"Tinham que ser brasileiros"
Cientistas brasileiros ganham destaque mundo afora apesar da falta de apoio do governo e, agora, de parte da população
Janaína Ribeiro
Publicado em 14 de agosto de 2020 às 20h34.
No meu último ano em Harvard , co-presidi a Brazil Conference at Harvard and MIT, evento organizado por estudantes brasileiros que reúne grandes nomes do governo, indústria e academia nacional e internacional para discutir soluções para os maiores problemas do Brasil. Era abril de 2017 e eu tinha acabado de vivenciar a campanha e eleição do Donald Trump aqui nos EUA. Acompanhei de perto a forte polarização do debate, que se tornava cada vez mais agressivo. Nessa época, o mesmo padrão de intolerância se iniciava no Brasil, motivo pelo qual desenhamos a conferência como um espaço neutro para estimular o diálogo entre pessoas de visões opostas.
Após três dias intensos de palestras de líderes dos mais variados espectros, de Warren Buffett e Jorge Paulo Lemann à Dilma Rousseff e Sérgio Moro, fiz esse discurso de encerramento. Como estudante, pesquisadora e bolsista em uma das melhores universidades do mundo, tive acesso a recursos que pesquisadores não têm no Brasil. Por isso, decidi falar sobre a importância da ciência para o desenvolvimento dos demais setores da sociedade e também do nosso potencial como nação. Entre a plateia, houve um consenso: precisávamos de mais investimentos na área.
Já se passaram três anos e lamentavelmente não tivemos progressos significativos por parte do governo. A pasta ministerial da ciência e tecnologia, que já era coadjuvante, foi unida a da comunicação. Felizmente, isso só durou até junho deste ano, quando a pasta da comunicação foi novamente separada, muito embora isso não pareça ter sido motivado por uma maior valorização da ciência. Vimos cortes orçamentários de 42%. Ouvimos do Presidente da República que o investimento em pesquisa só deveria ser feito quando há retorno a curto prazo, o que é a verdadeira antítese do desenvolvimento científico.
Descobertas científicas são feitas a longo prazo. Se formos usar uma das empresas que lideram o desenvolvimento de uma vacina para a COVID-19 como exemplo, a Moderna, podemos entender bem o porquê da importância desse investimento paciente e contínuo. Fundada em 2011, a Moderna recebe aportes privados desde 2011 e estatais desde 2013. Apenas entre 2013 e 2016, recebeu $52.6 milhões do governo norte-americano, equivalentes a aproximadamente R$300 milhões. Por conta desse investimento, a empresa estava preparada para agir rápido quando o SARS-CoV-2 foi identificado. Além disso, durante a pandemia, o governo aumentou sua ajuda e garantiu mais $955 milhões, que equivalem a aproximadamente R$5 bilhões. Ou seja, uma única empresa conseguiu investimento do governo norte-americano para pesquisas sobre a covid-19cem vezesmaior que o Brasilinteirorecebeu do nosso governo.
Grande parte desse investimento estatal não teve em vista um retorno financeiro a curto prazo. A Moderna, nesses 10 anos de existência, nunca lançou ou vendeu um produto sequer. De quebra, esse $1 bi investido pelo governo só representa 37% do valor total que a empresa recebeu, já que a maior parte foi proveniente da iniciativa privada. Enquanto os EUA e a Moderna estavam preparados para desenvolver uma vacina para a COVID-19, o Brasil teve que investir seu dinheiro no licenciamento de tecnologias estrangeiras.
E por falar em pandemia, os acirrados embates até então reservados aos campos sociais e econômicos, atingiram em cheio a ciência. O que antes estava imune a questionamentos desprovidos de técnica, agora se tornou alvo de constantes ataques. A prescrição de medicamentos passou ser feita de forma descriteriosa. Ignoram-se os dados e a pesquisa, aprofundando ainda mais o abismo entre o cientista brasileiro e sua necessária valorização.
Enquanto isso, apesar da resistência gerada por discussões ideológicas, cientistas brasileiros continuam lutando para fazer com que a ciência avance pelo Brasil e pelo mundo. Um exemplo é o do Dr. Pedro Folegatti, que saiu do nosso país e liderou os testes clínicos da vacina para a covid-19 da Universidade de Oxford. Ele foi o primeiro autor de uma publicação relatando os resultados na The Lancet.
Conquistas como estas merecem ser sempre lembradas quando falamos de ciência no Brasil. Nosso potencial é gigantesco e precisamos acreditar nele. Por isso, ratifico meu chamado para que possamos ressignificar a frase “tinha que ser brasileiro”, geralmente dita quando algo dá errado. Precisamos reconhecer nossos cientistas e pesquisadores, que, não obstante todas as dificuldades, contribuem para o progresso da ciência mundo afora. Esses sim, tinham que ser brasileiros.
No meu último ano em Harvard , co-presidi a Brazil Conference at Harvard and MIT, evento organizado por estudantes brasileiros que reúne grandes nomes do governo, indústria e academia nacional e internacional para discutir soluções para os maiores problemas do Brasil. Era abril de 2017 e eu tinha acabado de vivenciar a campanha e eleição do Donald Trump aqui nos EUA. Acompanhei de perto a forte polarização do debate, que se tornava cada vez mais agressivo. Nessa época, o mesmo padrão de intolerância se iniciava no Brasil, motivo pelo qual desenhamos a conferência como um espaço neutro para estimular o diálogo entre pessoas de visões opostas.
Após três dias intensos de palestras de líderes dos mais variados espectros, de Warren Buffett e Jorge Paulo Lemann à Dilma Rousseff e Sérgio Moro, fiz esse discurso de encerramento. Como estudante, pesquisadora e bolsista em uma das melhores universidades do mundo, tive acesso a recursos que pesquisadores não têm no Brasil. Por isso, decidi falar sobre a importância da ciência para o desenvolvimento dos demais setores da sociedade e também do nosso potencial como nação. Entre a plateia, houve um consenso: precisávamos de mais investimentos na área.
Já se passaram três anos e lamentavelmente não tivemos progressos significativos por parte do governo. A pasta ministerial da ciência e tecnologia, que já era coadjuvante, foi unida a da comunicação. Felizmente, isso só durou até junho deste ano, quando a pasta da comunicação foi novamente separada, muito embora isso não pareça ter sido motivado por uma maior valorização da ciência. Vimos cortes orçamentários de 42%. Ouvimos do Presidente da República que o investimento em pesquisa só deveria ser feito quando há retorno a curto prazo, o que é a verdadeira antítese do desenvolvimento científico.
Descobertas científicas são feitas a longo prazo. Se formos usar uma das empresas que lideram o desenvolvimento de uma vacina para a COVID-19 como exemplo, a Moderna, podemos entender bem o porquê da importância desse investimento paciente e contínuo. Fundada em 2011, a Moderna recebe aportes privados desde 2011 e estatais desde 2013. Apenas entre 2013 e 2016, recebeu $52.6 milhões do governo norte-americano, equivalentes a aproximadamente R$300 milhões. Por conta desse investimento, a empresa estava preparada para agir rápido quando o SARS-CoV-2 foi identificado. Além disso, durante a pandemia, o governo aumentou sua ajuda e garantiu mais $955 milhões, que equivalem a aproximadamente R$5 bilhões. Ou seja, uma única empresa conseguiu investimento do governo norte-americano para pesquisas sobre a covid-19cem vezesmaior que o Brasilinteirorecebeu do nosso governo.
Grande parte desse investimento estatal não teve em vista um retorno financeiro a curto prazo. A Moderna, nesses 10 anos de existência, nunca lançou ou vendeu um produto sequer. De quebra, esse $1 bi investido pelo governo só representa 37% do valor total que a empresa recebeu, já que a maior parte foi proveniente da iniciativa privada. Enquanto os EUA e a Moderna estavam preparados para desenvolver uma vacina para a COVID-19, o Brasil teve que investir seu dinheiro no licenciamento de tecnologias estrangeiras.
E por falar em pandemia, os acirrados embates até então reservados aos campos sociais e econômicos, atingiram em cheio a ciência. O que antes estava imune a questionamentos desprovidos de técnica, agora se tornou alvo de constantes ataques. A prescrição de medicamentos passou ser feita de forma descriteriosa. Ignoram-se os dados e a pesquisa, aprofundando ainda mais o abismo entre o cientista brasileiro e sua necessária valorização.
Enquanto isso, apesar da resistência gerada por discussões ideológicas, cientistas brasileiros continuam lutando para fazer com que a ciência avance pelo Brasil e pelo mundo. Um exemplo é o do Dr. Pedro Folegatti, que saiu do nosso país e liderou os testes clínicos da vacina para a covid-19 da Universidade de Oxford. Ele foi o primeiro autor de uma publicação relatando os resultados na The Lancet.
Conquistas como estas merecem ser sempre lembradas quando falamos de ciência no Brasil. Nosso potencial é gigantesco e precisamos acreditar nele. Por isso, ratifico meu chamado para que possamos ressignificar a frase “tinha que ser brasileiro”, geralmente dita quando algo dá errado. Precisamos reconhecer nossos cientistas e pesquisadores, que, não obstante todas as dificuldades, contribuem para o progresso da ciência mundo afora. Esses sim, tinham que ser brasileiros.