Home office: da ficção ao confronto com a realidade
Apesar de ser um sonho para muitos, atualmente, o modelo de trabalho 100% remoto apresenta uma série de evidências negativas relevantes
Da Redação
Publicado em 1 de abril de 2022 às 15h15.
Última atualização em 1 de abril de 2022 às 16h33.
Por Tallis Gomes*
Antes da pandemia de COVID-19, o modelo de trabalho home office já era almejado por muitos profissionais e algumas empresas, que acreditavam em seu potencial de flexibilidade e produtividade, descartando o tempo de locomoção, por exemplo. No entanto, após dois anos de trabalho remoto praticamente obrigatório, aspectos como a redução de elos dentro da empresa, o comprometimento na construção de relacionamento entre as pessoas e alguns sinais de ineficiência trazem o questionamento do modelo full-time remoto.
Redução do número de elos dentro da empresa
Uma cultura organizacional colaborativa e de cooperação pressupõe forte interação e fluidez entre áreas, fomentando assim o surgimento de novas ideias e iniciativas. Com a migração da comunicação para formatos assíncronos como Whatsapp, e-mails e Slack, as interações costumam se limitar a mensagens mais objetivas e mais direcionadas.
Mesmo quando nos referimos à comunicação síncrona como, por exemplo, à realização de chamadas ( calls ), costumamos fazê-las de forma mais direcionada e objetiva, o que reduz fortemente as conversas informais com pessoas de outras áreas que muitas vezes levam a novos aprendizados e/ou insights.
Um estudo realizado com 61.182 trabalhadores da Microsoft durante os primeiros seis meses de 2020 apontou que a mudança para o trabalho 100% remoto resultou em grupos de negócios menos interconectados, com a redução do número de laços na rede de colaboração informal, fazendo com que os indivíduos gastassem menos tempo contribuindo com pessoas que tivessem menos elos de conexão.
Em suma, no modelo 100% remoto, os profissionais passam a gastar mais tempo com quem já possuem mais proximidade. Além disso, há uma maior departamentalização da comunicação ao haver menos interação com outras pessoas, formando os chamados ‘silos’ dentro da empresa.
Esse agrupamento natural que o formato online traz acaba por limitar o potencial de inovação dentro de uma organização, não à toa, a Microsoft optou por acelerar o retorno da sua operação de forma gradativa para o modelo presencial.
De forma bem objetiva, quantas vezes você não avistou alguém passando no escritório e não relacionou com uma demanda que você tem para conseguir uma opinião? Quantas vezes, não se deparou com uma conversa entre pessoas de outra área, enquanto tomava um café, e participou do debate sobre determinado projeto da empresa ou aprendeu algo novo?
Obviamente, essas interações se reduzem quando estamos sentados em casa isolados entre quatro paredes.
Um exemplo claro sobre a importância dessas conversas informais mesmo dentro da própria área é o relato do Florian Bartunek, fundador da Constellation e renomado nome no mercado financeiro.
Quando em início de carreira, Bartunek trabalhou no BTG Pactual e considera os “coffee breaks” ou diversas conversas que simplesmente escutava por estar sentado entre André Jakurski e Paulo Guedes como uma de suas maiores escolas.
Assim como esse exemplo, todos nós somos privados de interações e aprendizados que um ambiente físico próximo de outros profissionais propicia de forma natural. Logo, isso restringe o potencial de colaboração e aprendizado, sobretudo, quando nos referimos à interação também com pessoas mais distantes dentro da estrutura organizacional.
Comprometimento da construção de confiança entre as pessoas
Outro ponto relevante que o trabalho remoto acaba por comprometer é a de relacionamentos verdadeiros dentro do ambiente de trabalho. Por mais que muitos executivos não dêem atenção à importância desse fator, o vínculo entre o profissional e demais membros da empresa –ou até mesmo com o seu gestor–, impacta diretamente em sua satisfação com o trabalho.
E vínculos profundos não se constróem tão profundamente em calls, que tendem a ser restritas a assuntos específicos, em um formato mais formal. As relações interpessoais se fortalecem em muitas partes através da informalidade e de assuntos que extrapolam o trabalho.
De acordo com pesquisa da Mckinsey, as relações interpessoais dentro da organização representam 39% da satisfação total do colaborador com o trabalho.
Se você, assim como a grande maioria dos negócios, se preocupa com a retenção dos melhores profissionais, é importante destinar alguma energia para esse fator. E, acredite, os melhores profissionais diversas vezes são os primeiros a se movimentar para outras oportunidades.
Portanto, criar relacionamentos de confiança tanto do gestor com o profissional quanto com seus pares é notoriamente um diferencial de fortalecimento da felicidade profissional dessa pessoa. E, este é um ponto não só de retenção, mas de impacto direto no engajamento e na produtividade do membro e da equipe, o que, de acordo com a mesma pesquisa da Mckinsey, influencia indicadores de sucesso como a lucratividade e retorno aos acionistas.
Não se iluda em acreditar que o relacionamento online pode ter a mesma qualidade do presencial. Até há artifícios para buscar melhorar as conexões, como reuniões semanais com a equipe destinando um momento para não falar de trabalho, mas nada que vá se comparar com o momento de almoço partilhado, o happy hour ou o café. Relações de confiança se constroem com cumplicidade e com vivência.
A mistura entre trabalho, afazeres domésticos e relações familiares resulta em ineficiência e sobrecarga mental
Prévio ao trabalho remoto obrigatório, muitos profissionais vivenciavam o sentimento de relaxamento quase instantâneo ao chegar em casa, apesar de responder, esporadicamente, a alguns WhatsApps e e-mails. No momento em que o lar se torna o ambiente de trabalho, o mesmo ambiente passa a ter diferentes atribuições, ocasionando muitas vezes o multitasking – responsável por ineficiência e sobrecarga mental dada a dissipação de energia.
De acordo com a Harvard Business Review, por mais que achemos que fazer várias coisas ao mesmo tempo possa parecer que mais coisas estão sendo entregues, realizar multitasking reduz a produtividade em 40%.
Os resultados? O sentimento de estar sendo ineficiente e o sentimento de ‘estar devendo’, o que leva ao aumento do estresse e contribui com o burnout.
Por fim, apesar de alguns prós, como a redução de despesas fixas e o ganho de tempo com a eliminação do deslocamento para o trabalho, em termos de colaboração, interconexão, aprendizado e construção de elos genuínos dentro da organização, um trabalho 100% remoto sugere o comprometimento de diferentes fatores humanos e culturais do negócio.
Empresas líderes de mercado como Amazon, Facebook, Google e Microsoft buscaram rapidamente redirecionar o seus formatos novamente para o presencial ou ao menos para um modelo híbrido após experimentarem alguns desses gaps citados acima.
E você, como prefere o funcionamento do seu negócio?
*Tallis Gomes é Co-founder e Chairman do G4 Educação e Fundador da Singu e Easy Taxi.
Por Tallis Gomes*
Antes da pandemia de COVID-19, o modelo de trabalho home office já era almejado por muitos profissionais e algumas empresas, que acreditavam em seu potencial de flexibilidade e produtividade, descartando o tempo de locomoção, por exemplo. No entanto, após dois anos de trabalho remoto praticamente obrigatório, aspectos como a redução de elos dentro da empresa, o comprometimento na construção de relacionamento entre as pessoas e alguns sinais de ineficiência trazem o questionamento do modelo full-time remoto.
Redução do número de elos dentro da empresa
Uma cultura organizacional colaborativa e de cooperação pressupõe forte interação e fluidez entre áreas, fomentando assim o surgimento de novas ideias e iniciativas. Com a migração da comunicação para formatos assíncronos como Whatsapp, e-mails e Slack, as interações costumam se limitar a mensagens mais objetivas e mais direcionadas.
Mesmo quando nos referimos à comunicação síncrona como, por exemplo, à realização de chamadas ( calls ), costumamos fazê-las de forma mais direcionada e objetiva, o que reduz fortemente as conversas informais com pessoas de outras áreas que muitas vezes levam a novos aprendizados e/ou insights.
Um estudo realizado com 61.182 trabalhadores da Microsoft durante os primeiros seis meses de 2020 apontou que a mudança para o trabalho 100% remoto resultou em grupos de negócios menos interconectados, com a redução do número de laços na rede de colaboração informal, fazendo com que os indivíduos gastassem menos tempo contribuindo com pessoas que tivessem menos elos de conexão.
Em suma, no modelo 100% remoto, os profissionais passam a gastar mais tempo com quem já possuem mais proximidade. Além disso, há uma maior departamentalização da comunicação ao haver menos interação com outras pessoas, formando os chamados ‘silos’ dentro da empresa.
Esse agrupamento natural que o formato online traz acaba por limitar o potencial de inovação dentro de uma organização, não à toa, a Microsoft optou por acelerar o retorno da sua operação de forma gradativa para o modelo presencial.
De forma bem objetiva, quantas vezes você não avistou alguém passando no escritório e não relacionou com uma demanda que você tem para conseguir uma opinião? Quantas vezes, não se deparou com uma conversa entre pessoas de outra área, enquanto tomava um café, e participou do debate sobre determinado projeto da empresa ou aprendeu algo novo?
Obviamente, essas interações se reduzem quando estamos sentados em casa isolados entre quatro paredes.
Um exemplo claro sobre a importância dessas conversas informais mesmo dentro da própria área é o relato do Florian Bartunek, fundador da Constellation e renomado nome no mercado financeiro.
Quando em início de carreira, Bartunek trabalhou no BTG Pactual e considera os “coffee breaks” ou diversas conversas que simplesmente escutava por estar sentado entre André Jakurski e Paulo Guedes como uma de suas maiores escolas.
Assim como esse exemplo, todos nós somos privados de interações e aprendizados que um ambiente físico próximo de outros profissionais propicia de forma natural. Logo, isso restringe o potencial de colaboração e aprendizado, sobretudo, quando nos referimos à interação também com pessoas mais distantes dentro da estrutura organizacional.
Comprometimento da construção de confiança entre as pessoas
Outro ponto relevante que o trabalho remoto acaba por comprometer é a de relacionamentos verdadeiros dentro do ambiente de trabalho. Por mais que muitos executivos não dêem atenção à importância desse fator, o vínculo entre o profissional e demais membros da empresa –ou até mesmo com o seu gestor–, impacta diretamente em sua satisfação com o trabalho.
E vínculos profundos não se constróem tão profundamente em calls, que tendem a ser restritas a assuntos específicos, em um formato mais formal. As relações interpessoais se fortalecem em muitas partes através da informalidade e de assuntos que extrapolam o trabalho.
De acordo com pesquisa da Mckinsey, as relações interpessoais dentro da organização representam 39% da satisfação total do colaborador com o trabalho.
Se você, assim como a grande maioria dos negócios, se preocupa com a retenção dos melhores profissionais, é importante destinar alguma energia para esse fator. E, acredite, os melhores profissionais diversas vezes são os primeiros a se movimentar para outras oportunidades.
Portanto, criar relacionamentos de confiança tanto do gestor com o profissional quanto com seus pares é notoriamente um diferencial de fortalecimento da felicidade profissional dessa pessoa. E, este é um ponto não só de retenção, mas de impacto direto no engajamento e na produtividade do membro e da equipe, o que, de acordo com a mesma pesquisa da Mckinsey, influencia indicadores de sucesso como a lucratividade e retorno aos acionistas.
Não se iluda em acreditar que o relacionamento online pode ter a mesma qualidade do presencial. Até há artifícios para buscar melhorar as conexões, como reuniões semanais com a equipe destinando um momento para não falar de trabalho, mas nada que vá se comparar com o momento de almoço partilhado, o happy hour ou o café. Relações de confiança se constroem com cumplicidade e com vivência.
A mistura entre trabalho, afazeres domésticos e relações familiares resulta em ineficiência e sobrecarga mental
Prévio ao trabalho remoto obrigatório, muitos profissionais vivenciavam o sentimento de relaxamento quase instantâneo ao chegar em casa, apesar de responder, esporadicamente, a alguns WhatsApps e e-mails. No momento em que o lar se torna o ambiente de trabalho, o mesmo ambiente passa a ter diferentes atribuições, ocasionando muitas vezes o multitasking – responsável por ineficiência e sobrecarga mental dada a dissipação de energia.
De acordo com a Harvard Business Review, por mais que achemos que fazer várias coisas ao mesmo tempo possa parecer que mais coisas estão sendo entregues, realizar multitasking reduz a produtividade em 40%.
Os resultados? O sentimento de estar sendo ineficiente e o sentimento de ‘estar devendo’, o que leva ao aumento do estresse e contribui com o burnout.
Por fim, apesar de alguns prós, como a redução de despesas fixas e o ganho de tempo com a eliminação do deslocamento para o trabalho, em termos de colaboração, interconexão, aprendizado e construção de elos genuínos dentro da organização, um trabalho 100% remoto sugere o comprometimento de diferentes fatores humanos e culturais do negócio.
Empresas líderes de mercado como Amazon, Facebook, Google e Microsoft buscaram rapidamente redirecionar o seus formatos novamente para o presencial ou ao menos para um modelo híbrido após experimentarem alguns desses gaps citados acima.
E você, como prefere o funcionamento do seu negócio?
*Tallis Gomes é Co-founder e Chairman do G4 Educação e Fundador da Singu e Easy Taxi.