumprimento de metas ambientais. Embora a estratégia dele inclua uma acelerada e contínua expansão da energia renovável, nós não deveríamos fingir que a energia solar e eólica seja capaz de atender 100% das necessidades energéticas dos americanos em um futuro próximo. Biden não acha que o fraturamento hidráulico deva ser proibido nas regiões do país que querem os empregos que ele traz. Porém, vazamentos de metano e outros efeitos colaterais ao meio ambiente podem e devem ser firmemente contidos por meio de regulamentação; do contrário, o fraturamento hidráulico não deveria continuar.
Por fim, um governo Biden buscaria restaurar o antigo papel internacional dos EUA mantendo o país na Organização Mundial de Saúde, retornando ao Acordo do Clima de Paris, apoiando outros acordos internacionais e tratando nossos aliados melhor do que nossos adversários.
Os presidentes democratas do pós-guerra têm sido significativamente melhores para a economia americana do que os republicanos. Há motivos de sobra para acreditar que esta tendência irá continuar se Biden vencer no dia 3 de novembro. Houve poucas eleições com uma diferença tão visível na qualidade provável das políticas econômicas de dois candidatos. Nesse caso, as de Biden são melhores.
Jeffrey Frankel, é Professor de Formação de Capital e Crescimento na Universidade de Harvard.
CAMBRIDGE – Em alguns dias, os americanos escolherão um presidente. Pesquisas de opinião indicam que os eleitores preferem o ex-vice-presidente Joe Biden em termos de políticas sociais, política externa, meio ambiente e gestão da pandemia, sem falar do caráter pessoal. Porém até recentemente, algumas pesquisas indicavam que, na condução da economia, os eleitores preferiam o presidente Donald Trump .
Não é de hoje que a impressão geral é de que a economia dos EUA tem desempenho muito melhor com os republicanos do que com os democratas. Porém, contra fatos não há argumentos.
Nos 16 mandatos presidenciais completos desde a Segunda Guerra Mundial, de Harry Truman até Barack Obama, o crescimento anual do PIB registrou uma média de 4,3% com presidentes democratas, contra 2,5% nas administrações republicanas. A presidência de Trump rebaixou ainda mais a nota dos republicanos. De fato, a média do crescimento anual durante o governo dele até o momento tem sido negativa.
A qualificação necessária nessas comparações é que o presidente é apenas uma de várias influências sobre a economia. A sorte também tem um enorme papel. É possível optar por excluir 2020 da ficha de Trump, por exemplo, usando-se o argumento de que o coronavírus foi obra do acaso. Porém, até mesmo as altas do PIB anteriores à pandemia, a questão do emprego e do mercado de ações no governo Trump apenas deram continuidade a tendências que ele herdou de Obama.
Não só isso, não se pode absolver Trump da responsabilidade por ter administrado a pandemia de maneira displicente. O único “plano” dele continua sendo a previsão de que o vírus irá desaparecer em algumas semanas. Agressivamente, ele minou as medidas instadas por especialistas, como o uso de máscaras e a testagem em massa, que teriam melhor protegido tanto a saúde pública quanto a economia.
De qualquer modo, a diferença no desempenho econômico médio entre os governos dos democratas e dos republicanos é estatisticamente significativa – ou seja, não pode ser atribuída exclusivamente ao acaso.
Um simples cálculo pode dar força a este argumento. As cinco últimas recessões, inclusive a atual, começaram quando um republicano estava na Casa Branca. Se as chances de uma recessão começar com um presidente democrata ou republicano fossem iguais, então essas chances seriam de uma em 32, ou pouco mais que 3% – as mesmas chances de se conseguir o mesmo resultado em cinco jogadas consecutivas de moeda. Não é algo muito provável.
A diferença em termos de desempenho anterior parece forte demais para ser verdadeira. O ideal seria se pudéssemos identificar e quantificar com precisão políticas econômicas que presidentes democratas adotaram capazes de explicar diretamente essa disparidade. Mas isso é querer demais. Portanto, consideremos apenas as políticas econômicas que se espera que um governo Biden implemente, pelo menos se a eleição resultar em um Senado com o qual ele consiga trabalhar.
Trump vem tentando convencer os eleitores de que Biden implementará políticas esquerdistas radicais caso seja eleito. Alguns outros concorrentes à indicação para candidato democrata à Presidência teriam apoiado políticas que, se levadas ao pé da letra, seriam muito mais à esquerda do que é a maioria do eleitorado americano, e até mesmo à esquerda do eleitor democrata médio. A lista incluiria a proposta do senador Bernie Sanders de “Medicare para Todos”, que aboliria convênios de saúde particulares, além da garantia do governo federal de empregos no Green New Deal (Novo Acordo Verde) proposto pelos parlamentares democratas.
Ainda que Biden tenha rejeitado explicitamente essas medidas, e ganhado a prévia democrata como político moderado, seu plano econômico apresenta uma enorme diferença comparado à abordagem de Trump. A recente convenção nacional republicana não conseguiu uma plataforma, de modo que precisamos olhar para as ações do primeiro mandato do presidente para avaliar o que ele pode fazer, caso seja reeleito. Três delas se destacam: as tentativas de Trump de desmontar a Lei dos Serviços Acessíveis de Saúde de 2010 (Obamacare), o corte nos impostos de dezembro de 2017, que em grande parte aumentou os lucros das companhias, e uma guerra comercial que deixou quase todos os envolvidos em pior situação Ainda que Trump tenha prometido ajudar os trabalhadores americanos, essas políticas produzem efeito contrário, com o que pelo menos 850 economistas concordam.
Em comparação, as propostas de política econômica de Biden abordam objetivos com os quais a maioria dos americanos compartilha: restabelecer a prosperidade econômica, fazer mais para ajudar as famílias deixadas para trás, mesmo antes da pandemia, e restaurar os avanços nas proteções ambientais. Além disso, ele iria atrás desses objetivos de maneiras que são práticas, em vez de serem apenas algo que fica bonito em um adesivo de campanha.
Para começar, Biden implementaria um plano federal para combater o COVID-19 com base no conhecimento de cientistas e profissionais de saúde, o que inclui disponibilizar testes gratuitos em grande escala, eliminar barreiras de custo à prevenção e tratamento do COVID -19, e desenvolver uma vacina segura, eficiente e confiável, além de fortalecer a capacidade da saúde pública dos EUA de administrar futuras crises.
Biden renovaria programas de grandes gastos que o Congresso deixou caducarem, como um auxílio-doença pago àqueles que não podem comparecer ao local de trabalho por motivos de saúde. Ele manteria o grande incentivo macroeconômico até que a renda e o emprego voltassem aos níveis pré-pandêmicos.
Investimentos em grande escala em infraestrutura e pesquisa e desenvolvimento, além de educação que estimule o crescimento da produtividade ao longo do tempo também são fundamentais ao plano de Biden. Além disso, ele também avançaria nas conquistas do Obamacare e diminuiria drasticamente o número de americanos sem plano de saúde, em vez de reverter essas conquistas, como os republicanos têm insistido em fazer.
Biden propõe financiar essas despesas através da tributação progressiva, que inclui revogar o corte de 2017 nos impostos das empresas e aumentar o teto dos salários sujeitos a imposto sobre a folha de pagamento que ajuda a financiar a Previdência Social. Ele vem prometendo não aumentar impostos para rendas inferiores a US$400 mil por ano. A Moody’s Analytics estima que os ganhos com os novos gastos propostos por Biden compensariam o efeito de enfraquecimento causado pela elevação tributária; até 2024, o PIB real seria de 4,5% maior do que sob as atuais políticas econômicas.
Biden seria agressivo no cumprimento de metas ambientais. Embora a estratégia dele inclua uma acelerada e contínua expansão da energia renovável, nós não deveríamos fingir que a energia solar e eólica seja capaz de atender 100% das necessidades energéticas dos americanos em um futuro próximo. Biden não acha que o fraturamento hidráulico deva ser proibido nas regiões do país que querem os empregos que ele traz. Porém, vazamentos de metano e outros efeitos colaterais ao meio ambiente podem e devem ser firmemente contidos por meio de regulamentação; do contrário, o fraturamento hidráulico não deveria continuar.
Por fim, um governo Biden buscaria restaurar o antigo papel internacional dos EUA mantendo o país na Organização Mundial de Saúde, retornando ao Acordo do Clima de Paris, apoiando outros acordos internacionais e tratando nossos aliados melhor do que nossos adversários.
Os presidentes democratas do pós-guerra têm sido significativamente melhores para a economia americana do que os republicanos. Há motivos de sobra para acreditar que esta tendência irá continuar se Biden vencer no dia 3 de novembro. Houve poucas eleições com uma diferença tão visível na qualidade provável das políticas econômicas de dois candidatos. Nesse caso, as de Biden são melhores.
Jeffrey Frankel, é Professor de Formação de Capital e Crescimento na Universidade de Harvard.