Um convite para trocar o "multitasking" pela "monotarefa"
Dividir a atenção em várias telas é um hábito largamente disseminado aqui no Brasil. Entenda por que vale a pena mudar esse hábito
Publicado em 9 de agosto de 2021 às, 07h46.
O que você está fazendo enquanto lê este texto? Por um acaso, estou disputando sua atenção com algo ou alguém? Uma reunião de trabalho? Ou essa leitura está sendo feita ao som de uma música, um podcast ou alguma série na Netflix?
A resposta mais provável é que, sim, você está realizando mais alguma atividade enquanto passa os olhos por essas linhas porque, afinal, quem tem tempo para se concentrar em uma coisa por vez? Aliás, dividir a atenção em várias telas é um hábito largamente disseminado aqui no Brasil: segundo pesquisa do Ibope Conecta divulgada em 2018, 95% dos brasileiros assistem à televisão com um olho lá e outro cá, na internet.
Nos Estados Unidos, também existem estudos que mostram que um alto número de pessoas checa o e-mail enquanto vê TV, durante reuniões de trabalho, nas refeições, dirigindo e até usando o banheiro. É o famoso multitask, cuja fama, na verdade, é baseada em um mito que, talvez, devesse dar lugar a outro conceito: a monotarefa.
O mito, no caso, é que conseguimos dar conta de muitas atividades ao mesmo tempo e, veja bem, isso simplesmente não é verdade. Nossa mente é, sim, incrível e os seres humanos são capazes dos feitos mais extraordinários, porém o cérebro tem um limite.
Vários estudos já provaram que só uma parcela muito pequena da população é capaz de dedicar plena atenção a mais de uma tarefa ao mesmo tempo. Mais precisamente 2,5% das pessoas, segundo pesquisadores da Universidade de Utah, nos Estados Unidos.
Esta não é uma descoberta nova, porém, ano após ano o mito do multitasking permanece e, inclusive, ganhou mais força na pandemia. Por quê?
Na minha opinião, essa história vem tanto de uma necessidade quanto de um desejo. De uma necessidade por causa do ritmo frenético de nossas vidas. Pedir tempo para as pessoas tornou-se algo muito difícil e caro.
Em uma realidade com programação das Olimpíadas em Tóquio, novidades sobre as vacinas e a pandemia, mudanças constantes no ambiente de negócios, novos filmes e séries entrando nas mais diversas plataformas de streaming, posts nas redes sociais, transformação digital, mensagens no WhatsApp e por aí vai, como alguém pode ter a audácia de pedir atenção exclusiva?!
É impossível dar conta de tudo se precisarmos fazer uma coisa por vez, por isso, acreditar que somos multitask é uma “necessidade”. “Temos” que nos dividir em dois ou três porque, do contrário, não conseguimos lidar com todas as demandas.
No entanto, você já parou para pensar em como faz isso? Como você equilibra os pratos? Porque se é verdade que tentamos ser um “polvo” e agarrar cada atividade com um tentáculo, também é verdade que é impossível dar conta de tudo com o mesmíssimo nível de qualidade. A não ser, claro, que você faça parte daqueles 2,5%.
Só que o mito de multitasking também pode ser motivado por um desejo. Não é só acreditar que somos multitarefas porque precisamos ser, mas acreditar porque queremos ser assim. Imagine poder dividir sua atenção em mais de uma atividade e terminar a lista de afazeres em metade do tempo?!
Imagine ter um momento de lazer assistindo algo na TV enquanto adiantamos algo de um projeto do trabalho? Talvez, no fundo, o desejo nem seja o multitasking, mas, sim, o resgate de algo que tem faltado na nossa vida: tempo.
Tentar “criar braços” para equilibrar vários pratos, no entanto, não é a saída. Pelo menos, não a que deveria ser utilizada com mais frequência.
Às vezes, vamos limpar a nossa caixa de e-mail enquanto deixamos a televisão ligada e tudo bem. Se uma das atividades é mecânica e não demanda tanto assim a sua atenção, você pode tentar conciliar com outra função. Porém, saiba que você não estará dedicado 100% a nenhuma delas.
Saber disso, na minha opinião, é mais libertador do que um banho de água fria porque nos ajuda a entender melhor como funcionamos e como podemos fazer melhor uso da nossa capacidade. Saber que temos uma capacidade de atenção limitada não significa que não devemos nunca mais tentar distribuir essa atenção, mas que vamos escolher quando e como fazer isso.
Significa também reconhecer os nossos limites e entender que optar por ser monotarefa em mais momentos não é uma derrota, e, sim, uma escolha inteligente. Significa que você sabe distinguir aquilo que demanda mais energia daquilo que pode ser “automatizado”, que você sabe priorizar tarefas e, mais do que isso, que você entende que somos humanos submetidos às 24 horas de um dia.
Por isso, meu convite é que você tente, pelo menos hoje, se concentrar em uma atividade importante de cada vez e avalie como se sentiu. O modo monotarefa, acredite, pode evitar refações e melhorar a sua produtividade.
- A digitalização do mercado de trabalho vai roubar seu emprego? Saiba como se adaptar. Assine a EXAME.
Ouça os conselhos dos maiores executivos e especialistas de carreira nos podcasts da Exame