Exame Logo

Bitcoin, altcoins, stablecoins, CBDCs, DeFi: qual o futuro do dinheiro?

A digitalização do sistema econômico, provocada pela Economia da Internet, anda de vento em popa, mas qual será exatamente o futuro do dinheiro?

(Frank Lee/Getty Images)
GR

Gabriel Rubinsteinn

Publicado em 24 de novembro de 2020 às 18h23.

Desde o surgimento da Internet, a informação em todas as suas formas tem se tornado digital e provocadoo surgimento de uma nova economia: a “Economia Digital” ou “ Economia da Web.

Baseada na aplicação do know-how humano a tudo o que produzimos,e como produzimos, essa nova economiaé um novo modo de se fazer negócios, queincorporaideias“em rede” para geração de riqueza,utilizandoinformação e tecnologia como facilitadores da comunicação, transferência de dados e transações comerciais.

Seem 2005as maiores empresas do mundo eram principalmente empresas de petróleo e gás, o Walmart, umaempresa de software e algumas instituições financeiras,hoje as 10 maiores companhias do mundo são empresas de tecnologia, quejuntas, têm capitalização de mercado quase três vezes maior do que as maiores empresas háquinzeanos(fonte: Statista ).

Há umamigração intensadomundofísico para o digital, porque a margem no digital é enorme e porque, no mundofísico,há muitos componentes para gerenciar,alémdos custosseremmuito mais difíceis de controlar.

Ora,neste contexto de desenvolvimento da Economia Digital, faltava um método confiável, mas discreto, de transações financeiras a ser desenvolvido na Internet, como bem previu economista americano e ganhador do Prêmio Nobel de Ciências Econômicas, Milton Friedman.

Em entrevista realizada pela NTU / F em 1999, Friedman disse:

“O que está faltando, mas que será desenvolvido em breve, é um “ e-cash ” confiável. Um método em que comprar pela Internet você pode transferir fundos de A para B, sem que A conheça B , ou B conheça A. A maneira pela qual posso pegar uma nota de 20 dólares e entregá-la a você e não há registro de onde ela veio. E você pode conseguir isso sem saber quem eu sou. Esse tipo de coisa vai se desenvolver na Internet.” (Fonte: Milton Friedman predicts the rise of bitcoin in 1999 )

Anos depois da declaração de Friedman, alguém juntou décadas de pesquisa, valendo-se da maturidade de tecnologias de suporte como criptografia, redespeer-to-peer, mecanismos de consenso, criou a arquitetura da primeira criptomoeda, e colocouoBitcoin para funcionar em3 dejaneiro de 2009.Alguém comprou duas pizzas com 10.000 bitcoins e… veja o que vale hoje?!

Nos primeiros anos de surgimento do bitcoin,omercadoerarealmente pequeno. Quando eu ouvi falar de Bitcoin pela primeira vez,o valor de mercado era de cerca de 200 milhões de dólares, e o preço médio girava em torno de 200 e 250 dólares.Hoje,um bitcoin está em torno de 19 mil dólares, e seu valor de mercadodeu um salto para aproximadamente350bilhões de dólares(fonte: CoinMarketCap ).

Mas o interessante, aqui,apesar da maioria das pessoas ter conhecido o bitcoin pelo seu “preço” e altavolatilidade, é que o bitcoin, pela primeira vez, tornou um “ativo digital único”. Isto é, possibilitou transações de valor naInternetentre desconhecidos,sem a necessidade intermediários, e trouxe a idéia de protocolos e redes abertas.

O Bitcoin é, na verdade, três coisas:atecnologia na forma de protocolo(blockchain), uma rededescentralizada (sem a necessidade de intermediários)e,étambémtodo o ecossistema de criação de valor construído em cimadessa rede,internalizado na forma de taxas de transação que fluem de volta para a rede e seus participantes.

Bitcoin é uma rede financeira aberta sem permissão. Qualquer pessoa pode participar da rede Bitcoin. Qualquer um pode sair. Qualquer um pode construir sobre seu protocolo.

O blockchain do Bitcoin é um sistema de liquidação global para todas as transações que acontecem nesta rede. E você não está preso ao aplicativo de ninguém.

Nesse passo, aprimeirafasedo Bitcoin foibasicamenteorientada para o consumidor: como eu compro, como faço para armazenar, como o trocoum bitcoin.Tínhamosalguns processadores de pagamento,e muitas soluções focadasemsegurança.

Mas o que aconteceu depois que o Bitcoin começou a ficar famoso é que as pessoas queriamir além da ideia do Bitcoin. Nesta segunda fase, surgiu a idéia da oferta inicial de moedas (ICOs), e passamos aum cenário que trouxe muitas VentureCapitale muitos desenvolvedores. Essa onda de ICOs atraiu investidores especulativos, e também muitos investidores do varejo.

Em 2017, Bitcoin estreiou na bolsa de futuros deChicago, seu preço atingiu sua maior alta histórica e ingressou numa terceira fase, que eu chamo de‘Bitcoin Corporativo’’.

Hoje é interessanteobservaro que acontece no ano de 2020, à medidaemque mais desses projetos chegam ao mercado e muitos investidores domercado tradicional têm adquirido, além do Bitcoin,novos tokenseoutras criptomoedas(as altcoins).

Como o protocolo do Bitcoin é opensource, qualquer um poderia pegar seu protocolo e bifurcar (modificar o código) e iniciar sua própria versão de dinheiro digital.Diante disto, hoje temos mais de 3.817 altcoins e tokens (fonte: CoinMarketCap ).

Paralelamente,surgiram as stablecoins, com objetivo de imitar moedas tradicionais e estáveis, que trouxeram umpúblicototalmentenovo,como os operadores de Wall Street,motivados naconstruçãode umaplataforma líder para tokensdigitais.

Eainda,recentemente,nos deparamoscom váriosBancos Centraisqueestão estudando ou já desenvolvendo projetos paraingressar nessa onda deinovação tecnológica,criandosuaspróprias‘moedas digitais’, asCentral Banks Digital Currencies(CBDCs), queem nada se confundem com criptomoedas.

ACBDCs sãocentralizadas,possuem umaautoridadecentral responsável pelas ocorrências e problemas,geralmente umaautoridade monetária ligada a determinado país,que regula o estado das transações narede. Já ascriptomoedasnão estão vinculadas à nenhumaEconomia oupaís;sãoum novo ativo (digital e com alcance global),garantido poralgoritmoscriptográficose protocolos descentralizados,executados em um blockchain de código aberto.

Porexemplo,oBanco Central do Brasilchamacriptomoedas de“moedas virtuais” ou “moedas criptografadas”e as diferencia das moedas eletrônicas, dando tratamentosemelhante ao adotado pelo Marco Regulatório do Estado de Nova York.

Para o BACEN,criptomoedaspossuem forma própria, ou seja, são unidade de conta distinta das moedas emitidas por governos soberanos, e não se caracterizamcomodispositivo ou sistema eletrônico para armazenamento em reais.E analisandoseusComunicadossobre o assunto,percebe-se que o BACENé preciso no diagnóstico, quando se mostra consciente e atento à natureza privada das criptomoedas.

Pois bem,adigitalização profundae fundamental do sistema econômico, provocada pela Economia da Internet,está indo de vento em popa, à medida que asinfraestruturasblockchain passam doestágio inicialpara os holofotes degovernos e reguladores.

Aqui,trêsabordagensde mundoconcorrentes para a construção de um novo sistema financeirose apresentam.

Aprimeiratrazum sistema financeiroglobal,abertoeconstruído na Internet pública,quepossibilita a movimentaçãolivrede valorem qualquer lugar do mundo,com forteproteção à privacidade.

Sob esta ótica, temos a abordagem open finance, também chamada de “DeFi” (abreviação de Decentralized Finance), na qualplayersde ecossistema“cripto”,pegampartes do“mundo financeiro tradicional”eas “encaixam”nomundo“cripto-nativo”.Por exemplo, vemos"Stablecoins"emcontratos de empréstimo que não exigemumintermediário,ou emcontratos de gestão de ativos que não exigem que as pessoas criem empresas de gestão de ativos, etc.

Asegundaabordagem trazum sistema financeiro com controles extremamente rígidos, administrado por um governo,sobre onde o capital se move e quem pode acessar oSistema. O maior representanteatualdessa ótica desistemafinanceiro é o"Banco Popular da China" ou "PBOC", com o teste da sua CBDC chinesa.Mais de 80% dos bancos centrais entrevistados emrecentepesquisa do Bank forInternationalSettlements, contudo,relataram envolvimento em projetos CBDC (fonte: BIS ).

Aterceiraótica,por sua vez,nos apresentaumsistema financeiro global controladoporconsórcios privados, capitaneadospelas maiores empresas privadas do mundo.Algo cujo aperitivo já pudemos sentir no projeto Libra, quesugere um novo sistema financeiro global,controlado e administrado pelas maiores empresas privadas do mundo.Sob esta ótica,em vez de aproveitar o dinheiro soberano existente,as grandes“Big Techs”, por exemplo, buscamcriar uma nova moeda global que fica acima doEstado.

Neste cenário,teremos um sistema financeiro global controlado por um consórcio privado? Queremos que o Banco Central seja o emissor de uma moeda digital soberana? Ou o melhor é a abordagem open finance?

Para onde estamos indo? O que está acontecendo na terra dos criptoativos?Qual será o papel do dinheiro digital na próxima década?

São basicamente estas e outras perguntas que buscarei responder ao longo desta coluna.Nos vemos embreve!

Veja também

Desde o surgimento da Internet, a informação em todas as suas formas tem se tornado digital e provocadoo surgimento de uma nova economia: a “Economia Digital” ou “ Economia da Web.

Baseada na aplicação do know-how humano a tudo o que produzimos,e como produzimos, essa nova economiaé um novo modo de se fazer negócios, queincorporaideias“em rede” para geração de riqueza,utilizandoinformação e tecnologia como facilitadores da comunicação, transferência de dados e transações comerciais.

Seem 2005as maiores empresas do mundo eram principalmente empresas de petróleo e gás, o Walmart, umaempresa de software e algumas instituições financeiras,hoje as 10 maiores companhias do mundo são empresas de tecnologia, quejuntas, têm capitalização de mercado quase três vezes maior do que as maiores empresas háquinzeanos(fonte: Statista ).

Há umamigração intensadomundofísico para o digital, porque a margem no digital é enorme e porque, no mundofísico,há muitos componentes para gerenciar,alémdos custosseremmuito mais difíceis de controlar.

Ora,neste contexto de desenvolvimento da Economia Digital, faltava um método confiável, mas discreto, de transações financeiras a ser desenvolvido na Internet, como bem previu economista americano e ganhador do Prêmio Nobel de Ciências Econômicas, Milton Friedman.

Em entrevista realizada pela NTU / F em 1999, Friedman disse:

“O que está faltando, mas que será desenvolvido em breve, é um “ e-cash ” confiável. Um método em que comprar pela Internet você pode transferir fundos de A para B, sem que A conheça B , ou B conheça A. A maneira pela qual posso pegar uma nota de 20 dólares e entregá-la a você e não há registro de onde ela veio. E você pode conseguir isso sem saber quem eu sou. Esse tipo de coisa vai se desenvolver na Internet.” (Fonte: Milton Friedman predicts the rise of bitcoin in 1999 )

Anos depois da declaração de Friedman, alguém juntou décadas de pesquisa, valendo-se da maturidade de tecnologias de suporte como criptografia, redespeer-to-peer, mecanismos de consenso, criou a arquitetura da primeira criptomoeda, e colocouoBitcoin para funcionar em3 dejaneiro de 2009.Alguém comprou duas pizzas com 10.000 bitcoins e… veja o que vale hoje?!

Nos primeiros anos de surgimento do bitcoin,omercadoerarealmente pequeno. Quando eu ouvi falar de Bitcoin pela primeira vez,o valor de mercado era de cerca de 200 milhões de dólares, e o preço médio girava em torno de 200 e 250 dólares.Hoje,um bitcoin está em torno de 19 mil dólares, e seu valor de mercadodeu um salto para aproximadamente350bilhões de dólares(fonte: CoinMarketCap ).

Mas o interessante, aqui,apesar da maioria das pessoas ter conhecido o bitcoin pelo seu “preço” e altavolatilidade, é que o bitcoin, pela primeira vez, tornou um “ativo digital único”. Isto é, possibilitou transações de valor naInternetentre desconhecidos,sem a necessidade intermediários, e trouxe a idéia de protocolos e redes abertas.

O Bitcoin é, na verdade, três coisas:atecnologia na forma de protocolo(blockchain), uma rededescentralizada (sem a necessidade de intermediários)e,étambémtodo o ecossistema de criação de valor construído em cimadessa rede,internalizado na forma de taxas de transação que fluem de volta para a rede e seus participantes.

Bitcoin é uma rede financeira aberta sem permissão. Qualquer pessoa pode participar da rede Bitcoin. Qualquer um pode sair. Qualquer um pode construir sobre seu protocolo.

O blockchain do Bitcoin é um sistema de liquidação global para todas as transações que acontecem nesta rede. E você não está preso ao aplicativo de ninguém.

Nesse passo, aprimeirafasedo Bitcoin foibasicamenteorientada para o consumidor: como eu compro, como faço para armazenar, como o trocoum bitcoin.Tínhamosalguns processadores de pagamento,e muitas soluções focadasemsegurança.

Mas o que aconteceu depois que o Bitcoin começou a ficar famoso é que as pessoas queriamir além da ideia do Bitcoin. Nesta segunda fase, surgiu a idéia da oferta inicial de moedas (ICOs), e passamos aum cenário que trouxe muitas VentureCapitale muitos desenvolvedores. Essa onda de ICOs atraiu investidores especulativos, e também muitos investidores do varejo.

Em 2017, Bitcoin estreiou na bolsa de futuros deChicago, seu preço atingiu sua maior alta histórica e ingressou numa terceira fase, que eu chamo de‘Bitcoin Corporativo’’.

Hoje é interessanteobservaro que acontece no ano de 2020, à medidaemque mais desses projetos chegam ao mercado e muitos investidores domercado tradicional têm adquirido, além do Bitcoin,novos tokenseoutras criptomoedas(as altcoins).

Como o protocolo do Bitcoin é opensource, qualquer um poderia pegar seu protocolo e bifurcar (modificar o código) e iniciar sua própria versão de dinheiro digital.Diante disto, hoje temos mais de 3.817 altcoins e tokens (fonte: CoinMarketCap ).

Paralelamente,surgiram as stablecoins, com objetivo de imitar moedas tradicionais e estáveis, que trouxeram umpúblicototalmentenovo,como os operadores de Wall Street,motivados naconstruçãode umaplataforma líder para tokensdigitais.

Eainda,recentemente,nos deparamoscom váriosBancos Centraisqueestão estudando ou já desenvolvendo projetos paraingressar nessa onda deinovação tecnológica,criandosuaspróprias‘moedas digitais’, asCentral Banks Digital Currencies(CBDCs), queem nada se confundem com criptomoedas.

ACBDCs sãocentralizadas,possuem umaautoridadecentral responsável pelas ocorrências e problemas,geralmente umaautoridade monetária ligada a determinado país,que regula o estado das transações narede. Já ascriptomoedasnão estão vinculadas à nenhumaEconomia oupaís;sãoum novo ativo (digital e com alcance global),garantido poralgoritmoscriptográficose protocolos descentralizados,executados em um blockchain de código aberto.

Porexemplo,oBanco Central do Brasilchamacriptomoedas de“moedas virtuais” ou “moedas criptografadas”e as diferencia das moedas eletrônicas, dando tratamentosemelhante ao adotado pelo Marco Regulatório do Estado de Nova York.

Para o BACEN,criptomoedaspossuem forma própria, ou seja, são unidade de conta distinta das moedas emitidas por governos soberanos, e não se caracterizamcomodispositivo ou sistema eletrônico para armazenamento em reais.E analisandoseusComunicadossobre o assunto,percebe-se que o BACENé preciso no diagnóstico, quando se mostra consciente e atento à natureza privada das criptomoedas.

Pois bem,adigitalização profundae fundamental do sistema econômico, provocada pela Economia da Internet,está indo de vento em popa, à medida que asinfraestruturasblockchain passam doestágio inicialpara os holofotes degovernos e reguladores.

Aqui,trêsabordagensde mundoconcorrentes para a construção de um novo sistema financeirose apresentam.

Aprimeiratrazum sistema financeiroglobal,abertoeconstruído na Internet pública,quepossibilita a movimentaçãolivrede valorem qualquer lugar do mundo,com forteproteção à privacidade.

Sob esta ótica, temos a abordagem open finance, também chamada de “DeFi” (abreviação de Decentralized Finance), na qualplayersde ecossistema“cripto”,pegampartes do“mundo financeiro tradicional”eas “encaixam”nomundo“cripto-nativo”.Por exemplo, vemos"Stablecoins"emcontratos de empréstimo que não exigemumintermediário,ou emcontratos de gestão de ativos que não exigem que as pessoas criem empresas de gestão de ativos, etc.

Asegundaabordagem trazum sistema financeiro com controles extremamente rígidos, administrado por um governo,sobre onde o capital se move e quem pode acessar oSistema. O maior representanteatualdessa ótica desistemafinanceiro é o"Banco Popular da China" ou "PBOC", com o teste da sua CBDC chinesa.Mais de 80% dos bancos centrais entrevistados emrecentepesquisa do Bank forInternationalSettlements, contudo,relataram envolvimento em projetos CBDC (fonte: BIS ).

Aterceiraótica,por sua vez,nos apresentaumsistema financeiro global controladoporconsórcios privados, capitaneadospelas maiores empresas privadas do mundo.Algo cujo aperitivo já pudemos sentir no projeto Libra, quesugere um novo sistema financeiro global,controlado e administrado pelas maiores empresas privadas do mundo.Sob esta ótica,em vez de aproveitar o dinheiro soberano existente,as grandes“Big Techs”, por exemplo, buscamcriar uma nova moeda global que fica acima doEstado.

Neste cenário,teremos um sistema financeiro global controlado por um consórcio privado? Queremos que o Banco Central seja o emissor de uma moeda digital soberana? Ou o melhor é a abordagem open finance?

Para onde estamos indo? O que está acontecendo na terra dos criptoativos?Qual será o papel do dinheiro digital na próxima década?

São basicamente estas e outras perguntas que buscarei responder ao longo desta coluna.Nos vemos embreve!

Acompanhe tudo sobre:BitcoinBlockchainCriptomoedasFuture of Money

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se